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Condenar nao basta

JB, Outras Opinioes, p.A12
Autor: PRADO, Adonia Antunes
19 de Dez de 2005

Condenar não basta
Adonia Antunes Prado
Professora da UFF
O mineiro Francisco Campos, primeiro ministro a cuidar dos assuntos da educação no Brasil e titular da pasta da Justiça durante o Estado Novo, já se preocupava com a questão da impunidade em nosso país. Ele acreditava na certeza da punição como elemento decisivo para a prevenção do delito. O que diria, então, nosso Chico Ciência se, voltando ao mundo dos vivos, se deparasse com uma cultura de impunidade que periga forjar um futuro de cidadãs e cidadãos descrentes do valor da dignidade e do respeito aos demais e, o que é pior, descrentes do rigor da lei?
A prática de atos ilegais não necessariamente redunda em pena para quem os pratica e o tema impunidade contempla um amplo leque de características e de variáveis que tornam seu debate tão complexo quanto urgente. Na literatura especializada, a impunidade, definida como ausência de castigo legal, gozo de liberdade apesar de que se tenha cometido ação passível de penalidade, não aplicação de pena imposta etc.
No último dia 10, o 1o Tribunal do Júri do Pará condenou Rayfran das Neves Sales e Clodoaldo Batista pelo assassinato da missionária Dorothy Stang. Entretanto, as penas de 27 e 17 anos de prisão não são suficientes para que a consciência cidadã brasileira se considere contemplada em seu afã por justiça. É necessário mais. É necessário o cumprimento das penas impostas. E, mais: os mandantes do crime devem ser levados a júri.
Em regiões brasileiras distantes dos grandes centros, como tem acontecido no sul e no sudeste do Pará, observa-se que o perfil da impunidade está desenhado de maneira diversificada e quase onipresente. Crimes bárbaros, como o que ocorreram à família Canuto em Rio Maria, em que um presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do município, João Canuto, foi assassinado no ano de 1985 por pistoleiros de aluguel com mais de 15 tiros e, cinco anos mais tarde, seus filhos José e Paulo perderam a vida da mesma maneira, não encontram punição. No caso de João Canuto, o processo se arrastou durante 19 anos até o julgamento, em 2003, tendo como resultado a condenação de dois mandantes do assassinato - o ex-prefeito de Rio Maria, Adilson Laranjeira, e o fazendeiro Vantuir Gonçalves de Paula - a 19 anos e dez meses de prisão. Os dois encontram-se foragidos. Em relação ao assassinato dos jovens Canuto, Ubiratan Ubirajara foi condenado, em 1994, a 50 anos de prisão, tendo-se evadido da penitenciária onde cumpria pena depois da condenação, situação em que se encontra até o momento. Do segundo assassino não se tem notícia. Outro caso rumoroso de impunidade é o do assassinato do sindicalista José Dutra da Costa, o Dezinho, e aconteceu em Rondon do Pará, no ano de 2000. As investigações realizadas à época apontaram mandante e intermediários que jamais chegaram a responder por tais acusações, apesar do grande número de evidências levantadas. Atualmente, sua viúva e sucessora na presidência do Sindicato, Maria Joel Dias da Costa, vem sofrendo constantes ameaças de morte.
Representantes do governo do Pará garantem que os culpados pela morte da irmã Dorothy terão julgamento exemplar. Espera-se que sim, sabendo, entretanto, que a experiência tem demonstrado que a condenação não é suficiente para que a justiça seja cumprida: os condenados dever ser detidos e, sobretudo, dever permanecer presos.
A sociedade brasileira espera e necessita que a Justiça, mais que uma senhora de vendas nos olhos e uma balança na mão direita, ouça o apelo daqueles que ainda acreditam nas leis brasileiras e na sua efetividade.

JB, 19/12/2005, p. A12

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