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Comunidades quilombolas lutam pela sobrevivência

Jornal de Brasilia - https://jornaldebrasilia.com.br/brasil/comunidades-quilombolas-lutam-pela-sobre
Autor: Olavo David Neto
17 de Ago de 2020

Ausência do Estado faz com que essa minoria se organize em todo o país para enfrentar os riscos da contaminação

"Não há uma política do Estado para que as comunidades possam entender esse processo que a doença utiliza. A falta de informação, educação e saúde é um gargalo. Não existe uma política efetiva para as populações do campo, os cuidados de isolamento, testagem, esse processo de aconselhamento em saúde pública", ataca Magno Nascimento, da Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará (Malungu). Até a sexta-feira (14), o estado nortista perdeu 43 moradores de comunidades quilombolas em decorrência da covid-19.

As mortes nas comunidades paraenses representam quase um terço de todos os óbitos quilombolas no Brasil. Conforme dados coletados pelos próprios moradores e aglutinados pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) - que os cruza com informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no portal Quilombo Sem Covid-19 -, são 152 falecimentos nos quilombos brasileiros, com 4.102 infecções. Há 528 localidades no estado, sendo apenas 65 nas redondezas de algum município.

A segunda posição em óbitos quilombolas é do Rio de Janeiro. Apesar da baixa concentração de comunidades - são 116, e 36 delas nas cercanias de áreas urbanas - até a última sexta foram 37 falecimentos dentro dos quilombos por causa da pandemia.

Fim do isolamento
Moradora do Maria Joaquina, nas imediações de Cabo Frio, na Região dos Lagos fluminense, Rejane Oliveira critica a retomada de atividades não essenciais no município. "Abriram o comércio e permitiram jogos de futebol na cidade. Todo mundo está na rua, não tem mais isolamento", aponta.

Membro da Conaq e coordenadora da Associação dos Quilombolas do Rio de Janeiro (Aquilerj), Oliveira mostra que, apesar da proximidade com a cidade, o percurso até o atendimento em caso de contaminação pelo novo coronavírus é grande. "Fui infectada em junho, mas já estou melhor. São 25 km até o hospital de campanha. Foi uma luta para ser atendida e comprar remédio", relata a ativista.

Assim como o colega paraense, ela ataca a ausência do Estado durante uma crise sem precedentes. "Até o momento, não há ações do governo, apenas de ONGs [organizações não governamentais] e ação integrada da população", queixa-se.

Ela atendeu à reportagem na volta de uma dessas iniciativas. A articulação das dez comunidades remanescenes dos quilombos presentes na Região dos Lagos identificou que a mão de obra ociosa das mulheres das redondezas seria crucial para a defesa dessas comunidades.

"Demos a ideia de costurar as máscaras e entregar nos quilombos, para promover a necessidade de proteção contra essa doença", conta Oliveira. "Cada costureira nossa recebe 400 máscaras para distribuir e alguns metros de pano para continuar produzindo", explica.

Outros estados
Atrás de Rio de Janeiro e Pará vem o Amapá, com 21 mortes de quilombolas - quase um óbito a cada 3,41 comunidades do gênero. O Maranhão contabilizou 12 falecimentos, e nove foram registrados em Pernambuco. Bahia e Espírito Santo perderam cinco moradores de quilombos cada.

Também registraram vítimas os estados de Goiás, Ceará, Paraíba, Alagoas - terra do lendário Quilombo dos Palmares -, Rio Grande do Norte, Tocantins, Amazonas e Piauí.

Falta de acesso a serviços
A entrada das comunidades quilombolas no mapa da covid-19 foi exponencial. Em 23 de abril, o Jornal de Brasília conversou com Givânia Silva, fundadora da Conaq. À época, eram sete casos de contaminação pelo novo coronavírus, com seis mortes. Agora, são 586 vezes mais infecções e 25 vezes mais mortes, e a situação das comunidades pode piorar.

De acordo com estudo em parceria de Conaq, quipe de Conservação da Amazônia (Ecam) e outras entidades, 67% da população entrevistada vive com até um salário mínimo por mês, e 63% têm ao menos um parente trabalhando fora da comunidade.

Pontos de risco
São dois pontos de risco para a saúde dos quilombos. Primeiro, porque o custo com tratamento para a covid-19 é contrastado com a pouca capacidade de compra; depois, entrada e saída de quilombolas das comunidades abrem portas para a contaminação em massa.

"Muitos precisam sair para trabalhar, e assim se contaminam nas cidades. Quando voltam, trazem o vírus", comenta Givânia. "É uma precariedade pela falta de ação do Estado. O próprio monitoramento deveria ser feito pelas autoridades, não por nós", contesta.

Outro ponto crucial na pesquisa versa sobre o acesso a água. A necessidade de higienização para combater o novo coronavírus esbarra no parco fornecimento.

Segundo Ecam, Conaq e parceiras, 55% dos quilombolas dependem de poços artesianos, que ainda representam problemas de higiene. "A água é captada de algum recurso hídrico e não tem tratamento algum antes do consumo", comenta Nascimento.

Esgoto
Com relação a coleta de esgoto, apenas 0,3% dos entrevistados são beneficiados por esgotamento ambiental. Em contrapartida, 19% convivem com esgotos a céu aberto.

Questionado sobre políticas de apoio aos quilombos em meio à pandemia, o Ministério da Cidadania afirmou que essa responsabilidade era do Ministério da Saúde e da Fundação Cultural Palmares (FCP), que não responderam aos contatos da reportagem até o fechamento desta edição.

Não existe um número oficial sobre o tamanho da população quilombola brasileira. Fontes não governamentais estimam a existência de 2 mil a 3 mil comunidades. O cadastro oficial reconhece 1.700.

Saiba Mais
Os quilombos são comunidades surgidas da luta contra a escravidão no país até o século 19.

Grupos de escravos fugiam da cruel situação da escravidão e se abrigavam nesses espaços, onde se organizavam para resistir e viver.

A palavra vem do termo kilombo, presente no idioma bantu, de Angola. Significa "lugar de pouso" ou "acampamento".

Os atuais quilombolas são descendentes desses escravos que organizaram no passado tais localidades.

O mais famoso dos quilombos foi o de Palmares, em Alagoas. Na verdade, Palmares era uma reunião de dez quilombos e chegou a ter uma população de 20 mil habitantes. Principal líder de Palmares, Zumbi tornou-se um herói negro e é em sua homenagem que é celebrado o Dia da Consciência Negra.

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