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Compartilhar: a chave para economia verde

O Globo, Economia, p. 26
30 de Dez de 2012

Compartilhar: a chave para economia verde
Crescem no mundo iniciativas de consumo colaborativo, no qual o uso é mais importante que a posse do bem
LEO MARTINS

LUCIANA CASEMIRO
lucianac@oglobo.com.br

Buscar formas de compartilhar, trocar, vender produtos ou serviços: essa é a base do chamado consumo colaborativo, listado pela revista americana "Time" entre uma das "Dez ideias que podem mudar o mundo". A prática, que já é popular nos Estados Unidos, Europa e Austrália, vem ganhando adeptos no Brasil. São iniciativas para organizar caronas, promover o compartilhamento de carros e bicicletas ou a troca de moradias para as férias, bem como os já manjados sites que fazem intermediação da venda de objetos usados, os brechós e as casas de aluguel de roupas.
- As cidades, especialmente as europeias, que já têm uma maturidade de planejamento urbano diferente, com o sofrimento advindo da crise tiveram de repensar o consumo. E o sistema colaborativo, além de trazer economia, traz outras vantagens. A dificuldade é o tempo de busca e acesso a acervos para troca, o que vem sendo driblado com aplicativos e sites, como um americano que permite saber o que está disponível para compartilhamento no raio de um quilômetro da sua casa. Quando se alcança escala, pode-se chegar a um modelo de negócios lucrativo, tanto para o empreendedor quanto para o meio ambiente - diz Camila Haddad, uma das mentoras da Cinese, site voltado ao compartilhamento de conhecimento.
Resgate das relações interpessoais
Camila já trabalhava com consumo consciente quando decidiu se debruçar sobre o modelo colaborativo em seu mestrado na Universidade de Londres. A confiança, maior entrave ao novo sistema, foi seu objeto de estudo.
- Nos centros urbanos, há um isolamento, você não conhece sequer seus vizinhos, como abrir a porta e emprestar o carro? Fui estudar como impulsionar a confiança e observei que, quanto maior o engajamento das pessoas em consumo colaborativo pela internet, maior no mundo real, e vice-versa - explica Camila. - Nas entrevistas percebi que, nesse tipo de consumo, quando a primeira experiência é boa, há um impacto positivo na confiança no ser humano de forma geral, e isso faz com que as pessoas ampliem seu comportamento de compartilhamento. Essa mudança altera a forma como nós nos relacionamos com os outros e com a sociedade, e também como os negócios são feitos. O importante passa a ser o uso e não a posse, e as empresas têm de passar a pensar mais a longo prazo, até em formas de fazer um upgrade no produto sem que seja necessário o descarte. É um mundo novo.
João Paulo Amaral, pesquisador do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), ressalta que o novo modelo demandará também uma nova postura mercadológica das empresas, que pressupõe transformar produto em serviço. Um modelo de negócios muito próximo à sustentabilidade, diz:
- Pelo lado das empresas, é preciso enfatizar a continuidade do uso daquele produto. E pelo lado da sociedade, é necessária uma mudança de conceito. O mais importante é o desafio de resgatar relações interpessoais. O consumo colaborativo não traz só redução de despesas e de recursos naturais, mas a necessidade de estabelecer relações de confiança, de respeito. E o compartilhamento não deve ser só de bens, mas também de experiências.
Sustentabilidade com conforto
Segundo Helio Mattar, diretor-presidente do Instituto Akatu, que defende o consumo consciente, essa mudança de modelo levará a uma transição de uma sociedade fortemente industrializada para uma sociedade de serviços.
- O importante no consumo é o que dá bem estar, não o valor, a posse. É preciso repensar a vida, é uma mudança de cultura ao longo do tempo. Os varejistas de hoje, que pensam apenas em vender bens, vão começar a pensar em aluguel, na prestação de serviços de manutenção. E a demanda por mais serviços significa mais emprego e menos uso de recursos naturais. Hoje consumimos 50% a mais do que o planeta é capaz de renovar. O compartilhamento é uma solução, sem perda de conforto e de conveniência - afirma Mattar.
Ele acrescenta que adotar o consumo colaborativo pode trazer benefícios com pequenas mudanças:
- Um exemplo são os produtos e equipamentos para manutenção doméstica usados raramente, como furadeira, alicate, martelo, que poderiam ser compartilhados com vizinhos ou alugados. Outro são as máquinas de lavar, que em prédios americanos ficam concentradas numa lavanderia: ganha-se em durabilidade, com aparelhos mais robustos e serviços de manutenção que não o deixam na mão, além de a maior capacidade das lavadouras proporcionar economia de água.
Jaqueline Santos não conhecia o conceito de consumo compartilhado, mas já o pratica há três anos. Em frente a sua papelaria, em Niterói, ela criou um ponto de compartilhamento de livros:
- Comecei com os livros do meu sobrinho. Coloquei numa caixa para doar e logo apareceram pessoas perguntando se podiam trazer livros para a gente. Acabou que o bairro todo comprou a ideia. Negócio sem dinheiro é sempre muito bom, muito saudável - conta Jaqueline.
A professora Isabela Brandão já era cliente da papelaria de Jaqueline e passou a ser uma das colaboradoras e usuárias mais frequentes da "biblioteca".
- É uma forma de fazer a cultura girar. E ninguém tem mais lugar para guardar livro em casa. Além disso, essa experiência abre a visão de comunidade e as portas para outros compartilhamentos - afirma.

Modelo cria mais oportunidade de ser sustentável
Diretora de Inovação da consultoria Collaborative Lab, a australiana aposta no mercado brasileiro

Corpo a Corpo
Lauren Anderson

Como o consumo colaborativo pode influenciar a transição para uma economia verde?

Ele permite que as pessoas tenham acesso às coisas de que precisam, sem acúmulo material. O consumo colaborativo possibilita o melhor uso do que temos e também limita a quantidade de coisas que compramos, as quais têm um impacto nos recursos naturais.

Isso significa dar mais valor ao uso do que à posse. Essa mudança de cultura já está em curso?

Essa mudança de valores está em curso, mas demora e começa quando as pessoas entendem que é mais conveniente compartilhar ou trocar do que comprar coisas novas todo o tempo. E se intensifica quando se percebe que há efeitos positivos, tanto para o meio ambiente quanto financeiros.

A web é um catalisador desse movimento. Seria certo supor que os jovens são a maioria?

O fato de a Geração Y ter uma relação mais instintiva com a internet influencia para que o consumo colaborativo afete esse grupo. Mas, de fato, o maior mercado desse movimento são as pessoas com mais de 55 anos, usualmente já aposentadas, vivendo o "ninho vazio", em busca de compartilhar suas habilidades e seu tempo.

Quais países estão mais desenvolvidos nesse conceito?

Estados Unidos e Europa lideram em número de negócios colaborativos no mundo, mas têm crescido inacreditavelmente as iniciativas na Coreia do Sul e no Brasil, que consideramos os dois mais importantes mercados em crescimento para o modelo.

Variações sobre o mesmo tema

MERCADOS DE REDISTRIBUIÇÃO: Fazem a intermediação para que as pessoas possam deixar coisas de que não precisam mais e enviar para quem precisa. Exemplos: eBay, thredUP, Freecycle, Mercado Livre, Busca Lá, Descola aí.

SISTEMA DE SERVIÇOS:
Permite alugar ou emprestar coisas em vez de comprá-las, como compartilhamento de carros e de casas para viagens. Exemplos: Zazcar, Caronetas, Fica lá em casa, Zipcar, Chegg textbook rental e Bag Borrow.

ESTILO DE VIDA COLABORATIVO:
Sistema pelo qual se pode alugar e dividir itens menos tangíveis como espaço, habilidades e tempo.
Exemplos: Cinesi, Couchsurfing, Airbnb, Skillshare, Taskrabbit.

O Globo, 30/12/2012, Economia, p. 26

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