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Como virar ambientalista cósmico

FSP, Tec, p. A17
Autor: LEMOS, Ronaldo
07 de Set de 2015

Como virar ambientalista cósmico

Ronaldo Lemos

Em livro, grande nave espacial com recursos finitos é uma metáfora para o nosso planeta
Graças ao meu amigo Hermano Vianna, li pela primeira vez um livro do escritor de ficção científica Kim Stanley Robinson. No caso, "Aurora", lançado em julho (pode ser encontrado em inglês em algumas livrarias ou em e-book).
Robinson tem 63 anos e estudou nas melhores faculdades dos EUA. Cresceu e mora na Califórnia, lugar que tem profunda influência sobre sua obra. A mistura de desastre ecológico (seca perpétua) com prosperidade econômica faz com que ele alterne livros ora distópicos (com futuros tenebrosos), ora utópicos.
"Aurora" é espetacular. Antes de falar dele é preciso demolir preconceitos: já vi sua obra ser classificada como "cli-fi" (ficção científica sobre mudança climática), o suficiente para gerar certa preguiça. Que erro!
O livro fala de uma nave lançada com o objetivo de colonizar um planeta fora do sistema solar. Ela viaja a um décimo da velocidade da luz em direção ao sistema Tau Ceti, distante 12 anos-luz. A viagem leva 200 anos, e o livro começa quando a nave está prestes a chegar, já na terceira geração de tripulantes, que nunca tiveram contato com a Terra. São mais de 2.000 pessoas (e plantas e animais), distribuídas em 24 biomas que reproduzem os climas terrestres. Uma "arca de Noé interestelar".
É nesse cenário que Robinson mostra sua habilidade, articulando conceitos científicos para produzir uma narrativa plausível, de tirar o fôlego. "Aurora" é, ao mesmo tempo, um tratado político e moral (na linha de Henry David Thoreau), um manual de mecânica celeste aplicada, um compêndio de astrobiologia, um almanaque de ciência da computação e uma imparável defesa de tese sobre os limites da existência.
A teoria do livro é que a vida é uma expressão planetária, intrinsecamente ligada ao lugar onde surgiu. Por essa razão não vemos (e não veremos) extraterrestres passeando pelo cosmos. Se há outras civilizações, estão destinadas a ficar onde surgiram. Nunca haverá outro planeta capaz de suportar a vida humana.
Claro que essa tese é politicamente controversa. No livro, os viajantes interestelares irão passar por um profundo processo de "polarização" a respeito da viabilidade ou não de se habitar outro planeta (a dinâmica dessa polarização lembra o momento político no Brasil). As consequências serão dramáticas.
O livro foi escrito em colaboração com cientistas e em diálogo com a Nasa. Quase sem esforço, Robinson demonstra a interdependência dos diversos biomas da nave, metáfora para a situação atual da Terra.
Após a leitura, fica a ideia de que nosso planeta é também uma grande nave espacial com recursos finitos. A única diferença para a nave do livro é que nossa margem de erro de balanceamento do ecossistema terrestre é maior -mas igualmente finita. A partir dessa constatação é difícil não se tornar um ambientalista cósmico. Como disse Robinson em entrevista recente: "Já vivemos em uma grande ficção científica da qual somos todos autores".
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RONALDO LEMOS é advogado e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro ronaldo@itsrio.org

FSP, 07/09/2015, Tec, p. A17

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/tec/232106-como-virar-ambientalista-co…

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