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Como a tecnologia pode ser uma aliada na conservação ambiental

Nexo Jornal - https://www.nexojornal.com.br/
Autor: Carolina Grottera, Luiza Maia de Castro e Manuella Cunha Brito
14 de Ago de 2021

Inovações sociais e tecnológicas podem ajudar a estabelecer novas relações com áreas rurais e florestais e suas populações

Se respeitar culturas tradicionais e preservar a natureza ainda remete a uma renúncia a tecnologias modernas, é tempo de rever paradigmas. Conciliar inovações de ponta com as necessidades do coração da floresta e de áreas rurais pode gerar oportunidades para um modelo de desenvolvimento mais sustentável, benéfico para as pessoas e para o planeta. Inovações sociais e tecnológicas podem ajudar a superar desafios, estabelecendo novas relações com áreas rurais e florestais e suas populações. Elas criam oportunidades para valorizar heranças culturais, difundir conhecimentos tradicionais e desenvolver novos serviços e produtos que agregam valor à sociobiodiversidade.

O projeto Amazônia 4.0 prevê a criação dos Laboratórios Criativos da Amazônia. Liderado por cientistas renomados como Carlos Nobre e Ismael Nobre, o projeto advoga por uma transformação socioeconômica inclusiva, baseada no aproveitamento econômico de ativos biológicos e biomiméticos da Amazônia com alto valor agregado. Esforços nessa direção também estão sendo feitos por iniciativas como o Amazon Bank of Codes, uma plataforma digital aberta e global que mapeia o sequenciamento genético da biodiversidade amazônica. Ao registrar a propriedade intelectual biológica e biomimética via blockchain, o projeto busca tornar estes ativos visíveis e acessíveis a pesquisadores em todo o mundo, ao mesmo tempo em que garante a partilha justa e equitativa dos benefícios comerciais que deles resultam.

Também é possível aplicar o blockchain para rastrear todo o rebanho de gado - do pasto ao prato - incluindo as fazendas pelas quais o rebanho passou e o frigorífico no qual foi abatido. A prática possibilita assegurar que a carne comercializada não esteja associada ao desmatamento ilegal. Outra forma de aumentar a transparência dos processos produtivos é via certificação de produtos orgânicos ou comércio justo. Entretanto, esta costuma ser uma opção cara e trabalhosa, por vezes inacessível para pequenos produtores e cooperativas. A criação de QR codes é uma alternativa que oferece uma "jornada real" da cadeia de valor e das estratégias de impacto das empresas sociais. Um exemplo bem conhecido é o Selo Origens Brasil, que usa QR codes para rastrear cadeias de suprimentos de quatro territórios de diversidade socioambiental na Amazônia brasileira: Xingu, Calha Norte, Solimões e Rio Negro.

As áreas rurais e florestais são frequentemente isoladas por uma infraestrutura de transporte deficiente. Ao mesmo tempo, a abertura de ferrovias e rodovias é um dos principais indutores do desmatamento na Amazônia. Para contornar tais dificuldades, drones (veículos aéreos não tripulados) podem cobrir rotas estratégicas para permitir que os produtos atravessem trechos de floresta mesmo na ausência de infraestrutura. Isso é particularmente interessante para transportar produtos da bioeconomia com baixo volume e alto valor agregado, como seivas, manteigas e sementes. O transporte hidroviário é outra opção livre de desmatamento, que permite aproveitar a grande disponibilidade de rios navegáveis do Brasil. Uma aposta promissora são os barcos movidos a energia solar, que podem reduzir os custos, a dependência econômica e as emissões associadas aos combustíveis normalmente usados na navegação, como o óleo diesel. Falando em energia, a instalação de painéis solares fotovoltaicos traz autonomia para comunidades e aldeias indígenas em áreas remotas, dispensando a necessidade de linhas de transmissão de eletricidade, que também são indutoras do desmatamento. O acesso à energia limpa melhora o bem-estar e as capacidades individuais. A iluminação permite que os indivíduos trabalhem e estudem à noite, a refrigeração contribui para estender a vida útil dos produtos agrícolas, a irrigação aumenta a produtividade, fogões melhores reduzem as doenças respiratórias e assim por diante. Não menos importante, a eletricidade permite a conexão - por internet via satélite - que é indispensável para muitas das soluções aqui apresentadas.

Treinamento, capacitação técnica e troca de experiências são algumas atividades que requerem conectividade. Ao serem combinados com tecnologias de ponta, podem ser potencializados. A realidade aumentada pode ser utilizada para prestar assistência técnica, pois permite a interação virtual com equipamentos com boa precisão, como se estivessem fisicamente ao alcance das mãos. Já a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) utiliza a realidade virtual para promover sistemas de integração ILPF (Lavoura-Pecuária-Floresta). Através de óculos de realidade virtual, eles mostram aos agricultores como funciona a ILPF, permitindo-lhes ver a potencial transformação de áreas degradadas em áreas produtivas e sustentáveis. Outra abordagem interessante é a do aplicativo Plantix, uma ferramenta de inteligência artificial que permite aos agricultores enviar fotos de suas plantas para diagnosticar doenças, pragas e deficiências de nutrientes e receber possíveis soluções.

A internet fortalece o engajamento e a visibilidade de populações tradicionais e indígenas por meio de redes sociais, rádios e veículos de mídia digital. Ela também promove a criação e o fortalecimento de mercados e a inovação nos sistemas de financiamento, integrando pequenos agricultores e produtores da comunidade florestal a cadeias de abastecimento maiores. Um exemplo é a startup brasileira Sumá, uma plataforma online que conecta pequenos agricultores a compradores regulares. Ela oferece treinamento para que os fornecedores atendam aos requisitos dos compradores, que, por sua vez, recebem informações diretamente do campo para que preparem seus cardápios de acordo com a produção local e a sazonalidade dos produtos. No âmbito do financiamento, a SITAWI, organização brasileira que oferece soluções financeiras voltadas para o impacto social, lançou sua Plataforma de Empréstimo Coletivo, que conecta diretamente investidores a pequenos produtores e cooperativas com impacto socioambiental positivo. O Fundo Socioambiental Conexsus é uma iniciativa que fornece financiamento direto para empresas atenderem às suas necessidades de capital de giro. Por meio de consultoria financeira, também busca capacitá-las para acessar políticas a elas destinadas, como crédito rural subsidiado e programas de compras de alimentos.

O relatório The Frontiers of Impact Tech apresenta mais de 180 oportunidades do uso da tecnologia para ajudar a alcançar os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU (Organização das Nações Unidas), com centenas de exemplos concretos ao redor do mundo. Aqui, trouxemos algumas breves aplicações para o caso brasileiro que mostram que, conectando a sabedoria tradicional dos povos da floresta e o conhecimento científico, desenvolvemos soluções capazes de conciliar a conservação e a geração de renda. Assim é possível criar um círculo virtuoso de combate à degradação ambiental e fortalecimento das populações rurais e florestais.

As autoras agradecem o apoio da CLUA (Climate and Land Use Alliance) e do Meridian Institute. Este artigo foi desenvolvido no âmbito da série Climate and Forests 2030: Resources for Funders.

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