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Como frear a alta de mortes no território Yanomami

Nexo - https://www.nexojornal.com.br
Autor: Mariana Vick
25 de Fev de 2024

Dados do Ministério da Saúde mostram que houve 363 registros de óbitos na região em 2023. Número é o maior desde 2018. Governo elabora plano para reformular saúde no território

Dados divulgados pelo Ministério da Saúde na quinta-feira (22) mostram que houve 363 mortes de indígenas na terra Yanomami em 2023, primeiro ano do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. O número é o maior desde 2018. A alta ocorreu mesmo depois do início das operações federais para enfrentar a crise humanitária na região.

Maior território indígena do Brasil, a terra Yanomami tem cerca de 32 mil pessoas entre Roraima e o norte do Amazonas. Problemas como a malária, a desnutrição e outras consequências da invasão do garimpo ilegal são os responsáveis pela crise de saúde na região. O governo federal admite que falhas crônicas no atendimento também contribuem para que o quadro persista.

Neste texto, o Nexo explica os dados de mortes na terra indígena Yanomami nos anos recentes e o quadro de saúde na região. Mostra também a resposta do governo sobre os números de 2023, os problemas apontados pelo Ministério da Saúde no atendimento aos indígenas e as possíveis medidas para resolvê-los.

O que os dados mostram

Dados disponibilizados pelo Ministério da Saúde a veículos de imprensa via Lei de Acesso à Informação mostram que o número de mortes de indígenas Yanomami em 2023 é o maior desde o último ano do governo de Michel Temer. A quantidade de óbitos cresceu de 2018 a 2021, caiu ligeiramente em 2022 e teve uma nova alta no ano seguinte, de acordo com os registros oficiais. O gráfico abaixo mostra a trajetória:

TRAJETÓRIA

O quadro é negativo. O governo federal fez a primeira missão oficial à terra Yanomami em janeiro de 2023 por causa da atual crise sanitária. Diversas ações emergenciais nas áreas de saúde, segurança, meio ambiente e assistência social foram adotadas ao longo dos meses para tentar resolver os problemas locais, e mesmo assim a mortalidade cresceu.

Informações publicadas pelo Ministério da Saúde em boletim na quinta (22) mostram que também foi alta a incidência de doenças na região em um ano. Houve 29.900 registros de malária, 7.104 de síndrome respiratória aguda grave, 26.747 de síndrome gripal e 10.461 de doenças diarreicas agudas na terra indígena em 2023. Foram identificados ainda casos de desnutrição infantil:

93

foram os casos tratados de desnutrição grave infantil em 2023, somando crianças menores de 5 anos na terra indígena e na Casai (Casa de Saúde Indígena) em Boa Vista (RR)

77

foram os casos tratados de desnutrição moderada infantil em 2023, somando crianças menores de 5 anos na terra indígena e na Casai (Casa de Saúde Indígena) em Boa Vista (RR)

Essas doenças estão associadas em parte à presença do garimpo ilegal - que, apesar das ações do governo, ainda está presente na terra Yanomami. A atividade contamina os rios e degrada a floresta, o que afeta a disponibilidade de produtos consumidos pela população, sujeita à desnutrição. Os invasores também são vetores de agentes infecciosos como o da malária e o da gripe.

O que o governo federal diz

O Ministério da Saúde afirma que os dados de mortes de 2023 superaram os dos anos anteriores porque antes havia subnotificação. Com maior presença do Estado na terra indígena, houve maior notificação das mortes, segundo o governo. Para a pasta, portanto, não é possível comparar o cenário atual com o das gestões anteriores.

O ministério também afirma que há uma diferença entre a data do óbito e o momento da notificação no sistema. "Pelas dificuldades de acesso no território, essa notificação oficial pode levar algum tempo", segundo boletim divulgado na quinta (22). Desde 2023, o ministério diz fazer uma busca ativa para identificar possíveis mortes não notificadas oficialmente nos últimos governos.

"Temos a certeza de que temos subnotificação, mas, agora, sabemos que temos, sabemos onde, e temos o diagnóstico do que está acontecendo no território", disse a secretária de Vigilância em Saúde, Ethel Maciel, em entrevista a jornalistas. O ministério também diz que há comunidades onde ainda não é possível prestar assistência por falta de segurança aos profissionais de saúde. Por causa disso, os números de 2023 e dos anos anteriores ainda podem mudar.

Weibe Tapeba, secretário de Saúde Indígena do Ministério da Saúde, afirmou ainda que a subnotificação de mortes entre os Yanomami é histórica. Por razões culturais, a etnia busca não manter lembranças das pessoas que morreram, o que dificulta o repasse de informações às autoridades. "Os dados referentes aos últimos anos não são confiáveis.

As falhas de assistência que agravam o cenário

Além da presença do garimpo ilegal, falhas crônicas no sistema de saúde indígena do Brasil podem estar contribuindo para a persistência da crise na terra indígena Yanomami. O governo federal listou em documento publicado neste mês - uma publicação diferente da que informou os dados de mortes de 2023 na quinta (22) - os problemas registrados no atendimento a territórios indígenas do Brasil em anos recentes. Os desafios incluem:

cortes de verbas

falta de profissionais de saúde

rotatividade dos que atuam no território

deficit na qualificação profissional

insuficiência de insumos, medicamentos e equipamentos

deficit no monitoramento e qualificação dos dados

deficit na avaliação das ações em saúde

fragilidade no planejamento das políticas públicas

dificuldades logísticas

A publicação não se refere apenas a problemas na terra Yanomami, mas em todas as terras indígenas. O texto foi entregue ao Supremo Tribunal Federal no começo de fevereiro e perdeu o sigilo na terça (20). O ministro Luís Roberto Barroso havia pedido um plano do Ministério da Saúde para aperfeiçoar a saúde indígena no âmbito de uma ação de 2020 que acusava o governo de omissão na proteção de indígenas na pandemia de covid-19.

A saúde indígena é um subsistema dentro do SUS (Sistema Único de Saúde). Por meio da Secretaria de Saúde Indígena, o governo federal desenvolve ações nos territórios, com foco na atenção básica. Além dos chamados distritos sanitários indígenas - unidades gestoras locais -, o subsistema abrange postos de saúde e Casas de Saúde Indígena, localizadas em cidades de referência.

Outros problemas identificados nos territórios se referem a outras
políticas públicas, como de saneamento básico. Estudo publicado em 2020 pela Fiocruz em parceria com o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) mostrou que a falta de saneamento é uma das razões para a incidência de doenças na terra Yanomami. A publicação deste mês do Ministério da Saúde afirma que o problema também está presente em outros territórios indígenas.

O que fazer para mudar a situação

Para enfrentar esses problemas, é preciso fortalecer o sistema de saúde na terra Yanomami. Em 2021, o Ministério Público Federal recomendou que o distrito sanitário local reestruturasse sua assistência básica. As propostas incluíam rever o quadro de profissionais, criar um novo plano para combater a malária e a desnutrição e contratar uma empresa de transporte aéreo para cobrir todo o território, entre outras medidas.

Diversas ações foram adotadas desde a emergência deflagrada em 2023. Dada a insuficiência das ações adotadas até agora - não só nesse, mas em outros territórios indígenas -, o governo federal propôs no documento apresentado neste mês novas medidas para melhorar o quadro. A proposta é de reformular a política de saúde indígena, incluindo:

revisão de políticas públicas

definição de melhores critérios para repasses

articulação com outros órgãos e secretarias

incremento de mais profissionais pelo programa Mais Médicos

incentivo para atenção especializada aos povos indígenas

disponibilização de dados nos sites oficiais

criação de novos indicadores de saúde

padronização de contratos (de pessoas, equipamentos etc.)

medidas específicas, como qualificação de profissionais, disponibilização de materiais educativos, entre outras

Para lideranças Yanomami, também é preciso continuar enfrentando o
garimpo ilegal na região. Um dos principais gargalos do atendimento em saúde na terra indígena é a falta de segurança para profissionais de saúde. A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, afirmou na quinta (22) que as ações emergenciais de 2023 não foram suficientes para resolver todas as questões do território e voltou a falar que haverá um grupo permanente em Roraima para combater as invasões.

Em um ano, o governo afirma que ampliou de 690 para 1.058 os profissionais na terra indígena e aumentou de 9 para 28 os profissionais do Mais Médicos. Também foram feitas 3.407 remoções de indígenas para atendimento médico, recuperação nutricional de 400 crianças e aplicação de 59 mil doses de vacinas. O próximo plano é construir um hospital indígena em Boa Vista (RR) e pôr em pé (ou reformar) 22 unidades básicas de saúde indígenas.

https://www.nexojornal.com.br/expresso/2024/02/25/mortes-yanomami-como-…

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