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Comércio fecha as portas em MS com medo dos caiovás

OESP, Nacional, p. A9
24 de Jan de 2004

Comércio fecha as portas em MS com medo dos caiovás
Após confronto com fazendeiros em Iguatemi, população agora teme saques

JOSÉ MARIA TOMAZELA

IGUATEMI - Os funcionários do Supermercado Brasil, na Avenida Presidente Vargas, a principal de Iguatemi, no extremo sul de Mato Grosso do Sul, trabalham atentos ao movimento da rua. Ao menor sinal de anormalidade, baixam as portas. A proprietária, Neusa Santana de Lima, foi avisada de que os índios iriam saquear as prateleiras e está vivendo com medo e incerteza.
"Depois do que fizeram na ponte, tudo é possível", disse. Na quarta-feira, cerca de 600 índios investiram contra um grupo de fazendeiros que bloqueava a ponte sobre o Rio Iguatemi, na divisa do município com Japorã, e houve confronto. Duas pessoas, um fazendeiro e um índio, ficaram feridas.
Os caiovás-guaranis invadiram 14 fazendas da região e o protesto era contra a demora em cumprir um mandado de reintegração de posse concedido pela Justiça federal. Até então, os índios em guerra não tinham deixado as áreas invadidas. Agora, dizem que, se forem despejados, entram na cidade. "Mesmo sem virem, já estão fazendo estrago", diz a comerciante. Ela conta que, desde o início das invasões, há um mês, o movimento do supermercado caiu 30%. "As vendas com cartões, para turistas e pessoas de fora, caíram 90%."
O Supermercado Santos e outros estabelecimentos também fecharam as portas ontem e anteontem, em vários períodos. "Se a situação continuar assim, serei obrigada a dispensar 10 dos 24 funcionários", diz Neusa. Dono de um hotel e restaurante, Catarino Juvenal Tiecher afirma que, nos 20 anos em Iguatemi, é a primeira vez que os índios incomodam. "Tem gente por trás deles."
A ameaça de invasão levou moradores a se recolherem em casa na Vila Esperança. As mães tiraram os filhos das ruas. "Os sitiantes também não estão vindo para a cidade, com isso o movimento caiu", reclamou o comerciante Tiago Fernandes.
Na madrugada de ontem, Osmar Ribeiro, empregado de uma fazenda, teria sido ameaçado de morte por um paraguaio que mora entre os índios. Segundo o relato, ele o abordou num ponto escuro e, mostrando uma página de jornal onde o peão aparecia entre os fazendeiros, sacou uma pistola e encostou na cabeça: "Isso é pra você tomar mais cuidado." Assustado, Ribeiro deixou a cidade.
Japorão - A maioria das fazendas invadidas pelos índios fica em Japorã, mas estão mais próximas de Iguatemi, onde moram os proprietários. A Aldeia Porto Lindo, dos caiovás, está a 35 quilômetros de Japorã e a apenas 15 quilômetros da cidade vizinha. "Os índios recebem aposentadoria, atendimento médico e fazem compras aqui", diz o assessor de Imprensa da prefeitura, Claudinei José de Oliveira. "Não existe hostilidade."
Cooperativas do Paraná e de São Paulo estão revendo investimentos no município. A direção da Cooperativa Agroindustrial Lar, que investe R$ 2 milhões na construção de um silo para 600 mil sacas de soja, reduziu o ritmo das obras.
O prefeito Lídio Ledesma (PDT) ficou do lado dos fazendeiros. "Não sou contra os índios, mas eles estão sendo manipulados. Tem gente do Paraguai infiltrada."
Os procuradores da República Ramiro Rockembach da Silva e Charles Pessoa estiveram ontem na Fazenda São Jorge, ocupada pelos caiovás-guaranis, para iniciar as negociações visando o cumprimento da decisão da desembargadora do Tribunal Regional Federal (TRF) de São Paulo, Consuelo Yoshida, que determinou a formação de comissões com até 20 índios em cada área. Quando eles chegaram, os índios disputavam uma "pelada" no curral.
Alto custo da terra no Estado dificulta solução
ROLDÃO ARRUDA
O preço elevado da terra em Mato Grosso do Sul será um dos principais entraves na busca de uma solução para o conflito que opõe índios caiovás-guaranis e fazendeiros no Estado. A avaliação é do presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), o antropólogo Mércio Pereira Gomes, segundo o qual os conflitos são resolvidos de maneira mais fácil onde as terras custam menos. "Nestes casos, os proprietários rurais se mostram mais dispostos à negociação do que aqueles instalados nas áreas mais caras", explica.
O valor da terra nos municípios de Iguatemi e Japorã, onde estão as fazendas invadidas pelos índios, vem subindo desde 2001, com o avanço da cultura da soja. Hoje o hectare ocupado por pastagens na região chega a ser negociado por R$ 2,5 mil. Nas áreas cobertas pela soja sobe para até R$ 5 mil.
Estes números foram obtidos pela FNP - Consultoria e Agroinformativos, que trabalha com valores de negócios realizados. Para se ter uma idéia do que significam, vale lembrar que em Roraima, onde o governo vai homologar a reserva Raposa Serra do Sol, o hectare gira em torno de R$ 300.
De acordo com as leis, quando o governo declara que uma área pertence aos índios, ela passa para o domínio da União. Os fazendeiros são obrigados a sair sem receber nada pela terra. O que o governo paga é o valor das benfeitorias.
Quando a terra vale pouco, a Funai e os fazendeiros chegam a negociar acordos, com sobrevalorização das benfeitorias, e aceleram a desocupação. No caso de Mato Grosso do Sul isso não ocorrerá. "O preço da terra está por trás de toda aquela tensão", avalia o analista de terras José Antonio Pusch, da FNP.

OESP, 24/01/2004, Nacional, p. A9.

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