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Comércio de carbono, o tema que trava as COPs

O Globo, Sociedade, p. 29
17 de Dez de 2019

Comércio de carbono, o tema que trava as COPs
Falta de consenso sobre mercado de carbono 'trava' mais uma vez a Conferência do Clima
Nas duas últimas convenções, países tentaram em vão definir regras para o artigo do Acordo de Paris que estabelece mecanismos para compra do direito de emitir CO2

Daniela Chiaretti* e Renato Grandelle

RIO e SÃO PAULO - Uma das maiores decepções da Conferência do Clima de Madri (COP-25) foi o impasse sobre o Artigo 6 do Acordo de Paris, cuja resolução foi adiada para a próxima convenção, em Glasgow (Escócia), no ano que vem. O texto estabeleceria as regras para o comércio internacional de carbono, permitindo que os países atinjam suas metas de redução de emissões.

A grande controvérsia em torno ao artigo 6 contrapõe as visões do Brasil e da União Europeia - justamente os dois responsáveis pela inclusão dos capítulos nos últimos minutos de finalização do texto do Acordo de Paris.

A seção 6.2 prevê o comércio de emissões entre os países. Na prática, diz que, se uma nação tiver mais facilidade para cumprir sua meta de redução, pode ceder parte de sua cota para outro país - esta compensação pode ser feita de diversas formas, entre elas a financeira.

As regras deste comércio, porém, ainda não foram definidas. Alguns países querem decidir por si próprios como serão realizadas estas negociações - como será a "moeda" da transação. Outros defendem que os negócios sejam realizados sempre com a mesma métrica.

O outro mecanismo comercial está descrito na seção 6.4, que se refere a projetos realizados por "entidades públicas e privadas". É o único texto do Acordo de Paris que prevê a participação da iniciativa privada no corte de emissões de gases estufa. Para isso, seria criado um órgão que monitoraria o mercado de carbono. Entre os projetos possíveis estão a restauração de uma floresta degradada ou a construção de uma usina de energias renováveis.

- É um nível de projetos e ações com agentes do mercado, que vão realizar reduções certificadas de emissões - explica Emilio La Rovere, pesquisador da Coppe/UFRJ. - Naturalmente será necessária uma validação de uma entidade credenciada, e o sinal verde do país onde será o realizado o projeto que visa diminuir a liberação de poluentes.

A seção 6.4 substitui o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), criado em 1997 no Protocolo de Kioto. Há, no entanto, diferenças na metodologia entre os dois regulamentos. Brasil, China e Índia têm muitos projetos ligados a MDL, e querem continuar negociando os créditos válidos com esta regra. Defendem o que chamam de "transição suave" para o regime do Acordo de Paris, que começa em 2020.

No entanto, a maioria da comunidade internacional acusa o MDL de ser pouco eficaz e não contribuir para a redução de gases estufa. Por isso, deveria ser excluído, validando apenas as transações realizadas sob o regulamento do Acordo de Paris.

Como as regras do MDL são mais "frouxas", acredita-se que as nações que a defendem tomam esta medida porque não querem traçar metas mais ambiciosas para reduzir as suas emissões de gases estufa.

É uma situação grave porque até mesmo o Acordo de Paris é considerado pouco ambicioso pela comunidade científica. Se todos os países cumprirem integralmente o documento, a temperatura do planeta subirá pelo menos 3 graus Celsius - o aumento considerado tolerável é de apenas 2 graus Celsius.

O Brasil discorda do argumento sobre a frouxidão do MDL, afirmando ter conseguido 58% de redução relativa ao cenário de emissões onde nada teria sido feito, conhecido como "business as usual", e fazendo mais do que o esperado para a meta de reduzir 36% a 39% das emissões em 2020, comparados aos níveis de emissões de 1990.

Há, também, outra seção problemática, a 6.8, que foi escrita no Acordo de Paris a pedido da Bolívia. O país andino não aceita a mercantilização da natureza. Quer apoio à sua economia, mas sem mercados envolvidos. É mais um parágrafo cuja operacionalização ainda não é clara.

* Do Valor

O Globo, 17/12/2019, Sociedade, p. 29

https://oglobo.globo.com/sociedade/falta-de-consenso-sobre-mercado-de-c…

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