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Comentário do ISA a proposta de criação da Comissão de Política

ISA-São Paulo-SP
Autor: Fernando Mathias Baptista
17 de Abr de 2003

Encaminhamos informe sobre a posição que balizou a participação institucional do ISA no processo de discussão da proposta de criação da Comissão de Política Indigenista

Contexto
A discussão acerca da criação de uma instância governamental capaz de articular e viabilizar uma política indigenista consistente não é nova. O ISA entende ser fundamental que exista de fato um espaço onde se reunam os vários ministérios e órgãos de governo que têm responsabilidades em relação às demandas indígenas, no sentido de superar a falta de integração e consistência das ações setoriais e as disputas corporativas e de facilitar a
interlocução entre o governo, os povos indígenas e demais setores da sociedade interessados.

Outras iniciativas visando essas políticas já haviam sido tomadas anteriormente, como a dessa
comissão provisória, que não resolveram o problema devido a seu baixo grau hierárquico e
poder político. A proposta de um Conselho de Política Indigenista já havia sido levantada
há anos atrás, inclusive pelo ISA, mas não houve vontade política do governo para efetivá-la.
Agora, no contexto da fase inicial do governo Lula, um Conselho teria a importância adicional de ajudar a definir uma política indigenista mais consistente. O Cimi elaborou a proposta de criação de um Conselho Superior de Política Indigenista, que foi trabalhada pelo ACED/Museu Nacional e que originou a proposta atualmente em discussão..
Evolução das propostas
A proposta inicialmente lançada pelo Cimi era de criação de um Conselho de Política
Indigenista permanente cuja composição era ampla e contava com participação da sociedade civil e de organizações indígenas, todas indicadas nominalmente.
No decorrer do debate sobre o assunto, e com base no resultado de discussões ocorridas no
seminário que discutiu as bases para política indigenista, ocorrido em dezembro de 2002 no
RJ, o LACED/Museu Nacional lançou uma nova proposta de criação de um Conselho Superior de Política Indigenista com representação indígena paritária em relação ao governo (cuja indicação seria feita por confederações indígenas de diferentes formas nas regiões do Brasil), representação da sociedade civil indicada nominalmente e provisoriamente (um ano). Nesta proposta o objetivo do conselho seria, ao final do mandato, organizar a Conferência Nacional dos Povos Indígenas e criar uma proposta de conselho permanente que integraria uma secretaria de estado ligada diretamente à Presidência da República. Esta proposta de decreto presidencial para criar o conselho foi encaminhada pelo assessor do Ministro da Justiça,
Cláudio Beirão, à Casa Civil. A proposta, entretanto, foi devolvida ao ministério, sob o
argumento de que não seria possível a criação de um conselho de estado via decreto,
tampouco via medida provisória. Posição esta sustentada pelo Cimi, que entende estarem
presentes os pressupostos legais para sua edição apenas por processo legislativo regular, o
que envolveria a discussão da criação desta instância no Congresso. Diante disso, a Casa Civil sugeriu que se criasse uma comissão temporária, sem status de conselho, cujo mandato de 1 ano de duração seria justamente o de criar uma proposta de conselho permanente para levar ao legislativo. Ou seja, baseou-se na proposta do LACED/MN, mas diante da alegada impossibilidade jurídica de criação de um conselho, recomendou a criação de uma comissão. Atualmente a proposta em debate é a de criação dessa comissão temporária.
Temporário ou permanente?
O ISA vem sustentando desde sempre a tese de que é contraproducente e inócua a criação de uma instância formal via decreto presidencial, de caráter temporário, cujo mandato seja o de estudar a criação de uma outra instância formal para, somente então, iniciar-se a discussão de mérito acerca da política indigenista. Significa dispender muita energia e discussão prendendo-se aos instrumentos, enquanto a política - que é o mais importante - fica permanentemente em segundo plano. Seria mais interessante que se criasse um conselho permanente, via decreto mesmo - o que é possível juridicamente, desde que tenha caráter apenas consultivo - e que, no decorrer de seu funcionamento, este conselho se consolidasse por meio da participação indígena e o processo pudesse amadurecer a ponto de se transformar em um conselho de estado deliberativo, via lei ordinária, quando o governo já tivesse sinalizado uma posição clara em relação aos rumos da política indigenista, o que até agora não existe.
Representação
Sempre houve inúmeras dificuldades com relação às representações indígenas em foros de
política geral, advindas da própria situação de heterogeneidade que permeia os povos indígenas na diferentes regiões do Brasil. Até mesmo as organizações não indígenas deste campo são muito diferenciadas em relação à amplitude de seus mandatos, áreas de atuação
e enfoques temáticos. Assim, qualquer solução que seja dada para a representação indígena e da sociedade civil em um conselho será precária, devendo ser testada e aprimorada no
decorrer do tempo.
Paridade
A proposta inicial do Cimi sugeria uma maioria de representantes governamentais em relação a representantes indígenas e da sociedade civil de apoio. A proposta do LACED alterou esta composição, estabelecendo paridade entre governo e sociedade civil, incluída aí a representação indígena (6 cadeiras indígenas e 4 para organizações de apoio). A proposta de comissão temporária atualmente em discussão estabelece maioria indígena, com 13 cadeiras, restando 8 para o governo e 4 para organizações de apoio.
O ISA apóia esta composição, inobstante tenha sugerido uma composição paritária entre
governo e sociedade civil (índios + organizações de apoio), considerando que politicamente
seria mais viável.
Representação indígena
A proposta inicial do Cimi sugeria que a representação indígena se desse através da CAPOIB, COIAB e Conselho Nacional dos Povos Indígenas. Já a proposta do LACED sugere que a representação indígena seja definida por regiões, indicando nominalmente a COIAB e a APOINME para as regiões Norte e Nordeste respectivamente, e por meio de processo de consulta liderado pela COIAB e APOINME para as regiões Sul e Sudeste.
Sociedade Civil
Desde a proposta inicial sugere-se que a representação da sociedade civil seja indicada no
próprio decreto de criação do conselho. A proposta do Cimi sugeria uma cadeira para: CNBB, ABA e ABONG. A proposta do LACED/MN sugeria uma vaga para: Cimi, ISA, LACED e ABA.
Embora seja muito difícil estabelecer uma metodologia de consulta ampla o suficiente
para estabelecer uma representação que seja de fato condizente com a realidade nacional das organizações indígenas e das ONGs indigenistas, o ISA entende que deveria ser evitada a indicação nominal de organizações via decreto. E, para tanto, sugeriu a adoção de um sistema de cadastro e eleição de organizações, de forma análoga ao sistema hoje vigente no Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente), tanto para a eleição da representação
indígena, como da sociedade civil. Sabe-se que existem peculiaridades que precisam ser
consideradas nesses dois universos de representação para que haja de fato legitimidade no
conselho e por isso a proposta apresentada pelo ISA não se pretende definitiva. É preciso
lembrar que em nenhum momento o ISA pleiteou ou articulou sua nomeação direta como
representante das organizações de apoio da sociedade civil.
Ao contrário, em todas as oportunidades que teve de se manifestar, explicitou a posição de
que todas as organizações devem ter iguais chances de obter uma vaga na comissão, não
devendo haver sequer discriminação entre organizações confessionais, laicas ou de pesquisa.

Esta divisão significa manter uma visão da cena indigenista pré-1988, quando o apoio aos
índios era pensado como sendo baseado na Igreja e na academia. Esquecendo que esse
campo se ampliou e que o conceito de sociedade civil é mais amplo, participativo e
democrático. Há que ter regras neutras e claras para estabelecer essa representação, para que não ocorra prévia escolha de vagas na comissão, nem alijamento de outras organizações do processo de discussão.
Segue abaixo a proposta do ISA para o conselho/comissão de política indigenista, apresentada no seminário realizado na Procuradoria Geral da República em 18 de março.
Mantemo-nos a total disposição para debater o assunto.

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