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Começa a corrida para o biodiesel

OESP, Negócios, p. B7
03 de Jan de 2005

Começa a corrida para o biodiesel
Perspectiva da chegada do novo combustível já movimenta as empresas

Agnaldo Brito

800 milhões de litros por ano. Esse é o tamanho do mais novo mercado de combustível do Brasil, o do biodiesel. A corrida já começou e a oferta terá de estar à disposição em 2008. Estimativas conservadoras indicam a necessidade de investimentos imediatos de pelo menos US$ 40 milhões, mas a corrida pode superar os US$ 100 milhões em prazo muito curto.
Só assim o País consegue entrar na casa das centenas de milhões de litros. Hoje, a produção não deve superar 20 milhões de litros por ano. O Congresso Nacional quase abortou a largada com a decisão do Senado Federal de retirar a obrigatoriedade da adição de 2% de biodiesel ao diesel. A Câmara reformou a decisão original e agora o projeto segue para sanção presidencial.
É o que faltava para a retomada dos investimentos, principalmente das indústrias que já manipulam óleos vegetais. Poderá ser também o estímulo que os pequenos produtores precisavam. As escolhas tecnológicas começam a ser feitas e isso pode fazer a diferença no momento de colocar o biodiesel no mercado. Promessas dão conta de que o biodiesel, se for mais caro que o diesel derivado do petróleo, será pouco. "A indústria de óleos vegetais já fez os calculos. Se houver preços maiores, não serão superiores a 30% do valor do diesel convencional", diz Juan Diego Ferrés, presidente da Comissão de Biodiesel da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove).
MISTURA
A MP convertida em lei determina a adição de 2% de biodiesel misturado no diesel ao final de três anos, o que cria um mercado firme de pelo menos 800 milhões de litros do combustível em 2008. A perspectiva é de que em oito anos (a partir de 2012) a mistura compulsória subirá para 5%. O projeto prevê a antecipação desse prazo caso haja base sustentada de produção. "A obrigatoriedade é condição central para o programa. O caráter voluntário tornaria o programa regional e de difícil fiscalização por parte da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Como não há espaço para criar subsídio ao programa a partir do imposto sobre o diesel, a obrigatoriedade é a única forma de viabilizá-lo", diz Ferrés.
Boa parte dos negócios em fase de articulação tem como base a produção do biodiesel a partir de óleos vegetais por rota etílica (com o uso do álcool), muito diferente da rota metílica, utilizada nos países europeus, por exemplo. Mas o Brasil pode surgir com novidades. Há apostas na produção do mesmo biodiesel a partir do bagaço de cana (ver texto ao lado).
Os negócios em condições de operação em curto prazo são de pequena escala, para atendimento às demandas regionais. A obrigatoriedade da mistura coloca no horizonte negócios mais robustos, que exigirão fábricas com capacidades superiores a cerca de 50 milhões de litros por ano.
A Dedini S/A Indústrias de Base, empresa que deverá faturar este ano R$ 550 milhões, tem à mão um acordo comercial com a italiana Balestra exatamente para quando a demanda por biodiesel chegar a casa da centena de milhões de litros. O negócio prevê o uso da tecnologia de produção de biodiesel continuada com uma alteração tecnológica para a rota etílica (uso do etanol) e não metílica (uso do metanol), como na Europa.
As unidades em operação atualmente produzem biodiesel por batelada e são dimensionadas para volumes anuais de 8 milhões de litros de biodiesel. "Um programa para valer demandará unidades de biodiesel capazes de produzir 50 a 100 milhões de litros por ano. E para isso estamos falando de seis ou sete encomendas", diz o otimista Tarcísio Ângelo Mascarim, presidente corporativo da Dedini.
Na configuração atual de 8 milhões de litros, haveria necessidade de 100 unidades, diz. "Não deixa de ser um mercado, mas não acho que a viabilização do biodiesel como combustível ocorrerá com uma base industrial dessas dimensões", diz. A empresa prepara uma unidade piloto para o setor sucroalcooleiro que deve funcionar a partir de abril do próximo ano. A fábrica funcionará numa usina de açúcar e álcool de Piracicaba, cujo nome não foi revelado. A idéia é oferecer uma unidade para processar soja ou outros tipos de oleaginosas na entressafra da cana.
A Dedini fechou ainda um contrato para fornecer uma unidade nova, com capacidade anual de 8 milhões de litros, para a Agropalma, do Pará. A unidade aproveitará o resíduo refinado do óleo de palma para produzir o 'palmdiesel'. A empresa também fechou um acordo estratégico com a Ecomat, uma empresa que controla oito usinas de açúcar e álcool no estado do Mato Grosso. Lá, o objetivo é promover a atualização tecnológica da unidade, que opera há quatro anos. "O objetivo é melhorar a qualidade do combustível e aprimorar o processo industrial", diz Sílvio Rangel, diretor administrativo-financeiro da Ecomat.
ÓLEO VEGETAL
A produção de biodiesel a partir de óleos vegetais deve antes resolver um problema. Qual óleo vegetal será escolhido? Soja? Girassol? Mamona? Segundo a Ecomat, este tem sido um problema para a unidade industrial que utiliza a soja como matéria-prima - exatamente a cultura que em passado recente bateu recordes de preço. Hoje, 80% do custo de produção do biodiesel retirado na unidade da Ecomat, mensura Rangel, é decorrente da matéria-prima.
Não é uma questão insolúvel. A Ecomat aposta num projeto em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Agrário e assentados matogrossenses para a produção de oleaginosas alternativas, como girassol e nabo forrageiro. Esta é, aliás, uma característica do programa: incluir o pequeno produtor como fornecedor da matéria-prima. Pode funcionar, mas estes terão de ter condições técnicas e de financiamento para suportar a escala que se avizinha. Caso contrário, sobrará mesmo para grandes produtores capitalizados.
A perspectiva da Ecomat, por ora, é que o acordo com o pessoal de assentamentos poderá facilitar a conversão de óleos vegetais mais baratos em biocombustível. O valor pode cair dos atuais R$ 1,6 mil a tonelada de óleo de soja para R$ 900 a tonelada do óleo bruto de outras fontes. "Com isso, acho que já será possível equiparar o preço do biodiesel com o do diesel, o que hoje é impossível", diz Rangel.
O problema está ainda na área plantada. Para atender à demanda de óleo para a produção anual de 8,5 milhões de litros de biodiesel, a empresa precisará de uma área de 15 mil hectares de cobertura vegetal. Mas não terá isso imediatamente.

Oito unidades devem sair do papel neste ano, prevê Abiove
Investimentos apenas com as unidades que vão converter óleo de soja no novo combustível serão de pelo menos US$ 40 milhões
Pelo menos oito unidades de produção de biodiesel a partir de óleo de soja devem começar a ser construídas agora em 2005 a partir da regulamentação em lei. A afirmação é do presidente da Comissão de Biodiesel da Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove), Juan Diego. "São investimentos que variam de US$ 5 milhões a US$ 15 milhões a depender do tamanho e tecnologia. Aguardavam apenas a lei no Congresso", afirma. As unidades de processamento projetadas pela indústria de óleos vegetais terão capacidades que variam de 50 milhões a 100 milhões de litros de biodiesel ao ano.
Segundo Juan Diego, que também é executivo da Granol - uma das empresas com projeto pronto no aguardo da definição legal -, as dúvidas do mercado sobre a viabilidade de uso do óleo de soja como matéria-prima para a produção de biodiesel não procedem. A principal questão consiste na variação de preço da commodity no mercado internacional, o que poderia afetar a competitividade do biodiesel no mercado brasileiro.
A resposta a esta dúvida, afirma Diego, está num estudo feito pela Abiove que considerou as oscilações do preço internacional da soja nas últimas cinco safras. A conclusão, em três dos cinco anos avaliados, é de que o preço do óleo de soja no mercado internacional proporcionaria um custo de produção de biodiesel inferior ao diesel de petróleo. "Em apenas dois anos, o preço final de uma eventual produção de biodiesel superaria o diesel convencional", afirma Diego. Mesmo nos momentos de alta demanda e de elevados preços o valor do litro de biodiesel (diante das configurações tecnológicas consideradas nos projetos que aguardam melhor definição do programa) chegaria a "no máximo" 30% além do valor do diesel excluídos os impostos. "Se o diesel fóssil custar R$ 1, o biodiesel, num momento de maior preço da matéria-prima, custará R$ 1,30."
A demanda internacional de soja pode afetar a oferta da matéria-prima para produção de biodiesel? A resposta da Abiove é não. Diego aponta pelo menos três fontes que sustentarão a boa oferta. O crescimento de 12 milhões de toneladas de grãos apurado na última safra em relação à anterior já seria suficiente para a produção de 2,3 milhões de toneladas de biodiesel. Isso significaria mais de duas vezes e meia a demanda inicial provocada pelos 2% de adição de biodiesel ao diesel - cerca de 800 mil toneladas (ou 800 milhões de litros).
Não bastase isso, a Abiove diz que o Brasil exporta mais de 22 milhões de toneladas de soja em grão. Extraído o óleo deste volume, seria possível, afirma, obter 4,4 milhões de toneladas de biodiesel. Por fim, o País exporta um volume grande de óleo bruto de soja, o suficiente para servir também de matéria-prima para processamento interno.

Bagaço de cana é alternativa
Projeto experimental deve se tornar semi-industrial em dois anos
Agnaldo Brito
Dendê, mamona, girassol, amendoim, palma e soja. As opções de oleaginosas para a extração do óleo base para a conversão em biodiesel são variadas, mas não são as únicas. Poucos sabem, mas um projeto brasileiro promete transformar bagaço de cana em biodiesel.
O projeto da Raudi - indústria química com uma unidade industrial para produção de bicarbonato de sódio no Paraná -, em parceria com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), deve ser transformado em um complexo semi-industrial em dois anos. A tecnologia de gaseificação do bagaço (já patenteado) converte a biomassa em gás. A partir de uma síntese química, viabilizada por um catalisador cuja aquisição está em andamento, o gás é transformado em biodiesel, livre de enxofre - um sério problema ambiental do diesel fóssil - e com alta octanagem.
Segundo Ricardo Audi Filho, diretor da Raudi, os estudos de rendimento ainda não são conclusivos acerca do custo de cada litro de biodiesel em relação ao combustível convencional. "Isso vai depender muito dos catalisadores e da própria unidade industrial, mas a avaliação é que seja possível transformar isso num negócio economicamente viável", afirma. O rendimento estimado neste momento prevê a obtenção de uma tonelada de biodiesel para um volume entre cinco e seis toneladas de bagaço.
A disponibilidade de bagaço no Brasil não é desprezível. Uma parte hoje é utilizada para produção de vapor e energia excedente em usinas de açúcar e álcool. Segundo Audi, esta quantidade pode assegurar grandes volumes de biodiesel. Isso significa até 120 milhões de litros por ano.
O investimento estimado para um projeto dessas dimensões, afirma Audi, pode chegar a US$ 35 milhões, bem diferente de fábricas na Europa, que convertem gás natural em gás de síntese para posterior transformação em biodiesel. "A síntese química neste processo custa bilhões de dólares, enquanto a opção desenvolvida a partir do bagaço está na casa dos milhões de dólares", assegura.
Mas além de passar da fase experimental para semi-industrial, o processo em escala industrial de transformação do bagaço da cana em biodiesel dependerá também de um reconhecimento governamental para obter financiamentos capazes de sustentar a construção do projeto.

Números
800 milhões de litro por ano é a estimativa de mercado que será formado com a abrigatoriedade da adição de 2% de biodiesel ao diesel no País
40 milhões de dólares é a previsão dos investimentos necessários para a obtenção desse volume no curto prazo. Esses investimentos poderiam chegar a US$ 100 milhões rapidamente
8 milhões de litros por ano é a capacidade das unidades de produção de biodiesel disponíveis hoje no País
50 milhões de litros, no mínimo, é a estimativa da capacidade de produção das novas unidades que serão fabricadas no País.

OESP, 03/01/2005, Negócios, p. B7

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