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Combustível verde

CB, Ciência, p. 18
Autor: ALMEIDA, Marco Antônio Martins
21 de Dez de 2009

Combustível verde
De hoje a quinta-feira, o Correio apresenta as principais apostas de fontes energéticas que, em três décadas, devem substituir o petróleo

Depois da descoberta do pré-sal, pouco se escuta falar do biocombustível. Porém, ele ainda é a "bola da vez" para o Brasil, além de, diferentemente das futuras plataformas de petróleo, já ser uma realidade. Isso porque a produção de etanol, derivado do álcool, está consolidada, o que fez com que o país ganhasse status no mercado internacional.

Já com o biodiesel, derivado de óleo vegetal, o Brasil comemora o fato de ser o terceiro maior produtor e consumidor do mundo, com uma produção anual de 1,2 bilhão em 2008.

A capacidade de produção do combustível alcançou, em janeiro, 3,7 bilhões de litros.

Hoje, a gasolina consumida no Brasil tem entre 20% e 25% de etanol, e o diesel é composto por 4% de biodiesel, o que melhora a qualidade dos combustíveis e contribui, mesmo que, ainda, em pequena escala, para a redução de emissões de gases na atmosfera. De hoje a quintafeira, o Correio publica uma série sobre as novas opções de energia, que devem dominar, num futuro próximo, o mercado dos combustíveis.

O álcool proveniente da cana de açúcar tem sido o biocombustível número 1 na política brasileira de incentivo a energias alternativas ao petróleo.

Sua principal vantagem é a menor poluição que causa, em comparação aos combustíveis derivados do petróleo. "A cana é um produto completo porque produz açúcar, álcool e bagaço, cujo vapor gera energia elétrica", explica Ricardo Dornelles, diretor do Departamento de Combustíveis Renováveis do Ministério de Minas e Energia (MME).

Contudo, possui diversas desvantagens, como o fato de não resolver o problema da dependência do petróleo. A saída é o uso do etanol de segunda geração, onde a matéria-prima para a formação do biocombustível é proveniente da celulose.

Fonte infinita Segundo Marcelo Ayres, pesquisador da Embrapa envolvido no projeto, essas matérias-primas podem ser uma fonte infinita.

"O processo nos permite fazer etanol de tudo que tenha tecido vegetal. Por exemplo, folha e tronco de árvore, palha, e até lixo orgânico." De acordo com Dornelles, o bagaço da cana de açúcar seria o grande potencial de matéria-prima para a produção de etanol de segunda geração.

"O bagaço é uma matériaprima que já está pronta - já foi colhida, tratada, e existe em grande quantidade. Com isso, vamos, sem plantar um pé de cana a mais, dobrar a produção de álcool, só usando resíduo da própria cana", diz. O projeto para o etanol de segunda geração já foi aprovado e conta com pesquisa de mais de 20 instituições, entre públicas e privadas.

O governo acredita que depois de cinco anos de pesquisa, essa tecnologia será realidade.

O biodiesel, por sua vez, já está presente nos postos de combustíveis brasileiros, na proporção de 3%, misturado ao óleo diesel. Uma das vantagens dessa fonte de energia é sua origem diversificada.

Pode ser obtida a partir do processamento de diversos óleos vegetais - girassol, soja, pinhão manso, mamona, palma, dentre outros. É ele que tem possibilidade real de substituir quase todos os derivados do petróleo sem modificação nos motores, eliminando a dependência do chamado "ouro negro".

Além de ser naturalmente menos poluente, o biodiesel reduz as emissões poluentes dos derivados de petróleo (em cerca de 40%, sendo que seu potencial cancerígeno é cerca de 94% menor que os derivados do petróleo). Também possui elevada capacidade de lubrificar as máquinas ou motores, reduzindo possíveis danos, é seguro para armazenar e transportar porque é biodegradável, não tóxico e não explosivo nem inflamável à temperatura ambiente.

Como se não bastasse, ele não contribui para a chuva ácida, por não apresentar enxofre em sua composição, e permite dispensar investimentos em grandes usinas, ou linhas de transmissão, para atendimento local de energia em regiões com pequena demanda.

Entretanto, sua produção esbarra na matéria-prima. A soja é a oleaginosa mais utilizada atualmente para produção do biodiesel.

Porém, como ela é uma commodity, a produção se torna cara.

Contudo, pesquisas mostram que outras plantas têm grande potencial, até maior que o da soja.

Entre elas, estão o pinhão manso, a mamona, o dendê, o girassol, a palma e a macaúba.

De todas, a mais produtiva é a palma. "Ela tem um volume de óleo quatro vezes maior que a soja", esclarece Dornelles. O problema, entretanto, é que a palma é uma cultura que leva seis anos para produzir. O pinhãomanso também é uma aposta. Segundo Dornelles, ele tem uma produtividade maior, com custos menores, por ser uma planta rústica. "O pinhãomanso já tem alguns anos de pesquisa, e se mostra a matériaprima com maior possibilidade de ser implantada." Todavia, o conhecimento sobre a cultura dessas plantas nativas ainda é incipiente e a tecnologia para utilização precisa de muitos estudos para ser mais viável economicamente.

Entrevista

Marco Antônio Almeida
Em entrevista ao Correio, Marco Antônio Martins Almeida, secretário de Petróleo, Gás Natural e Combustíveis Renováveis do Ministério de Minas e Energia, fala sobre a substituição do combustível fóssil pelo biocombustível, da sua qualidade no Brasil e os desafios para colocar de vezo biocombustível no mundo. Almeida também comenta sobre a questão da competição entre alimentos e etanol e sua produção sustentável.

Como é a qualidade da produção do biocombustível no Brasil?

É de excelente qualidade. O álcool e o etanol melhoram a qualidade da gasolina. A gasolina misturada ao etanol pode ser mais fraca que a comum e, exatamente ao ser misturada ao etanol, o produto final fica com uma qualidade superior. O nosso biodiesel também é de excelente qualidade. Com ele, se reduz a emissão de enxofre e de alguns particulados, além de melhorar a qualidade do combustível fóssil no qual está sendo misturado. Não há dúvidas: a mistura com combustível vegetal é sempre benéfica em termos de emissões e qualidade de produto.

O biocombustível pode vir a substituir o combustível fóssil?

Acredito que sim, mas o problema é saber quando isso vai acontecer. Essa substituição total será a longo prazo, diria que em uns 30 anos. Também vai depender de como será o crescimento desse mercado. Se, por um lado, o biocumbustível é renovável, por outro, ele tem algumas limitações em termos de área. É evidente que estaremos sempre ganhando tecnologia para aumentar a produtividade, mas é o tempo que vai dizer quando será possível a substituição total. A princípio, não existe uma meta para isso, e também não entendemos que seja adequado estabelecêlas, pois estamos em período de experimentação.

Quais são os desafios nas rodadas de negociação sobre comércio mundial?

Primeiro, é transformar os biocombustíveis numa commodity internacional, para que, num momento de escassez, haja outro mercado para suprir. Para que o biocombustível seja o mais usado no mundo e tenha melhor qualidade, é preciso ter garantia de mercado. O segundo é reduzir o custo de produção. Alguns biocombustíveis ainda não têm escala de produção e, portanto, não têm condição de competir por Em entrevista ao Correio,Marco Antônio Martins Almeida, secretário de Petróleo, Gás Natural e Combustíveis Renováveis do Ministério de Minas e Energia, fala sobre a substituição do combustível fóssil pelo biocombustível, da sua qualidade no Brasil e os desafios para colocar de vez o biocombustível no mundo.Almeida também comenta sobre a questão da competição entre alimentos e etanol e sua produção sustentável. enquanto com os combustíveis fósseis. Há uma preocupação e uma tendência de redução de custo de produção, de tal maneira que os biocombustíveis possam competir de maneira igual com os fósseis.

Como fazer a produção sustentável de modo a não emitir mais poluentes no processo de produção?

Primeiro, com o uso de máquinas na lavoura, movidas a biocombustível. Com isso, não há emissão de gases na atmosfera.
Vamos ter, quando muito, a emissão promovida pelo preparo do solo para o plantio. Porém, com novas práticas agrícolas, como o plantio direto, esse pequeno volume de emissão de gases no processo produtivo está sendo reduzido. As usinas de álcool, por exemplo, utilizam o bagaço de cana para a geração de energia elétrica. Então, essa energia também não é poluente.

A produção do etanol pode afetar a de alimentos?

Não. Há uma quantidade enorme de áreas no Brasil que não estão sendo aproveitadas, ou estão sendo subaproveitadas, e o etanol tende a ir para essas áreas. Por outro lado, temos um volume de área plantável no Brasil enorme.
Para se ter um ideia, a nossa área plantada de cana para etanol é de 4 milhões de hectares, a plantável é de 90 milhões de hectares. Desses, 64 milhões são voltados só para o plantio da cana. Isso quer dizer que posso multiplicar em 16 vezes a área plantada sem afetar em nada a área que está sendo utilizada para outras culturas. Então, não existe a possibilidade de, nas próximas décadas, a produção de etanol de alguma forma competir com a produção de alimentos, e, menos ainda, com a destruição de florestas porque elas estão em uma área inapropriada para a produção de etanol.

CB, 21/12/2009, Ciência, p. 18

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