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Combatendo o crime e o alcoolismo na Amazônia

Der Spiegel
Autor: Jens Glüsing
19 de Nov de 2005

A maior área de floresta tropical protegida do mundo fica no norte do Brasil. Mas o jovem diretor do parque conseguirá salvá-la? Garimpeiros, caçadores e fazendeiros estão invadindo a floresta. E índios armados de dinheiro forte pioram a situação.

Raimundo Nonato, um garimpeiro no coração da floresta amazônica, joga uma sacola de plástico encharcada de sangue sobre uma mesa na frente de sua cabana, na pequena cidade de Vila Brasil, em plena selva. "Nosso almoço", ele diz triunfante, mostrando uma cabeça de porco. "O porco selvagem é delicioso", afirma seu amigo José Martins.

"Esse é um porco doméstico", retruca Nonato rapidamente, fazendo um olhar irritado para seu amigo. "Você quer que eu seja preso? Eles não permitem a caça aqui." Seus olhos se estreitam. "O barco da agência ambiental passou hoje de manhã. O diretor é um alemão, um sujeito durão."

Isso não é totalmente verdade. Christoph Jaster, 41, embora tendo nascido em Cochem, às margens do rio Mosela, na Alemanha, tornou-se cidadão brasileiro dois anos atrás. Além disso, ele sabe muito bem que seu novo cargo será principalmente fazer compromissos estratégicos -- recuar em pequenas batalhas para ter uma chance de vencer a guerra maior. "Realmente não quero saber de todas as coisas que acabam nas panelas daqui", ele diz.

Na verdade, a caça ilegal é a menor de suas preocupações. Afinal, toda a aldeia é ilegal -- situada em pleno Parque Nacional Tumucumaque, hoje dirigido por Jaster. Isso significa que Jaster, que estudou engenharia florestal, controla a maior área protegida de floresta tropical do mundo.

Em 2002, o então presidente Fernando Henrique Cardoso decidiu proteger a região, que fica na fronteira norte do país com a Guiana Francesa. Foi uma das últimas medidas de Cardoso, para se estabelecer como um protetor do meio ambiente e livrar seu país do estigma de ser um destruidor da floresta.

O parque nacional gigante é tão grande quanto a Holanda, com seus limites estendendo-se por 1.700 quilômetros. Espécies únicas de plantas e animais conseguiram sobreviver nas florestas do parque, à sombra de árvores de até 50 metros de altura. Durante uma expedição no final do ano passado, biólogos chegaram a descobrir várias espécies animais desconhecidas.

Expedição nazista

Cientistas alemães aventureiros enviados pelo regime nazista fizeram a primeira expedição pela região remota. Entre 1935 e 1937, o geólogo e piloto Otto Schulz-Kampfhenkel e seus homens exploraram o mundo animal e vegetal no norte do Brasil. Os cientistas registraram sua aventura e a transformaram em um filme em grande formato que foi projetado em vários cinemas do Terceiro Reich -- e ainda é considerado um documento antropológico único.

Durante a expedição, que durou meses, os alemães conquistaram a confiança dos nativos da floresta, que lhes permitiram filmar festivais religiosos e rituais. Mas os alemães eram especialmente atraídos pelas mulheres indígenas, e Schulz-Kampfhenkel chegou a ter uma filha com uma nativa.

Mas os cientistas também não evitaram as dificuldades em sua expedição, arrastando mais de 11 toneladas de suprimentos pela selva e perdendo um de seus barcos quando ele virou num rio veloz.

Ainda hoje é perigoso explorar essa região remota. Os rios são cheios de corredeiras e cachoeiras, e não há estradas. "Tumucumaque é a última fronteira do Brasil", escreveu a revista brasileira "Veja". Mas assim mesmo a civilização a está invadindo. Companhias mineradoras se estabeleceram nas proximidades do parque nacional para explorar jazidas de manganês e ouro. De fato, imagens de satélite revelam que o que já foi a maior área de floresta contígua do mundo há muito tempo se transformou em uma colcha de retalhos verde e marrom.

O Parque Nacional Tumucumaque pretende deixar para as futuras gerações pelo menos uma impressão da grandiosidade e da diversidade de espécies da floresta tropical -- se seus protetores conseguirem conter o desenvolvimento. "Estou numa corrida contra o tempo", diz Jaster, descrevendo os desafios que enfrenta.

Amigo das árvores

Filho de um funcionário alemão da ajuda ao desenvolvimento, Jaster é um verdadeiro amigo das árvores. Quando se candidatou ao emprego de diretor do parque nacional, teve de adquirir rapidamente a cidadania brasileira, pois as autoridades federais só podem contratar brasileiros. Um ardoroso praticante de windsurfe, Jaster na verdade pretendia ter um emprego perto do mar. Quando descobriu que estava sendo transferido para Tumucumaque, teve de pegar um mapa para encontrar o lugar. Hoje ele vive em Macapá, capital do estado do Amapá, e surfa no rio Amazonas.

O parque nacional fica a 250 quilômetros de Macapá, mas uma casa está sendo construída para os administradores dentro do parque. Esse é o menor dos problemas de Jaster. Ele tem um carro, dois barcos e cinco empregados à sua disposição para administrar seu enorme território -- e cada viagem pelo parque nacional é uma aventura imprevisível. Jaster, porém, é um especialista em sobrevivência na selva. Ele pode consertar um motor de popa com um canivete, se necessário, e às vezes pula na correnteza forte para puxar o barco pelas corredeiras. Também sabe montar um acampamento na selva em poucos minutos durante uma chuva forte.

"É uma sensação incomparável ser o primeiro humano a entrar numa floresta e ver como ela era milhões de anos atrás", ele diz, entusiasmado. Para Jaster, a floresta também é o lugar onde ele pode escapar de suas negociações frustrantes com a burocracia brasileira. Seu empregador, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente, é geralmente considerado corrupto e ineficiente.

O emprego certamente tem seus riscos. Os que processam os agressores do meio ambiente muitas vezes se transformam nos próprios caçados. Um dos empregados de Jaster quase foi atropelado depois de aplicar uma multa a um criador de gado. O próprio Jaster já recebeu ameaças. E os políticos não costumam ajudá-lo: o governador do Amapá vem de uma família de comerciantes de madeira; a ministra do Meio Ambiente gosta de caçar; e o único membro do Partido Verde no estado se manifestou a favor do garimpo na região protegida, porque isso dá votos.

Pistas ilegais

Quando voou recentemente sobre o parque nacional, Jaster contou 20 pistas de pouso ilegais, supostamente construídas por garimpeiros e contrabandistas de drogas. Ele até descobriu uma mina de ouro embaixo de uma camuflagem de folhas.

Mas seu maior motivo de preocupação é a aldeia Vila Brasil, na fronteira norte do parque. O assentamento ilegal, a sete horas de barco da cidade mais próxima, não aparece em qualquer mapa. Mas apesar de sua distância a aldeia está crescendo em ritmo constante, de 150 moradores um ano atrás para mais de 200 hoje. Lojas, oficinas, bares e bordéis se alinham na margem do rio. Vila Brasil está florescendo porque somente o rio a separa da Guiana Francesa, terra do euro.

A cidade do outro lado do rio é Camopi, o posto-avançado mais exótico da Europa, que abriga alguns policiais mal-humorados e a Legião Estrangeira francesa. O mais importante, porém, é que o lado francês da fronteira também abriga cerca de mil índios wayapi. Eles usam tangas vermelhas, falam um francês ruim e compram "baguettes" para o café da manhã. Os índios empregam trabalhadores temporários brasileiros para trabalhar em seus campos. Podem fazer isso porque são cidadãos franceses, o que lhes dá direito à assistência do governo.

Paris paga a cada chefe de família 1.200 euros por mês e desembolsa 600 euros para cada esposa e 300 euros para cada criança. As grandes famílias wayapi podem facilmente ter uma renda mensal de 4 mil a 5 mil euros -- 12 vezes o salário médio no Brasil. Eles gastam o dinheiro em Vila Brasil, onde as coisas são mais baratas que em Camopi.

Euros por cerveja brasileira

Em conseqüência disso, os euro-indígenas são a principal fonte de renda do assentamento na selva. Mas os nativos ingênuos são facilmente enganados, pagando mais de 30 euros por uma caixa de cerveja brasileira e 50 euros por uma visita ao bordel local. Os wayapi passam a noite sentados em bares à margem do rio, embebedando-se de cerveja e cachaça. Em vez de ser um benefício, o dinheiro francês transformou antigos caçadores e coletores em alcoólatras.

A eles juntam-se milhares de pessoas que atravessam a fronteira ilegalmente e garimpam ouro no rio Camopi, que já está contaminado com mercúrio, usado para separar o ouro das rochas.

"Por que o governo francês não faz alguma coisa sobre esse caos?", pergunta Jaster ao chefe do escritório local da Legião Estrangeira durante uma visita a Camopi. O major Antonio Lopes acha engraçada sua ingenuidade. "'Voilà, voilà', meu amigo, se o governo parar de pagar os índios, logo terá organizações de direitos humanos no seu pescoço. E se expulsar os garimpeiros haverá um banho de sangue."

Embora existam planos para designar a região de fronteira francesa como parque nacional, o projeto ainda não passou das audiências públicas. Jaster é contrário à remoção da Vila Brasil -- "por motivos sociais", diz. Mas está decidido a impedir que a aldeia cresça ainda mais.

E é uma luta que ele talvez esteja perdendo. Numa manhã recente, Jaster foi despertado em Vila Brasil por ruídos de construção. Colonos ilegais haviam queimado mais um trecho da floresta perto da aldeia; os tocos de árvores ainda estavam fumegantes. Enquanto isso, trabalhadores construíam às pressas a estrutura de um novo prédio no terreno limpo.
Der Spiege - 19/11/2005
(Jens Glüsing)
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
19/11/2005
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/derspiegel/2005/11/19/ult2682u60…

Jens Glüsing

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