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Combate ao efeito estufa

O Globo, Sociedade, p. 40
10 de Jul de 2016

Combate ao efeito estufa
Captura de carbono se dissemina como opção para frear aquecimento

Sérgio Matsuura

RIO - O cronômetro para o caos climático está correndo, mas a Humanidade ainda não encontrou soluções para reduzir as emissões de gases do efeito estufa. Estudo recente publicado na revista "Nature" indica que as propostas apresentadas pelos 195 países participantes da Conferência de Paris, em dezembro último, são insuficientes para manter o aquecimento médio do planeta abaixo dos 2 graus Celsius (em relação à era pré-industrial). Entretanto, uma técnica inovadora vem ganhando relevância em diferentes locais no planeta como aposta para reverter o quadro. Segundo especialistas, as tecnologias de captura e armazenamento de carbono (CCS, na sigla em inglês) ainda enfrentam barreiras econômicas e tecnológicas, mas têm o potencial para frear a escalada de emissões.
- Mais que arriscada, é uma aposta desesperada - pontua Alexandre Szklo, professor de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ. - Mas com a dificuldade que estamos enfrentando para transições mais radicais no setor energético, não temos outras saídas além de derivar para o processo de captura.
A tecnologia ainda é incipiente, mas vem se disseminando. De acordo com relatório da Global CCS Institute, existem no mundo 15 projetos de grande escala em operação, e outros sete em fase de construção. Juntas, essas 22 instalações são capazes de capturar e armazenar 40 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) por ano. Pode parecer muito, mas de acordo com o relatório mais recente da Base de Dados de Emissões para a Pesquisa Atmosférica Global, em 2014 foram emitidas 35,7 bilhões de toneladas de CO2.
Mesmo assim, as expectativas para a abordagem são altas. Segundo estimativas da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), as tecnologias CCS serão responsáveis por um sexto das reduções de emissões globais requeridas até 2050. Para isso, diz Szklo, é preciso impor um valor econômico para o carbono.
- Como funciona hoje, você está capturando, transportando e armazenando um carbono que não tem valor - diz o pesquisador. - Por causa dos investimentos necessários, as instalações CCS perdem em competitividade.
PETROBRAS OPERA PROJETO NO BRASIL
Em geral, as tecnologias CCS são implantadas em instalações industriais altamente poluentes, sobretudo do setor energético. O processo consiste em capturar o CO2 resultante da combustão de combustíveis fósseis ou de outros processos industriais. Depois dessa filtragem, em vez de lançado na atmosfera, o dióxido de carbono é injetado no subsolo por meio de dutos. Dos 15 projetos de grande escala já em operação, nove estão em plantas de processamento de gás natural, duas de processamento de hidrogênio, duas de produção de fertilizantes, uma de sintetização de gás natural e uma de geração energética.
Os EUA lideram o mercado, com sete empreitadas em funcionamento, seguidos por Canadá (3), Noruega (2), Argélia (1), Arábia Saudita (1) e Brasil (1). O projeto brasileiro é operado pela Petrobras nas plataformas Cidade de Angra dos Reis e Cidade de Paraty, no campo de Lula, e Cidade de São Paulo, no campo de Sapinhoá. Em breve, será iniciado na plataforma Cidade de Ilhabela, também no campo de Sapinhoá. De acordo com a companhia, no ano passado foi atingida a marca de três milhões de toneladas de CO2 separados do gás natural e reinjetados no pré-sal da Bacia de Santos.
A tecnologia desenvolvida no Brasil filtra o CO2 do gás natural usando membranas. A separação das moléculas acontece basicamente pela diferença de tamanho, com a retirada de componentes menores, como o dióxido de carbono (CO2) e o metano (CH4), enquanto as moléculas de etanol e hidrocarbonetos de cadeias mais longas ficam na corrente de gás natural tratado e são transportadas para o continente.
O processo está gerando benefícios para a própria exploração. O CO2 separado é reinjetado nos poços, o que ajuda a manter a pressão nos reservatórios e facilita a recuperação de óleo.
"Após cinco anos de operação, pode-se afirmar que a tecnologia de separação de CO2 do petróleo produzido no pré-sal, bem como sua reinjeção nos reservatórios produtores, é plenamente viável dos pontos de vista técnico, econômico e ambiental", diz a Petrobras, em comunicado.
Szklo destaca a importância do projeto brasileiro, pioneiro na captura e injeção de carbono em ambiente offshore em grandes profundidades, 2.200 metros abaixo da lâmina d'água. Contudo, explica que a tecnologia foi introduzida por uma necessidade econômica. O gás natural dos reservatórios da camada pré-sal tem alta concentração de carbono, que chega a 75% em alguns casos. Sem a separação do CO2, o transporte para o continente, a 300 quilômetros de distância, seria impossível, pois o gás congelaria nos dutos.
- Existia uma necessidade. A empresa paga royalties por esse gás explorado, e para poder comercializá-lo, era preciso remover o CO2 - afirma Szklo. - Isso impôs um desafio, e o Brasil mostrou que está na fronteira tecnológica.
Jeff Erikson, diretor-geral para as Américas do Global CCS Institute, concorda que na escala de projeto, sem políticas de incentivo ou a imposição de restrições à emissão de poluentes, a adoção de tecnologias CCS pode ser economicamente inviável. Mas em escala global, a captura e armazenamento de carbono faz sentido.
- Uma análise realizada pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) estima que alcançar a meta de 2 graus de aquecimento será duas vezes mais caro sem as tecnologias CCS - afirma Erikson. - Existem desafios econômicos. Os projetos que estão em funcionamento requereram grande investimento. Mas o importante é que o núcleo dessas tecnologias provou que funciona. A nossa expectativa é que com o ganho de experiência, os custos diminuam.
APOSTA EM EMISSÕES NEGATIVAS
Os projetos em funcionamento e em construção não retiram carbono da atmosfera, mas evitam que poluentes sejam emitidos. Para manter o aquecimento no limite de 2 graus Celsius será preciso muito mais. Segundo Erikson, existem estudos em andamento para a retirada do CO2 diretamente do ar, mas sem previsão para uma solução comercial. Nas indústrias, o carbono está concentrado, o que facilita a sua filtragem. Já na atmosfera as moléculas estão dispersas, o que faz com que o custo energético para sua separação em grande escala seja considerado, hoje, inviável.
Por esse motivo, a principal aposta é nos projetos de CCS em instalações de biomassa, capazes de gerar emissão negativa. O etanol, por exemplo, emite poluentes no processo de produção do combustível, mas as emissões são neutralizadas pela plantação da cana. Caso seja possível capturar o carbono emitido na produção, todo o processo será deficitário em CO2.
- O entrave está no transporte. A plataforma já está em cima do poço, mas as usinas de etanol ficam distantes. Literalmente, seria preciso construir dutos para carregar rejeitos - diz Szklo, da Coppe/UFRJ. - As tecnologias CCS são promissoras, mas ainda não estão no estágio de promover mudanças na velocidade que as mudanças climáticas impõem.

O Globo, 10/07/2016, Sociedade, p. 40

http://oglobo.globo.com/sociedade/sustentabilidade/captura-de-carbono-s…

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