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Com três acusados presos, polícia procura mandante

JB, País, p. A5
23 de Fev de 2005

Com três acusados presos, polícia procura mandante
Depoimentos esclarecem morte de missionária e fazendeiro é o único foragido

Com a prisão de três envolvidos no assassinato da missionária Dorothy Stang, morta no dia 12 em Anapu, no Pará, a polícia passa a concentrar esforços no mandante do crime, o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, único que continua foragido. A rendição está sendo negociada desde sábado pelo advogado Augusto Septimio, que defende o fazendeiro.

Septimio afirmou que, ''temendo pela vida'', seu cliente deixou a região e não vai se entregar antes do fim do inquérito. Ainda assim, o secretário Especial de Defesa Social do Estado do Pará, Manoel Santino, declarou ontem que Bida deve se apresentar em breve.

A Polícia Federal prendeu, na noite de segunda-feira, o terceiro envolvido no crime. Clodoaldo Carlos Batista, de 30 anos, prestou depoimento e informou que a intenção do grupo era matar a freira um dia antes, em troca dos R$ 50 mil prometidos por Bida. No dia 11, a freira dormiu em local de difícil acesso e só foi morta no dia seguinte. Os pistoleiros receberam apenas R$ 50 para custear a fuga.

Apelidado de Eduardo, Clodoaldo foi encontrado quando fugia pela mata. Para não atrapalhar as investigações, a polícia vinha chamando o pistoleiro pelo nome de Uilquelano. Os outros detidos são Amair Feijoli da Cunha, o Tato, e Rayfran das Neves Sales, o Fogoió, supostamente o outro pistoleiro que atirou na missionária.

Na tarde de ontem, foi encontrada uma das armas do crime. O revólver calibre 38 estava na fazenda de Bida e teria sido usado por Rayfran.

O depoimento de Eduardo foi considerado pela PF o mais confiável até agora. Ele confirmou que o crime foi premeditado e havia outras pessoas interessadas na morte da freira. Disse ainda que essas pessoas possivelmente dividiriam com Bida os custos da recompensa oferecida aos pistoleiros.

Dorothy Stang liderava um projeto de assentamento chamado PDS Esperança, em Anapu, e queria que as terras de Bida fossem desapropriadas para integrar o projeto. No dia 11, ela chegou ao PDS para participar de uma reunião com os assentados. Dormiu em um barracão rústico de madeira fina e palha de babaçu.

- Tentamos matá-la na noite de sexta-feira, mas ela dormia em um local muito escuro. No dia seguinte, saímos. Onde a gente encontrasse, mataria ela. Abordamos no travessão (ramal que divide os lotes do PDS), às 7h - contou Eduardo.

O pistoleiro contou que a missionária se abaixou para mostrar um mapa da área:

- Rayfran mostrou a arma, ela leu um trecho da Bíblia, mas ele atirou.

A oferta de R$ 50 mil pelo crime teria sido feita por Tato, que trabalhava com Bida.

- O Tato disse a mim e ao Rayfran que tinha R$ 50 mil para matar a velha. Pediu para eu conversar com o Rayfran sobre a proposta. O dinheiro era para ser dividido. Eu disse que não tinha coragem e o Rayfran disse: ''Eu faço, tu só me acompanha'' (sic) - contou Eduardo no depoimento.

Lula: Brasil não é ''terra de ninguém''

Em um discurso recheado de críticas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou ontem, a apontar empresários do setor madeireiro como responsáveis pelos assassinatos ocorridos na semana passada no interior do Pará, entre os quais o da freira Dorothy Stang.
- Foi uma atitude pensada de alguns empresários do setor madeireiro.

Segundo o presidente, a atual onda de mortes no estado motivadas por conflitos agrários, rotulada por ele como uma ''desgraça'', fez com que o governo assumisse as ''dores'' dos trabalhadores rurais. E prometeu:

- Quem tiver terra grilada, o governo vai tomar conta. O Brasil não é terra de ninguém. Este país tem governo, tem lei, e a lei vale para o presidente e vale para um pistoleiro.

Lula esteve ontem pela manhã em Sidrolândia (MS), onde participou da inauguração da rede de eletrificação em assentamentos rurais do Estado. Usando uma camiseta e um boné do programa federal Luz para Todos, o presidente falou, por meia hora e de forma improvisada, para cerca de 2 mil trabalhadores rurais assentados e acampados da região.

- A morte dos sindicalistas e da freira, no estado do Pará, não foi por acaso e é importante que o povo compreenda. Foi uma atitude pensada de alguns empresários do setor madeireiro, que estão revoltados com a política que estamos fazendo no Pará.

Segunda-feira, em seu programa quinzenal de rádio, Lula, num tom mais brando, já havia atacado os madeireiros, chamando os empresários do setor de ''reacionários'' e ''conservadores''. E, tanto no rádio como em sua fala de ontem, creditou o atual recrudescimento dos conflitos no Pará à ''revolta'' dos empresários diante das ações do governo federal na área ambiental.

No discurso de ontem, Lula afirmou que o primeiro objetivo, o de prender os assassinos, já foi alcançado. Agora, diz, o foco está nos mandantes.

- Os madeireiros podem saber que a morte da freira, em vez de colocar o governo recuado, vai colocar o governo mais ativo. E vamos fazer o que tem de ser feito, a impunidade acabou. Agora queremos chegar ao mandante, porque queremos acabar com essa história de empresários, alguns empresários, é verdade, comprarem glebas de terras de milhares de hectares em algumas regiões mais distantes do nosso país, contratarem jagunços e mandarem matar quem está lá organizado, como estavam os trabalhadores rurais.

De acordo com o presidente, não há prazo para que deixem o Pará os cerca de 2 mil homens do Exército enviados ao estado na semana passada numa tentativa emergencial de o governo responder aos assassinatos.

Lula não poupou nem os governadores com suas críticas. Disse que muitos deles mudaram o nome do programa Luz para Todos e colocaram o nome deles ''para vender para a sociedade a idéia de que o programa era deles. Tem outros que vão mais devagar porque acham que não podem ser bem rápidos para não favorecer o presidente Lula''.

Frade francês ameaçado de morte

BRASÍLIA - Henry des Roziers, frade francês que atua na região de Xinguara, no Pará, principalmente no combate ao trabalho escravo, é o próximo ''ativista dos direitos humanos marcado para morrer''.
O alerta é do conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil e ex-presidente da seccional da entidade no Pará, Sérgio Alberto Frazão Couto. Na reunião mensal do Conselho Federal da OAB ele pediu que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva determine proteção especial ao religioso, ligado ao Conselho Pastoral da Terra (CPT).

- O frei desempenha naquela região um trabalho intenso, e vivem chegando até nós denúncias de que vão matá-lo. E eu sei que vão. É só uma questão de tempo - afirmou Sérgio Alberto.

O conselheiro da OAB no Pará sublinhou a necessidade de as instituições da sociedade civil fazerem com que o governo federal ''vista a carapuça e assuma a responsabilidade por aquilo de que é verdadeiramente culpado''. Depois de fazer um histórico dos conflitos no Pará, acrescentou que assassinatos como o da Irmã Dorothy Stang ''ocorrem todos os dias, tendo como vítimas pessoas paupérrimas e desconhecidas''.

- No Sul do Pará, os freis e irmãs estão ameaçados. Serra Pelada é um barril de pólvora. E o que vemos é a irresponsabilidade de governos que se sucedem, sem nada fazer para resolver as causas dos conflitos. Não adianta também federalizar os crimes contra os direitos humanos sem que as varas federais tenham sempre policiais por perto - concluiu o conselheiro da OAB no Pará.

JB, 23/02/2005, País, A5

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