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Com reforma da saúde indígena FUNASA gasta mais do que o dobro para fazer

Urihi-Saúde Yanomami-Boa Vista-RR
20 de Fev de 2005

Como é de conhecimento público, a população Yanomami atendida pela Urihi
desde fins de 1999 até 30 de junho de 2004, um pouco mais de 50% dos
Yanomami residentes no Brasil, passou, a partir de julho de 2004, a ser
assistida diretamente pela FUNASA-RR que, para tanto, contrata os
profissionais de saúde através de convênio com a Fundação Universidade de
Brasília (FUB). O valor total desse convênio com vigência de 12 meses é
de R$ 10.900.000,00, sendo 9.300.000,00 (85%) para o pagamento de salários
(Convênio no 1326, agosto/2004).

Desde então, apreensiva com a caótica transição da assistência à saúde dos
Yanomami para a execução direta pela FUNASA-RR, sem que a autarquia
tivesse se estruturado para tal e sob influência política local
notoriamente anti-indígena, a Urihi considera seu dever empregar sua
experiência de trabalho entre os Yanomami para acompanhar as ações de
saúde no DSEI-Yanomami, sempre em sintonia com as preocupações dos
representantes indígenas.

Os primeiros cinco meses de transição foram, como temido, marcados pela
desorganização do sistema, provocando uma queda expressiva na qualidade da
assistência, denunciada pelas lideranças Yanomami (ver Boletim Eletrônico
da CCPY no 54 e 56: www.proyanomami.org.br ). Ao invés de tentar superar
as suas deficiências, a FUNASA e a coordenação técnica do DSEI-Yanomami
optaram por uma estratégia de negação dos depoimentos yanomami, divulgando
relatórios epidemiológicos baseados em informações de morbidade e
mortalidade enviesadas, refletindo mais uma sub-notificação de casos do
que uma melhora no atendimento.

Na mesma linha, a FUNASA protelou a reunião ordinária do Conselho
Distrital do DSEI-Yanomami do segundo semestre de 2004 até fevereiro de
2005. Nesta reunião, pode ser oficialmente expressa a unânime queixa dos
conselheiros Yanomami sobre a falta de medicamentos e insumos em geral na
Terra Indígena Yanomami; falta crônica que continua prejudicando a
qualidade da assistência e favorecendo o recrudescimento de doenças como a
malária, infecções respiratórias e diarréias (ver Boletim Eletrônico da
CCPY no 60 ).

Entretanto, a surpresa maior da reunião veio com a apresentação pela
FUNASA das contas do seu convênio com a FUB. Foram fornecidas aos membros
do Conselho Distrital planilhas deficientes, manifestamente confeccionadas
na hora, apresentando compilações financeiras obscuras e/ou tendenciosas,
sem nenhum detalhamento da natureza dos gastos essenciais (horas de vôo,
recursos humanos, medicamentos, combustível, alimentação, etc.)[1].

Entretanto, com base nos dados apresentados e informações adicionais
obtidas posteriormente junto ao DSEI-Yanomami, foi possível verificar que
a FUNASA e a FUB gastaram juntas R$ 9,2 milhões de reais em apenas 6
meses[2] para atender às mesmas regiões da Terra Indígena Yanomami antes
assistidas pela Urihi. Isto representa um aumento de 120 % nos gastos para
resultados avaliados como, no mínimo, medíocres pela população atendida: o
orçamento total da Urihi para atender à mesma população era de 8,4 milhões
de reais anuais.

Para piorar a situação, a população das regiões da Terra Indígena Yanomami
contempladas por outros convênios da FUNASA com organizações
não-governamentais (IBDS, Secoya, Diocese de Roraima), que cobrem a outra
metade da população Yanomami no Brasil, recebem menos que a metade dos
recursos gastos pela parceria FUNASA-FUB, mesmo quando se comparam regiões
com o mesmo grau de complexidade operacional.

Não se discute aqui, obviamente, a necessidade de importantes
investimentos no DSEI-Yanomami frente às condições operacionais
extremamente complexas inerentes à Terra Indígena Yanomami (96.650 km² de
floresta tropical com 250 grupos locais de difícil acesso). Ao contrário,
levando a sério o lema da FUNASA "Austeridade e Eficiência" (Editorial do
Presidente Valdi Camarcio Bezerra, Funasa em Revista, no2, Agosto de
2004), consideramos inadmissível que, na gestão atual do DSEI-Yanomami, um
orçamento dobrado produza resultados inferiores às metas alcançadas nos
anos anteriores nas mesmas regiões e que metade da população Yanomami,
fora do âmbito do convênio FUNASA-FUB, não esteja sendo beneficiada na
mesma proporção pelo dinheiro público mobilizado em nome da saúde dos
Yanomami.

Por último, convêm interrogar também, em nome da qualidade da gestão do
DSEI-Yanomami, sobre a forma dos gastos do convênio FUNASA-FUB: dos R$
9.300.000,00 previstos para pagamento de pessoal (Serviços de
Terceiros-Pessoa Física), R$ 4.457.350,48 foram remanejados para o
pagamento de Serviços de Terceiros - Pessoa Jurídica em benefício de uma
outra entidade civil de direito privado, a FUBRA[3], com a finalidade de
pagar o salário de parte dos funcionários a serviço da FUNASA no
DSEI-Yanomami. Ou seja, existe neste distrito uma curiosa operação de
terceirização da terceirização de mão de obra (FUNASA-FUB-FUBRA), cuja
legalidade e incidência na eficácia da gestão da saúde Yanomami nos parece
merecer uma aprofundada investigação pelo Ministério Público Federal e
pelo Tribunal de Contas da União.

[1] Vale lembrar que o Conselho Fiscal do DSEI-Yanomami tinha solicitado a FUNASA dados detalhados sobre sua gestão desde novembro de 2004, sem obter resposta.

[2] Descontados os gastos gerais para o DSEI-Yanomami, como a Casa do Índio/RR.

[3] Fundação Universitária de Brasília (http://www.fubra.com.br/), "entidade civil, com personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, com autonomia administrativa, financeira e patrimonial" (art. 1o do estatuto)

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