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Com a palavra o Senador Mozarildo Cavalcanti.

Agência Senado-Brasília-DF
18 de Jul de 2003

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Jornal do Brasil de hoje traz uma matéria que julgo de muita importância, até em seqüência ao discurso que a Senadora Íris de Araújo fez, destacando a questão da cultura indígena e do índio no Brasil. A matéria tem o seguinte titulo:

Doutor na tribo.
O Brasil terá em dezembro seu primeiro índio
com o título de mestrado. A pós-graduação, em Fisioterapia, está sendo feita no Mato Grosso do Sul. Essa é uma das notícias que Marcos Terena dará terça-feira ao Ministro Cristovam Buarque, da Educação, com quem vai discutir a criação da Universidade Autônoma dos Povos Indígenas."

Sr. Presidente, realmente essa é uma notícia muito importante. Temos ouvido e lido discursos e teses a respeito da questão indígena, em que o enfoque, a grande causa, o ponto máximo tem sido só a questão da demarcação de terras. Contudo, hoje, para 0,5% da população nacional que representa os indígenas do Brasil, há 12% da área do nosso território demarcada. Portanto, parece-me que o grande problema dos índios no Brasil não é mais a questão de terras, mas, sim, a questão do índio como ser humano, buscando efetivamente dar a ele a dignidade e o respeito que merece. Nesse contexto, a notícia de que Marcos Terena - que tem sido, inclusive, um funcionário graduado da Funai durante muito tempo - concluirá seu mestrado em dezembro traz nova luz à questão indígena. Na verdade, muitos índios já têm curso superior. No meu Estado, existem advogados, professores com licenciatura plena e mais de duas dezenas de índios cursando a Universidade Federal de Roraima. Pelo Brasil afora, há também muitos índios que estão concluindo ou concluíram seus cursos superiores. E essa tese de uma universidade autônoma dos povos indígenas merece ser analisada, como merece ser analisada, por exemplo, a criação de cotas para os índios nas universidades públicas, a exemplo da cota para os negros. Para tal medida, entendo que seria o caso apenas de se estabelecer uma correlação em termos da participação do índio na formação da raça brasileira. Sr. Presidente, ao mesmo tempo em que registramos essa notícia positiva da iminente conclusão de um mestrado por um índio, lemos também, nas edições de hoje do Jornal do Brasil, de O Globo e da Folha de S.Paulo, que o atual Presidente da Funai deve ser demitido nas próximas horas - aliás, que seria demitido nesta tarde. Não conheço o atual presidente da Funai, não sei das suas qualidades ou de seus defeitos, não sei como foi indicado e como chegou a Presidente da Funai. O certo é que isso nos leva a refletir sobre essa instituição, cujo primeiro presidente foi nomeado em dezembro de 1967 - há 35 anos, portanto. A instituição já teve 27 presidentes, contando o atual. Se for nomeado outro em poucas horas ou dias - até já se anuncia o nome do sucessor -, será o 28o presidente, o que resulta na média de pouco mais de um ano para cada presidente. A descontinuidade administrativa não trabalha a favor dos índios, ainda mais que a Funai tem sido sistematicamente corroída, diminuída em seus orçamentos, até de maneira proposital, por uma atuação crescente das ONGs, que vêm ocupando o lugar da Funai na questão indígena do Brasil. É de se admirar, quando se analisa essa nova demissão de um presidente da Funai, que não se cogite em nomear um índio para presidi-la. Fico realmente estarrecido por essas organizações voltadas à causa indígena não considerarem que já é hora de um índio dirigir a Funai. Qualidades para isso eles têm. Só o fato de serem índios já seria suficiente, não precisariam nem de titulação. Aliás, veja-se o exemplo do próprio Presidente da República, que não tem curso superior e está dirigindo muito bem o País. Portanto, não haveria necessidade de um índio com curso superior para dirigir a Funai. Ninguém melhor do que um índio para entender os problemas deles. Portanto, a exemplo do Sr. Marcos Terena, cuja formação vai além da graduação, de um curso superior puro e simples, pois está terminando o seu mestrado, existem outros índios que poderiam ocupar a presidência da Funai. Se é verdadeiro o que está publicado nos jornais de hoje, eu gostaria de fazer um apelo ao Presidente Lula para que realizasse mais um gesto
histórico: já que Sua Excelência foi o primeiro Presidente a nomear um negro para o Supremo Tribunal Federal, que também seja o primeiro Presidente da República a nomear um índio para a presidência da Funai. Quem sabe, a partir daí, a causa indígena seja realmente levada a sério, buscando-se efetivamente beneficiar os índios e não alguns "procuradores" de índios. Digo procuradores entre aspas porque muitos falam em nome dos índios sem ter procuração para isso. Aliás, é até interessante o que descobri quando fui Presidente da CPI das ONGs: a média das ONGs indigenistas é de uma para 800 a 900 índios. É uma proporção nunca vista. Não há correlação em nenhuma outra área social, seja na área do menor abandonado, na do idoso ou na dos aidéticos. Não há, em nenhuma outra área, correlação tão grande de instituições não governamentais preocupadas com uma causa. Já que estamos tratando de Organizações Não Governamentais e de Funai, Sr. Presidente, esclareço que a saúde indígena no Brasil foi retirada da Funai e transferida para a Funasa (Fundação Nacional de Saúde). Até aí, penso que o passo tenha sido acertado, pois a Funasa é órgão especializado e tem condições de cuidar da saúde tanto dos indígenas quanto dos não-indígenas. Mas o que se fez foi a terceirização dos serviços de saúde para as Organizações Não Governamentais. Sobre esse tema, leio documento sobre reunião realizada na Funasa, publicado e assinado pelo Secretário Executivo do Cimi (Conselho Indigenista Missionário). Nessa reunião, cogita-se passar os convênios feitos com as Organizações Não Governamentais para as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, as Oscips. Pois bem, existe uma fina nuance entre as ONGs e as Oscips. Estas são obrigadas a prestar contas e têm sua conduta regida pela Lei 9.790, de 1999. E vejo que as Organizações Não Governamentais, especificamente o Cimi, que cita outras instituições, não estão aceitando essa idéia. Temos de pensar de maneira séria e nacionalista sobre essa questão, levando em consideração que nossos indígenas já estavam aqui quando chegaram os europeus. Também precisamos passar a limpo essa história da Funai, das ONGs e do atendimento às comunidades indígenas. Além disso, quero ler um documento sobre a saúde indígena que está no site www.amazonia.org.br , cuja fonte é a Funasa (Fundação Nacional de Saúde). Lerei somente alguns dados. O índice de mortalidade infantil é de 57,2 por mil nascidos vivos. Essa é a taxa brasileira para os índios. Em alguns Estados, a situação é bem pior. A meta é reduzir em 50%, atingindo 28,6 por mil. Lembre-se que a taxa brasileira geral é de 29,6%. Repito a V. Exªs: a mortalidade infantil dos índios brasileiros é de 57,2 por mil nascidos vivos, e a meta é reduzi-la pela metade até 2006. Há 108,6 casos de tuberculose por 100 mil índios. A meta é reduzir esse índice em 30%. Quanto ao saneamento básico, por um lado, há a opinião daqueles indigenistas radicais, que querem que os índios vivam como viviam quando Pedro Álvares Cabral chegou ao País. Portanto, não seria o caso de pensar em saneamento básico. Mas, na realidade, as aldeias são verdadeiras cidades, pequenas cidades que precisam, sim, de saneamento básico. Os índios merecem, sim, que se evitem as doenças que podem ser evitadas com saneamento básico. E a situação é gritante. Segundo dados da Funasa, 44% das aldeias não têm água encanada e tratamento de esgoto. E pretende-se implantar saneamento básico em 3.265 aldeias. Na verdade, se formos passar a limpo mesmo esses dados, veremos que em quase nenhuma aldeia brasileira existe saneamento básico. Quanto à malária, a incidência é de 31,8 por mil nas comunidades indígenas, e a meta é reduzir pela metade os casos, em três anos. No que se refere à desnutrição, 30% da população menor de cinco anos é desnutrida. E considero esse dado bastante generoso, pois, na verdade, os nossos índios que vivem nas aldeias estão realmente desnutridos na sua grande maioria, como é o caso dos índios ianomâmis, que vivem semi-isolados numa região inóspita em que existe pouca caça e que são desnutridos. No entanto, há propaganda internacional para mantê-los assim. Com relação à cobertura vacinal, 62% dos distritos sanitários não dispõem de cobertura para doenças que podem ser evitadas por vacinação. Quanto às DSTs e à AIDS, foram registrados 1.462 casos, em 2002, e pretende-se implantar um programa de prevenção em todos os distritos, reduzindo a incidência pela metade. Com relação à prevenção do câncer do colo de útero, quinze distritos não têm controle. No que se refere a alcoolismo, a suicídio e à saúde bucal, nenhum distrito dispõe de programa. A fonte desses dados, repito, é a Fundação Nacional de Saúde. Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quanto à nomeação ou não de mais um Presidente da Funai, é preciso que realmente este Senado trate da política indigenista no País, que deve ser voltada muito mais para o índio como ser humano e como cidadão que para a preocupação extremada que se teve nos últimos anos com a terra. Já estão demarcados 12% do território nacional, e muitas áreas já estão pretendidas ou delimitadas. Reitero a necessidade de se olhar a questão indígena com mais seriedade. Apelo ao Governo do Presidente Lula para que realmente faça essas mudanças e ao Presidente da Funasa para que efetivamente moralize a terceirização dos serviços de saúde nas comunidades indígenas. No meu Estado, por exemplo, duas ONGs recebem mais recursos para atender 7% da população, que representam os índios no meu Estado, que todos os Municípios do interior do meu Estado. Algo está equivocado. Os dados não são condizentes com o dinheiro que está sendo remetido. Ao finalizar, aproveitando, se é verdadeira, a notícia sobre a substituição do Presidente da Funai, novamente apelo ao Presidente Lula para que entre para a história do Brasil, nomeando um índio para dirigir o órgão máximo de defesa dos interesses dos índios, que é a Funai. Aliás, não conheço nenhuma associação feminina dirigida por homem e nenhuma associação de negros dirigida por brancos. Não entendo por que a Funai é dirigida por um não-índio.

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