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Com incêndios, armas e ameaças, violência contra indígenas guarani kaiowá já dura 12 dias; entenda conflito

O Globo - https://oglobo.globo.com/
24 de Jul de 2024

Com incêndios, armas e ameaças, violência contra indígenas guarani kaiowá já dura 12 dias; entenda conflito
Em vídeo que circula nas redes, fazendeiros ameaçam 'grande conflito'; MPF busca solução para evitar novos ataques

Carolina Brasil

24/07/2024

Um conflito fundiário entre comunidades indígenas e produtores rurais na região de Douradina, Mato Grosso do Sul, vem se intensificando na última semana. Nesta segunda, dia 22, o confronto atingiu um novo nível de tensão, quando fazendeiros se reuniram em comboio com caminhonetes de faróis ligados em frente à ocupação indígena. Em um vídeo que circula nas redes sociais, um deles afirma que o "bambu vai envergar" e que estão "se organizando para o grande conflito". Dois indígenas ficaram feridos, confirmou o Ministério Público Federal (MPF) ao GLOBO.

"Todo mundo se posicionando. Daqui a uma meia hora o bambu vai envergar. Vamos avançar. Todo mundo organizado para o grande conflito. Lá "tá" os índios, nós estamos organizados. Está chegando a tropa de choque também", é possível escutar no vídeo compartilhado nas redes sociais pela organização de mulheres guarani kaiowá Aty Guasu. As imagens mostram diversos carros estacionados, com os faróis acesos.

A área de 12 mil hectares, chamada de Panambi-Lagoa Rica, fica a cerca de 192km de distância da capital do estado, Campo Grande. Apesar de já ter sido delimitada pela Funai, o processo ainda está parado na Justiça, após os produtores rurais entrarem com pedido de nulidade do estudo de demarcação.

Segundo o MPF, o comboio foi realizado com o objetivo de reintegrar a posse da área reivindicada como território tradicional. Os fazendeiros estariam portando fogos de artifícios e armas de munições letais e não-letais.

Ao GLOBO, a deputada estadual Gleice Jane (PT-MS), que esteve presente no local, classificou o cenário como "uma tensão muito preocupante".

- O clima é muito tenso, ainda tem provocações de um lado e do outro. Eu contei, no mínimo, 12 caminhonetes com o farol ligado. Nós ouvimos os barulhos dos motores. Eles estavam em um tom um pouco ameaçador em relação à comunidade indígena.

Ontem, representantes indígenas e ruralistas se reuniram para negociações junto ao MPF. Ainda não há proposta definida, mas as conversas seguem com o objetivo de "mediar uma solução para cessar o conflito armado e as violências", segundo o Ministério Público.

- Passamos mais de três horas ouvindo o processo histórico de dor e de sofrimento da comunidade. São memórias passadas, inclusive, de geração para geração. Eles lembram a todo o tempo como foi o processo de expulsão deles. Isso tem dificultado bastante essas tratativas. Eles não acreditam no Estado, não acreditam em promessas do governo - explicou Jane.

De acordo com a solução provisória estabelecida durante a reunião, a comunidade indígena, composta por cerca de 100 famílias, poderia permanecer em um perímetro de 150 hectares da área ocupada. Segundo nota do MPF, o território pertence a uma produtora rural que estava presente na reunião e afirmou que reivindicará a posse da terra judicialmente.

No último dia 13, um indígena foi alvo de tiros em Douradina, informou o MPF. Segundo representantes locais dos povos tradicionais, uma onda de violência se intensificou neste fim de semana, depois do ocorrido. No dia 17, tropas da Força Nacional foram enviadas ao local para apoiar ações da Polícia Federal e órgãos de segurança pública do Mato Grosso do Sul.

A Aty Guasu também denunciou mais agressões contra os indígenas nesta sexta, 19, com incêndios e tiros.

Segundo o Ministério dos Povos Indígenas (MPI), as tropas intensificaram "rondas permanentes" e dão "suporte às famílias indígenas". O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, autorizou a permanência da Força Nacional por 90 dias em apoio à Polícia Federal no local.

Para a deputada, o risco de confrontos físicos é muito eminente na região. Por meio das redes sociais, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) afirmou que a área estaria cercada de "capangas de proprietários rurais".

"Policiais militares chegaram ao local e com isso os indígenas temem um despejo ilegal, sem ordem judicial, e mais violência (...) Os relatos são dramáticos e revelam o sentimento de impotência dos indigenistas diante das graves violações presenciadas", diz a nota.

De acordo com autoridades indígenas, a estratégia acontece de forma regular. Okaju Karai, liderança da guasu guavira, do Paraná, explicou ao GLOBO que esta é uma forma de intimidação comum:

Os fazendeiros ficam rondando a aldeia de caminhonetes, monitorando, xingando. Eles falam que se [indígenas] saírem da aldeia, eles vão ser mortos, vão ser atropelados, que vão matar todo mundo. Nós, os Guarani, não temos o poder de fogo que estes fazendeiros têm. Não temos nem para onde fugir.

Segundo Karai, os produtores rurais agem de maneira violenta "mesmo com a presença da Força Nacional" e outras autoridades.

A primeira tentativa de retomada da ocupação por parte da comunidade Panambi-Lagoa Rica na região ocorreu há quase 20 anos. Segundo o MPF, lideranças indígenas alegam que, apesar do compromisso do poder público de que "a aldeia receberia casas de alvenaria e infraestrutura básica, como água encanada e rede de energia elétrica", isso nunca ocorreu.

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