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Com atraso de seis meses, Sesai vacina adolescentes aldeados de São Gabriel

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06 de Dez de 2021

Com atraso de seis meses, Sesai vacina adolescentes aldeados de São Gabriel
A Anvisa liberou as duas doses do imunizante da Pfizer a partir do mês de junho no país, mas adolescentes dos povos Baré, Koripako, Tariano, Tukano e Yanomami, entre outros, ainda aguardam a vacinação

Amazonia Real Por Ana Amélia Hamdan
Publicado em: 06/12/2021

São Gabriel da Cachoeira (AM) - Jovens indígenas brasileiros com idades de 12 a 17 anos e que vivem em aldeias de terras indígenas atendidas pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, estão esperando mais tempo para receber a primeira dose do imunizante contra a Covid-19. Entre a liberação da vacina da Pfizer para essa faixa etária, em junho pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a distribuição em outubro e a aplicação das doses, que começou apenas no final de novembro e início de dezembro, já são seis meses de atraso no calendário nacional.

Os indígenas brasileiros pertencem ao grupo de pessoas consideradas mais vulneráveis ao novo coronavírus. No calendário nacional de imunização da Covid-19, foram os primeiros a receber a vacina no Amazonas.

Exemplo de adolescentes aldeados que esperam a vacina é São Gabriel da Cachoeira, município do norte do Amazonas, e o de maior concentração de população indígena do país com 23 povos diferentes. Estão sem as duas doses da vacinação, entre outros, jovens dos povos Baré, Koripako, Tariano, Tukano e Yanomami - povo que enfrenta no momento atual uma grande invasão de garimpeiros no território.

A jovem Josiane da Silva Pereira, de 17 anos, do povo Tariano, afirmou que está esperando a primeira dose da vacina para se sentir melhor e mais protegida. Ela mora em Iauaretê, o maior núcleo populacional da TI Alto Rio Negro, no Médio Rio Uaupés, região conhecida como "Cabeça do Cachorro", na fronteira do Brasil com a Colômbia. Ela contou que, no mês de outubro, esteve na sede de São Gabriel da Cachoeira para participar de uma reunião de jovens. "É injusto porque quem está na cidade está tomando a vacina, mas quem está na comunidade ainda não recebeu", disse Josiane à Amazônia Real.

Para conversar com os adolescentes indígenas em São Gabriel da Cachoeira, a reportagem foi a algumas casas de apoio - locais onde os indígenas ficam hospedados na cidade quando saem das aldeias para tratamento médico. Em sua maioria, os jovens são tímidos e costumam, antes de responder, pedir permissão ao familiar para falar.

Na casa de apoio do povo Yanomami, o adolescente Thalen Brasil Campos, de 12 anos, contou que vive na comunidade Maturacá, onde estuda e frequenta as aulas do 7o ano. Lauro da Silva Santos, que é responsável por Thalen, conta que o jovem ainda não está vacinado. "Claro que eu quero que ele seja vacinado. O dia que chegar a vacina, ele vai tomar", disse.

Liderança Yanomami residente em Maturacá, José Mário Góes confirmou que até o final de outubro a vacinação de adolescentes não tinha tido início em sua região. "Estamos cobrando dos órgãos de saúde", disse.

O adolescente indígena Diego Henrique, de 15 anos, do povo Koripako, aluno do 1o ano do ensino médio, vive em Coraci, no Rio Içana. Seu tio, Bonifácio Henrique Mateus, de 28 anos, relata que na comunidade foram registrados casos da Covid-19, mas não houve morte. "Seria bom ele pegar a vacina. Levaram só para adulto, maior de idade", relata.

Jonas Alves de Lima, do povo Piratapuia, aguarda a vacinação de seus filhos. Morador da comunidade Nova Esperança, no médio Rio Uaupés, ele é pai de cinco crianças e adolescentes com idades de 4, 6, 10, 12 e 15 anos. Lima conta que já está imunizado, mas quer que as doses também cheguem às adolescentes da família.

Carolaine Dayde Alves de Lima, 12 anos, é a filha de Lima. Ela disse que gostaria de já estar imunizada. Segundo seu pai, na comunidade Nova Esperança muitas pessoas tiveram a Covid-19. "Quase perdemos um velho. Usamos para a cura casca de árvore que tem amargo", disse, referindo-se aos remédios tradicionais indígenas.

Em todo o Brasil, a vacina da Pfizer foi autorizada pela Anvisa em 11 de junho de 2021. Em 28 de agosto, segundo balanço do Ministério da Saúde, 1 milhão de jovens tinham sido vacinados. Os indígenas que vivem em áreas urbanas podem estar neste grupo, mas a Sesai não confirma essa informação.

O Ministério da Saúde diz que na área urbana de São Gabriel, a vacinação de jovens começou em 20 de agosto com a aplicação das duas doses da Pfizer.

Já a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), diz que a distribuição das vacinas para os Distrito Sanitários Indígenas (Dseis) do país começou em 8 de outubro. São cerca de 118 mil adolescentes entre 12 e 17 anos. O órgão não informou quantos deles já estão imunizados até o momento.

Procurado pela reportagem, o Distrito de Saúde Indígena (Dsei-ARN) Alto Rio Negro, que atende populações indígenas dos municípios de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos, disse que a vacinação dos adolescentes iniciou em 11 de novembro. Segundo o órgão, os cuidados de logística foram ressaltados pelo distrito, já que a vacina exige condições especiais de resfriamento. Entre os povos que vivem na área atendida pelo Dsei-ARN estão Tukano, Baré, Tariano, Desano, Baniwa, Koripako, Piratapuia.

O Dsei Yanomami - que atua na região de São Gabriel da Cachoeira e Santa Isabel do Rio Negro, no Amazonas, e em Roraima - informou à reportagem que vacinação dos adolescentes estava previsto para começar no dia 10 de novembro, seguindo nota técnica divulgada em 29 de outubro com orientações para a aplicação dessas doses em ambientes não climatizados. Entretanto, a imunização iniciou apenas no dia 3 de dezembro "devido às dificuldades logísticas", justificou o distrito.
Prejuízos pelo atraso
O Departamento de Adolescentes e Jovens Indígenas da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Dajirn/Foirn) vem acompanhando a questão da imunização em São Gabriel da Cachoeira. Coordenador do Dajirn/Foirn, Elson Kene Angelino Cordeiro, de 28 anos, do povo Baré, afirma que os adolescentes e jovens já foram muito impactados durante toda pandemia e que a demora da vacina é mais um prejuízo. "A vacinação é de plena importância para que esses adolescentes e jovens possam frequentar as aulas, o trabalho, ter o seu lazer", resume.

"Nos últimos meses a gente vem falando da importância da vacina, para os jovens tomarem quando as doses chegarem. A imunização é importante não só para o jovem, mas para a proteção de toda a família, dos avós", completa Elson Cordeiro.

Também coordenadora do Dajirn/Foirn, Gleice Maia Machado, de 19 anos, do povo Tukano, ressalta que na região as atividades estão flexibilizadas. Como há intenso trânsito entre as comunidades e os núcleos urbanos, o risco de contaminação aumenta. "Alguns jovens participam de festas na cidade e depois voltam para a comunidade", exemplifica. "Ainda há um risco de contaminação e temos que nos preocupar também com o surgimento das variantes. Incentivamos os cuidados e a vacinação."

Outro ponto levantado por Gleici é a resistência à vacinação, muitas vezes causada por desinformação. "Há orientação das escolas e por parte das equipes de saúde. Mas ainda há aqueles que não querem tomar a vacina", informa.

O município de São Gabriel da Cachoeira registra uma alta de casos da Covid-19. Em outubro foram 178 contaminados, o que representa aumento de 313% em relação aos 43 casos de setembro. No mês de agosto haviam sido registrados 9 casos da Covid-19. Em novembro foram 132 casos. No total, em toda a pandemia, até o fim do mês de novembro, o município registrou 8.465 casos e 110 óbitos.

Leia: A pandemia do novo coronavírus dissiminou rápido em São Gabriel. Indígenas enfrentaram risco de morte por falta de oxigênio em 2020.
Apib pede prioridade no STF

A situação da cobertura vacinal entre os povos indígenas levou a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) a entrar com uma petição no Supremo Tribunal Federal (STF), em 14 de outubro. O recurso reforça a necessidade de priorizar a vacinação de adolescentes indígenas de 12 a 17 anos na edição atualizada do Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra Covid-19 do Ministério da Saúde, publicada em 7 de outubro. A petição também pede o reforço da imunização para indígenas que vivem em terras indígenas homologadas ou não e os que moram nas cidades.

Na petição, a Apib informa que "o Ministério da Saúde optou por priorizar a vacinação em adolescentes de 12 a 17 anos com deficiência permanente, comorbidade e os privados de liberdade". E acrescenta: "O fato é que até o presente momento, a Sesai também não tomou nenhuma iniciativa para assegurar a imunização dos/as adolescentes indígenas, embora eventualmente alguns estados e municípios estejam realizando a vacinação".

A petição da Apib faz parte a arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental no 709 (ADPF 709), protocolada em junho de 2020, para garantir que o governo federal cumpra seu papel de proteger os povos indígenas durante a pandemia da Covid-19.

A representação da Apib cita documento científico da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), publicado em 14 de setembro deste ano, recomendando que, em função de sua vulnerabilidade social e/ou econômica, adolescentes pertencentes a povos indígenas devem estar entre os grupos considerados prioritários para vacinação. Além disso, a Apib cita que levantamento realizado a partir de taxas de mortalidade apontam que óbitos provocados pela Covid-19 entre jovens indígenas é proporcionalmente maior que entre não indígenas em todas as regiões do país.

Outro ponto levantado pela Apib é que, entre os indígenas, o grupo populacional jovem é mais numeroso que na população em geral. O dado indica que o comprometimento da vacinação desse grupo tem peso para interferir na cobertura geral.
Por uma proteção coletiva
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, crianças e adolescentes de 10 a 14 anos representavam 36,2% da população indígena. Na população não indígena, esse índice era de 24%.

O epidemiologista da Fiocruz Amazônia Jesem Orellana reforça a necessidade de vacinação desse público, inclusive para aumentar a proteção coletiva. "Quanto maior o número de vacinados, menor o risco de casos novos e mortes evitáveis por Covid-19", diz.

Segundo o epidemiologista, os adolescentes são menos suscetíveis ao adoecimento grave e ao óbito provocado pela Covid-19, mas isso não elimina contágios cruzados. "O problema seriam as pessoas do convívio desses jovens, especialmente os não vacinados ou com esquema incompleto, pois poderiam ser infectados", explica.

Uma das questões que poderia inviabilizar o envio da Pfizer a áreas de difícil acesso no território indígena seria a necessidade de acondicionamento especial do imunizante. Inicialmente, as doses estavam restritas às capitais, onde ficavam armazenadas em freezers com temperaturas entre -90o e -60o. O período para que a dose ficasse guardada em temperaturas de 2o a 8o graus era de apenas 5 dias. Em 28 de maio - após a farmacêutica apresentar novos estudos - a Anvisa autorizou a ampliação desse prazo para 31 dias, possibilitando a ampliação da distribuição dessas doses.

O epidemiologista Jesem Orellana acredita ser possível os órgãos de saúde se mobilizarem para levar a Pfizer para dentro do território indígena, mesmo que a vacina exija condições especiais de refrigeração. "Sempre é possível, basta vontade política e uma boa estratégia. Obviamente não será possível fazer isso em todas as aldeias, especialmente nas mais remotas e com menor número de pessoas alvo, mas certamente é possível nas aldeias maiores e de acesso menos desafiador", observa.
O que tem a dizer a Sesai?

Questionada sobre o motivo do atraso na vacinação de jovens indígenas aldeias pelo imunizante Pfizer, a Sesai nega: "não houve atraso no envio da remessa".

No entanto, confirmou que a imunização dos adolescentes começou somente em 8 de outubro, "quando a pasta realizou a distribuição de doses da vacina da Pfizer nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dseis)". A Anvisa liberou a aplicação em junho para adolescentes em todo país.

A Sesai não informou à reportagem o número de adolescentes indígenas aldeados imunizados até o mês de novembro. Também não disse se todos os Dseis deram início à vacinação dos jovens.

O órgão orientou a agência a consultar o LocalizaSUS. O site apresenta dados de indígenas vacinados com idade de 18 anos ou mais. Na região do Alto Rio Negro, onde fica São Gabriel, foram vacinados 16.080 pessoas desse grupo. Não há dados sobre a imunização dos adolescentes.

Conforme a Sesai, em 8 de outubro foram enviadas a todos os 34 Dseis existentes no país, 180 mil doses de reforço para complementar a vacinação. Desse total, 118.023 são do imunizante da Pfizer destinado a adolescentes indígenas de 12 a 17 anos. O restante - 61.750 - são doses da AstraZeneca enviada para reforço da população indígena acima de 60 aos imunossuprimidos e trabalhadores de saúde.

"A pasta esclarece que realiza a distribuição das doses aos Estados e municípios, e esses entes repassam aos 34 Dseis. Cada distrito possui planejamento estratégico específico para a vacinação em áreas de difícil acesso. Por fim, vale destacar que não houve atraso no envio da remessa, podendo, entretanto, ocorrerem potenciais morosidades de logística", informa o órgão.

Segundo a Sesai, as primeiras doses para vacinação contra o novo coronavírus foram enviadas aos 34 Dseis em 18 de janeiro de 2021. A fase inicial do Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 (PNO) atendeu a mais de 400 mil indígenas, acima de 18 anos, sendo que 359,3 mil indígenas receberam ao menos uma dose da vacina e 329,9 mil já estão com o esquema vacinal completo. O órgão reforça que, desde o início da pandemia, a saúde indígena é prioridade na imunização.

Ainda conforme o órgão, no Brasil, dos 11.706 casos de Covid-19 foram confirmados entre indígenas assistidos pelo Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSus) até o momento. Destes, 264 evoluíram para óbito. O número corresponde a 2% do total de casos confirmados.

No Brasil morreram 837 indígenas, segundo a Sesai. Levantamento da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), que inclui os indígenas que vivem nas aldeias e comunidades urbanas, o número de mortos ultrapassou 1.020 pessoas até o mês de novembro de 2021.

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Ana Amélia Hamdan
Jornalista com experiência em reportagem e edição para jornais e web. Atuando com produção de conteúdo e como freelancer na Amazônia. Formação na PUC Minas e especialização na UFMG, com atuação nas principais redações de jornais de Belo Horizonte.

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