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Colorido ameacado

CB, Cidades, p.20
27 de Jun de 2005

Colorido ameaçado
Metade das mil espécies de borboletas existentes no cerrado pode desaparecer em 20 anos, caso as agressões ao meio ambiente não sejam controladas. Especialista alerta que mesmo aquelas que vivem em área protegida não têm garantia de sobrevivência
Rovênia Amorim
Da equipe do Correio
O crescimento urbano, o avanço das áreas de cultivo e o desmatamento da vegetação de cerrado ameaçam as borboletas do Distrito Federal. Das mil espécies existentes no quadrilátero, pelo menos a metade pode desaparecer em 20 anos se nada for feito para conter as agressões ao meio ambiente. O risco de extinção é grande porque muitas vivem em locais fora das áreas de proteção ambiental — cerca de 150 espécies nunca foram encontradas em qualquer unidade de conservação do DF. São borboletas que vivem na vegetação sobre solos calcários nas regiões de Sobradinho, como a Chapada da Contagem, a Fercal e as matas de galeria próximas a córregos e rios.
A destruição e a fragmentação desses habitats são um grande risco para a fauna local de borboletas, alerta o biólogo Carlos Eduardo Guimarães, professor do Departamento de Zoologia da Universidade de Brasília (UnB), que estuda há 15 anos a fauna de borboletas do DF. Segundo ele, mesmo as espécies que vivem em áreas protegidas não têm sobrevivência garantida. Muitas unidades de conservação foram transformadas em ilhas de vegetação, geograficamente isoladas de outras unidades, o que resulta no maior cruzamento entre as espécies da população local. Com o tempo, isso pode ser fatal para a grande maioria, alerta.
Para preservar a sobrevivência das borboletas, é necessário manter corredores ecológicos que permitam uma ligação entre as diversas unidades de conservação. Outra ação é impedir o avanço da depredação desses ambientes, que têm problemas como incêndios, presença de animais domésticos e depósitos de lixo. A destruição da vegetação significa também a eliminação de espécies do local. Na fase larval, o inseto alimenta-se de folhas de plantas típicas do cerrado. Depois da metamorfose, as borboletas dependem do néctar das flores ou de frutos em decomposição.
Por isso, entre todos os insetos, as borboletas constituem um grupo especialmente interessante para estudos de biodiversidade e conservação. Algumas espécies de larvas alimentam-se apenas de uma ou poucas plantas hospedeiras. Assim, a presença de uma determinada espécie de borboleta em certo local pode implicar também na existência de determinadas plantas, explica o biólogo. Há espécies também que ocorrem apenas em alguns microhabitats, sob determinadas condições de luz, temperatura e umidade. Borboletas são cada vez mais utilizadas em programas de monitoramento de biodiversidade em países da Europa e na América do Norte ou como indicadores para conservação de áreas no Brasil.
Em todo o cerrado brasileiro, existem 1,5 mil espécies de borboletas. No Brasil, já foram identificadas 5 mil espécies. A Mata Atlântica é o bioma mais rico — 3,2 mil espécies ocorrem nos 3% de vegetação nativa que restam no país. Na América do Norte, encontra-se um número bem menor de borboletas — são 750 registradas. Entre as mil espécies que ocorrem no DF, cerca de 50% são encontradas em praticamente todo o Brasil. Outra parte substancial (35%) ocorre nas demais áreas de cerrado e na Mata Atlântica e 10% são encontradas também na Amazônia.
Apenas 5% são endêmicas do cerrado do Distrito Federal, ou seja, são encontradas apenas aqui, como a Parides burchellanus e a Agrias claudia godmani. As duas ameaçadas de extinção. Mesmo espécies comuns em outros biomas desenvolveram formas e variedades locais, que refletem um certo grau de diferenciação genética de outras populações da mesma espécie espalhadas no Brasil, explica o professor da UnB. No DF, o maior pico de borboletas ocorre na estação chuvosa, mas há espécies que só aparecem na seca. O tempo de vida é bastante variável — da fase larval até a fase adulta, depois da metamorfose: de poucos dias até oito meses”.

Sobreviventes
Número estimado de borboletas em várias regiões do Brasil e do mundo
Brasil 5 000
Mata Atlântica 3 200
Amazônia 2 500
Cerrado 1 500
Distrito Federal 1 000
América do Norte 750
Europa Ocidental 120
Reino Unido 62

Inseto cobiçado pelo comércio
Belas e coloridas, as borboletas sempre despertaram interesse de colecionadores e há mais de duas décadas viraram moda ao serem utilizadas na fabricação de objetos de decoração. Mas o comércio desses insetos, sem autorização, é um crime ambiental punido com multa pesada. Desde o começo do ano, o Instituto de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama/DF) está multando comerciantes que vendem produtos com borboletas. Em apenas duas operações, 657 insetos foram apreendidos em lojas do aeroporto, de shoppings, da rodoviária e em bancas da Torre de TV.
Essas borboletas vêm de São Paulo e quem as vende para os comerciantes não tem registro no Ibama, garante Adilson Gil, coordenador de Fauna do Ibama-DF. O registro para comercializar animais vivos ou produtos com espécies mortas é obrigatório desde 1997, com a publicação da Portaria 117 no Diário Oficial de 17 de novembro do mesmo ano. O comerciante em situação irregular paga R$ 500 por borboleta. Em apenas uma loja de Brasília, a multa aplicada foi de R$ 90,5 mil. Esta semana, os fiscais do Ibama fazem nova operação.
Patrimônio
Mutiladas, sem abdômen, cabeça, antenas e algumas com parte das asas faltando, as borboletas são vendidas em quadros, porta-jóias, caixinhas e bloquinhos de anotação. Os preços são bem em conta. Variam de R$ 6,50 a R$ 42, como um quadro com dez borboletas de cores e tamanhos diferentes. Todos os objetos são enfeitados com pedrinhas coloridas e trazem a inscrição Brasil. Geralmente, esses objetos são bastante procurados por turistas e daí a nossa preocupação. Patrimônio genético desconhecido dessas espécies está deixando o país, alerta o Adilson.
O Ibama ainda não sabe se as borboletas que entraram no roteiro comercial do Distrito Federal e de Goiás são criadas ou coletadas na natureza. A maioria das borboletas é de espécie comum. São vendidas por um preço muito barato, afirma o fiscal. Em criadouros comerciais autorizados — existem apenas quatro no Brasil — é difícil encontrar borboletas raras. No mercado clandestino, elas chegam a custar de 150 a 200 dólares. Mas há casos de exemplares raros vendidos até mil dólares.

CB, 27/06/2005, p. 20

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