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Colapso do lixo atinge 67 cidades de São Paulo

OESP, Metrópole, p. C1, C3-C4
02 de Out de 2008

Colapso do lixo atinge 67 cidades de São Paulo
Nove terão de fechar os aterros; prefeitos alegam 'perseguição'

Diego Zanchetta

A Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) desencadeou ontem uma ação para interditar os aterros de 67 municípios de São Paulo, dos quais 9 começaram a ser notificados na semana passada. A medida atinge 1,1 milhão de pessoas. São lixões que funcionam sob as mesmas condições desde os anos 80, com toneladas de resíduos empilhadas de forma precária, próximas de rios e de áreas residenciais, a maior parte sem coleta seletiva ou reciclagem, segundo o governo estadual. Sem as correções exigidas há quase um ano, esse locais ameaçam contaminar com chorume áreas de mananciais como a Represa Billings, usada para abastecer 15% da Grande São Paulo, os lençóis freáticos do Vale do Ribeira e áreas de preservação permanente no litoral e no oeste do Estado.

A intervenção da Cetesb foi antecedida de uma reclassificação sobre as condições dos aterros em 137 cidades, feita em setembro e obtida com exclusividade pelo Estado. O levantamento mostra que 78 municípios (57%) foram considerados "inadequados" pelo Índice de Qualidade de Resíduos (IQR). Desses, 67 têm aterros em situação considerada "crítica", que precisam ser fechados. A reportagem teve acesso aos nomes de cinco das nove prefeituras que serão alvo de intervenções nas próximas semanas: Araçariguama, Cruzeiro, Embu-Guaçu, Itapetininga (já notificada pela Cetesb) e Presidente Prudente.

Os prefeitos com aterros multados ou prestes a serem interditados reclamam de "perseguição" do governo e argumentam que a ação da Cetesb favorece os 21 aterros particulares em funcionamento no Estado. O governo rebate e diz ter repassado R$ 8 milhões a 70 municípios, somente neste ano, para melhorias em lixões.

Outros 55 municípios com aterros "inadequados" em 2007 melhoraram a classificação - estão entre "adequados" e "controlados". Para isso, realizaram melhorias como a adoção de reciclagem e de novas estações de transbordo. O número de aterros em condições ruins, contudo, pode ser maior, uma vez que os 508 municípios que obtiveram IQR superior a 6 em 2007 não foram reavaliados no mês passado. Ao todo, São Paulo contava com 332 aterros classificados como "adequados" em novembro - 51,8% das 645 cidades paulistas.

Em junho, uma reclassificação parcial dos aterros já resultara no fechamento dos lixões de Itapecerica da Serra, Araras, Itanhaém e Mongaguá. Três meses após a intervenção, os aterros seguem lacrados. Araras, por exemplo, passou a enviar o lixo para um aterro particular em Paulínia, a 120 km de distância. Itanhaém despeja os resíduos em Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo.

Em novembro do ano passado, a Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SMA) exigiu melhorias em 137 cidades com IQR "inadequado". Na primeira classificação, em 1997, eram 143 municípios que não atendiam a parâmetros como distância de mananciais e coleta de chorume. "Quase um ano depois, temos 67 cidades que não fizeram nada para melhorar as condições dos (seus) aterros. A coleta seletiva, que reduz a massa de lixo nos aterros, continua incipiente na maior parte dos municípios pequenos", diz o secretário do Meio Ambiente, Francisco Graziano. "O paulista, que produzia em média 200 gramas de lixo por dia na década de 90, produz mais de 800 gramas hoje. Muitos aterros ficaram pequenos."

Lixo de 300 cidades pode produzir 15% da energia do País
Usinas termelétricas usam resíduos como matéria-prima; empresas ajustam aterros para poder obter eletricidade

Eduardo Reina

O lixo das 300 maiores cidades brasileiras pode servir para a produção de 15% da energia elétrica consumida no País, segundo revela o Plano Decenal de Produção de Energia 2008/2017 do Ministério de Minas e Energia. O cálculo é feito sobre todo o lixo recolhido nesses locais, que pode ser transformado em energia em usinas termelétricas. De olho nesse novo nicho de mercado, as empresas que atuam nas áreas de resíduos, saneamento e limpeza pública começam a projetar a construção de novos aterros.

As companhias se espelham em determinação da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), ligada ao governo estadual, que só aceita funcionamento de antigos lixões quando transformados em aterros controlados, com cobertura dos detritos com terra. Entretanto, novas licenças são dadas apenas para centros de tratamento, que têm controle sobre a produção de chorume e de gás.

Um executivo de uma companhia que atua no Estado admitiu que "não interessa mais" operar na limpeza pública, "mas trabalhar com aterros", para aproveitar a onda verde da energia do biogás. São Paulo tem hoje 21 aterros particulares. Há dois pedidos de licenciamento em tramitação no Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema).

A Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) diz que em 1997 havia apenas dois aterros privados no Estado. Em 2007, já eram 21, além de três para resíduos industriais. "Hoje 70% dos resíduos domiciliares de São Paulo são depositados em aterros privados. A capital responde por 50%. São 95 municípios que usam equipamentos privados. As prefeituras preferem esses aterros pela qualidade ambiental e dos serviços e pelo maior gerenciamento", afirma o presidente, Diogenes Del Bel.

Os dois aterros da capital estão com a capacidade esgotada. O São João, na zona leste, ainda receberá detritos até março de 2009 - depois será fechado. O contrato de 20 anos e R$ 10 bilhões no Município, assinado em 2004, prevê a construção de novos equipamentos. A atual gestão renegociou os contratos e prorrogou prazo para a criação de outros aterros. Enquanto isso, as 15 mil toneladas de lixo produzidas pelos paulistanos vão para a central de resíduos Essencis, em Caieiras. A EcoUrbis, que administra o aterro São João, aguarda liberação da licença de funcionamento de área em São Mateus, no limite com Mauá, para instalar outro equipamento.

As empresas projetam a possibilidade de os aterros particulares atenderem a vários municípios de uma mesma região. "O raio de atendimento, com custo competitivo, é de até 70 quilômetros", afirma Luciano Amaral, presidente da Vega Engenharia Ambiental, sócio do Essencis, que faz limpeza pública em parte da capital. Em Porto Alegre, essa teoria já entrou em prática: um centro de tratamento de resíduos atende cidades localizadas num raio de 140 quilômetros.

Litoral tem 6 aterros em estado crítico
Lixão de Ubatuba pode fechar, caso área de transbordo não seja concluída

Diego Zanchetta, Rejane Lima e Simone Menocchi

Na reclassificação da Cetesb realizada em setembro, 6 cidades dos litorais norte e sul estão entre as 67 com aterros em situações críticas: Cananéia, Caraguatatuba, Ilha Comprida, Itanhaém, Mongaguá e Ubatuba. "Se Ubatuba não fizer uma estação de transbordo do lixo até novembro, o aterro será interditado", adverte o diretor de Controle de Poluição da Cetesb, Marcelo Minelli. Procurada, a prefeitura informou que as obras estão em andamento.

O lixo é um dos principais problemas para as quatro cidades do litoral norte e atualmente três recorrem ao transbordo. A proximidade com a Serra do Mar e a preservação de áreas de mata atlântica estão entre as principais dificuldades para a instalação de aterros sanitários, que há oito anos é negociada com o governo estadual. As prefeituras apontam que a solução seria um aterro regional na região sul de Caraguatatuba.

Ilhabela e São Sebastião transportam o lixo para um aterro em Tremembé, no Vale do Paraíba - um dos prováveis destinos para onde poderá seguir a sujeira de Ubatuba. Em 15 dias, a prefeitura pretende abrir licitação. Os gastos deverão passar de R$ 700 mil para R$ 1,5 milhão por ano. "Esse volume é maior do que a verba deste ano para pavimentação de todo o município", diz o secretário de Obras e Serviços Urbanos, João Paulo Rolim.

Atualmente, o município gasta, em média, R$ 600 mil por mês com coleta, transporte e depósito do lixo, que chega a 100 toneladas por dia e sobe para 250 toneladas na alta temporada. A cidade também faz transbordo, só que para um aterro legalizado em Santa Isabel. Durante 30 anos, o lixo da cidade foi depositado num aterro fora dos padrões, numa área de 130 mil m² na Fazenda Serramar.

LITORAL SUL

Com lençóis freáticos superficiais, nascentes e muita chuva, a condição geográfica do litoral sul é a pior inimiga dos aterros. Além disso, o meio ambiente pouco degradado, parques estaduais e diversas Áreas de Preservação Ambiental (APAs) dificultam o cumprimento das exigências da Cetesb. Em junho, a situação de Mongaguá e Itanhaém chegou ao limite e seus lixões foram interditados. A partir daí, ambas passaram a exportar lixo: o de Mongaguá vai para Santos, e o de Itanhaém, para Mauá.

"É um custo que não estava planejado. Tínhamos cinco anos e meio para cumprir as obrigações do plano de adequação aprovado pela Cetesb em 2005", diz o diretor do Departamento de Meio Ambiente de Itanhaém, João Paulo de Barros Monteiro. A Cetesb alega que uma resolução de novembro interpôs o acordo e a prefeitura foi notificada várias vezes.

Em Mongaguá, o poder público toma medidas paliativas para melhorar a condição ambiental do transporte do lixo e diminuir os custos. "Desapropriamos uma área para criar uma estação de transbordo, assim o lixo passa direto do caminhão da coleta para o caminhão que vai até Santos. Também vamos construir um galpão para a triagem do lixo reciclado", afirmou o diretor municipal de Meio Ambiente, Tenisson Azevedo Junior, que prevê queda de 20% no peso do lixo exportado, cuja média é de 20 toneladas diárias, com a coleta seletiva. Segundo ele, a solução a médio prazo ficará para a próxima administração. "Eles que vão ter de definir se vão conseguir uma nova área para o aterro ou vão continuar exportando."

Arranjar uma área adequada tem sido o maior problema de Cananéia e Ilha Comprida, que, embora não tenham lixões interditados, reconhecem a situação crítica. "Chegamos a pagar uma empresa de São Paulo para pesquisar uma área para enviarmos o lixo daqui e de Iguape, que é coletado por uma empresa bimunicipal. Estamos esperando a Cetesb aprovar uma área há pelo menos seis anos", disse o diretor de Ecologia e Turismo de Ilha Comprida, Armando José Prado Barone. A Cetesb diz que o único pedido que aguarda aprovação na região é de Juquiá.

O diretor de Meio Ambiente de Cananéia, Edison José Alves, admite que o aterro do município está condenado. "Apresentamos uma área desapropriada, mas a Cetesb não aprovou."

Apesar de desativado, lixão recebe 200 t de dejetos por dia, em Prudente

Sandro Villar e Eliete Guedes

Considerado um dos piores do Estado, com nota 2,7 na avaliação da Cetesb, o lixão de Presidente Prudente começou a ser desativado em 5 de agosto, mas continua recebendo lixo. Até agora, a prefeitura aterrou 1/4 da área de 5 hectares. Feita por etapas, a desativação só deve terminar em dois anos. Multada em R$ 430 mil, a prefeitura receberá autuações diárias, se não acelerar a desativação.

Até lá, as 200 toneladas diárias de lixo produzidas pelos 204 mil moradores continuarão a ser depositadas no lixão, de 1996. "Não tem outra saída, vamos continuar depositando lá até a construção do novo aterro", diz Fernando Luizari Gomes, secretário de Meio Ambiente e Turismo. A Cetesb reclama da demora da prefeitura em dar um fim no lixão. O governo contesta. "A Cetesb quer o projeto para amanhã. Isso leva tempo", afirma o secretário.

Por meio de licitação, o município contratou uma empresa para fazer o projeto de desativação. A proposta prevê a drenagem de gases e chorume, além da perfuração de poços para monitorar os lençóis freáticos e apurar o nível de contaminação da água. Só depois é que será criado o novo aterro. "O lixão deveria ter sido desativado há muito tempo", critica José Benites de Oliveira, gerente da Cetesb na cidade.

OUTROS CASOS

O aterro de Itapeva, a 250 km de São Paulo, também corre risco de interdição. Numa fiscalização realizada no início da semana, técnicos da Cetesb constataram que a prefeitura não atende às normas do Termo de Ajuste de Conduta (TAC), assinado pela administração em outubro de 2007. Nesse acordo, a prefeitura deveria apresentar, em seis meses, um local para erguer o novo aterro. Segundo o gerente da Cetesb em Itapetininga, Dirceu Micheli, a administração perdeu o prazo. De acordo com a prefeitura, o TAC vem sendo cumprido.

Registro também está em situação crítica. Segundo o diretor de Planejamento, José Bojczuke, a prefeitura passou por problemas financeiros e não conseguiu manter os serviços. Já teria enviado projetos para a Cetesb para nova área de aterro. Hoje, o local que funciona há mais de 40 anos recebe de 30 a 40 toneladas de lixo por dia.

Outro lixão na mira do Estado é o de Araçariguama, com IQR inferior a 5 desde 2006. A prefeitura diz que faz obras desde maio. Em Itapecerica da Serra, onde o aterro segue interditado desde junho, há risco de contaminação de lençóis freáticos que fazem parte das Represas Billings e do Guarapiranga - essas águas também são ameaçadas pelo aterro de Embu-Guaçu. A prefeitura de Itapecerica não fez adaptações para a coleta do chorume no local, segundo a Cetesb. O governo municipal diz que realiza melhorias.

OESP, 02/10/2008, Metrópole, p. C1, C3-C4

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