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Colaborações do Instituto Socioambiental - ISA para a formulação do Conselho de Política Indigenista - CPI

Anaí Bahia-Salvador-BA
18 de Mar de 2003

Este documento tem por objetivo aportar elementos para contribuir com a discussão a respeito
da criação e instalação de um Conselho de Política Indigenista, no âmbito do Ministério da
Justiça. Ele representa o estado atual da discussão, ainda em curso, no âmbito interno do
ISA, e não pretende esgotar o debate sobre o assunto.
Proposta de redação de decreto:
Decreto no , de de janeiro de 2003.
Cria o Conselho de Política Indigenista - CPI
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84,
inciso VI, alínea "a", da Constituição, e Considerando: · A necessidade de uma instância que
estabeleça uma integração e compatibilização entre as ações e políticas de proteção e
assistência aos povos indígenas efetuadas por diferentes setores governamentais, favorecendo
o delineamento de ações consistentes e confluentes, bem como a construção de consensos
mais amplos;
· O caráter imprescindível da participação indígena nos processos decisórios, bem como no
planejamento e fiscalização das ações públicas que de algum modo afetam seus interesses;
· A importância de que sejam ouvidos e participem dos processos acima mencionados os
setores não governamentais que atuam junto aos povos indígenas e pesquisam sobre suas
culturas e situação atual;
· O descompasso entre os parâmetros estabelecidos pela Constituição de 1988 e os
dispositivos normativos de menor envergadura, que norteiam as estruturas e funções do órgão indigenista e de outros que prestam assistência aos povos indígenas;
· Que a consolidação de um sistema autônomo de representação política dos povos indígenas, marcado pelo respeito a sua diversidade cultural e lingüística bem como pelo reconhecimento de costumes, tradições e projetos políticos diferenciados, é um dever do Estado, tarefa complexa e inadiável, na qual devem concorrer organismos governamentais e não governamentais.
DECRETA:
Art. 1o Fica criado, no âmbito do Ministério da Justiça, como órgão colegiado interministerial de deliberação coletiva, o Conselho de Política Indigenista - CPI.
Art. 2o Ao CPI compete:
I. Propor acompanhar e avaliar as políticas públicas relativas aos povos indígenas, atuando no sentido de promover uma articulação interna entre as diferentes estruturas responsáveis pela execução das ações de assistência a esses povos;
II. Zelar pelo cumprimento dos dispositivos constitucionais relativos aos direitos indígenas,
promovendo o ajustamento de políticas, ações e outros regulamentos àqueles superiores
preceitos;
III. Acompanhar articuladamente o trabalho de outros Conselhos de Políticas Públicas cuja
competência institucional trate de matérias comuns, ou que sejam de interesse dos povos
indígenas.
IV. Elaborar o seu regimento interno.
Art. 3o O CPI será composto:
I. Pelo Ministro de Estado da Justiça, que o presidirá;
II. Por um representante de cada ministério ou órgão público a seguir discriminados:
a) Ministério da Saúde;
b) Ministério da Educação;
c) Ministério do Meio Ambiente;
d) Ministério do Desenvolvimento Agrário;
e) Ministério da Cultura
f) Secretaria Especial dos Direitos Humanos;
g) Secretaria Geral da Presidência da República
h) Fundação Nacional do Índio - FUNAI;;
i) Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA;
j) Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA
III. Por sete representantes indígenas, abaixo categorizados: · Três representantes indígenas
para região norte e centro-oeste;
· Dois representantes indígenas para a região nordeste e leste;
· Dois representantes indígenas para a região sul e sudoeste.
IV. Por quatro representantes de entidades da sociedade civil legalmente constituídas cujos
objetivos institucionais sejam a defesa dos povos indígenas.
V. Por um representante do Ministério Público Federal, na qualidade de conselheiro observador
permanente, sem direito a voto;
§ 1o Os conselheiros referidos no inciso II e seus respectivos suplentes serão indicados pelo
titular dos respectivos órgãos.
§ 2o Os conselheiros indígenas referidos no inciso III serão eleitos, em caráter pessoal e sem
necessidade de estarem filiados a qualquer organização, pelas organizações indígenas
inscritas no Cadastro Nacional de Organizações Indígenas - CNOI, cuja estrutura obedecerá a

divisão territorial estabelecida no inciso III.
§ 3o Os conselheiros referidos no inciso IV serão eleitos pelas organizações da sociedade civil inscritas no Cadastro Nacional de Organizações Indigenistas de Apoio - CNOIA.
§ 4o Todos os conselheiros do CPI serão designados pelo Ministro de Estado da Justiça.
§ 5o Os conselheiros do CPI deverão reunir-se mensalmente e seu mandato terá um ano de
duração.
§ 6o As normas para filiação nos cadastros de que tratam os parágrafos 2o e 3o serão
estabelecidas pelo regimento interno do CPI, e não adotarão qualquer critério discriminatório entre organizações indígenas de âmbito nacional, regional, ou local.
Art. 4o O CPI poderá constituir comissões para a análise de assuntos específicos
relacionados com as matérias de sua competência.
Art. 5o A função de conselheiro do CPI não será remunerada e seu exercício será considerado de relevante interesse público.
Art. 6o Os conselheiros do CPI a que se referem os incisos III e IV do art.3o poderão ter as
despesas de deslocamento e estadia pagas à conta de recursos orçamentários do Ministério
da Justiça.
Art. 7o Os serviços de secretaria-executiva do CPI serão prestados pelo Gabinete do
Ministério da Justiça.
Art. 8o Os conselheiros indígenas do CPI deverão considerar, através de consulta, as
posições assumidas por representantes indígenas no âmbito de outros Conselhos de Políticas Públicas oficialmente constituídos, em matérias de competência comum.
Art. 9o Este decreto entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em
contrário.
Notas:
1) Caráter temporário do Conselho: É desnecessária e contraproducente a criação formal, via
decreto presidencial, de uma instância governamental oficial, de caráter temporário, dealizada unicamente visando a criação de uma outra instância oficial permanente. Tal procedimento
apenas burocratiza um processo de consulta que deve ser capitaneado pela sociedade civil,
que já vem se dando no âmbito de organizações indígenas e de apoio, e que culminaria
eventualmente com a realização da Conferência Nacional dos Povos Indígenas. Ademais, isto retarda significativamente o processo de concepção, criação e instalação efetiva do Conselho de Política Indigenista - CPI, órgão-fim, que pode ser criado diretamente através de decreto presidencial, de acordo com as sugestões e observações que forem colhidas durante o processo de consulta e dos resultados da Conferência Nacional dos Povos Indígenas.
2) Composição formal governamental do CPI: o Conselho deve ter natureza interministerial, com participação expressiva da sociedade civil. Deve ser incluído um representante do Ministério da Cultura, pela importância deste ministério no trabalho de valorização e respeito ao patrimônio cultural indígena. Além disso, sugere-se a inclusão da Secretaria Geral da Presidência da República, enquanto órgão de relacionamento e articulação com a sociedade civil, e a substituição da Secretaria de Estado da Assistência e Promoção Social pela Secretaria Especial de Direitos Humanos, que vem atuando mais ativamente na questão indígena.
3) Papel do Ministério Público Federal no CPI: O Ministério Público Federal, enquanto órgão cuja atribuição constitucional é zelar peloEstado de Direito, deve ser um representante com status de observador permanente, sem direito a voto. Esta atribuição condiz com o papel do MPF enquanto ombudsman e impede que o órgão se posicione politicamente em relação aos assuntos objeto de deliberação pelo Conselho, o que eventualmente poderia comprometer no futuro sua autonomia e independência.
4) Composição da sociedade civil no CPI: Não deve haver indicação a priori de organizações indígenas ou de apoio específicas para assento no Conselho. Para se preservar a legitimidade, é importante que se proceda ao registro de todas as organizações indígenas e de apoio em cadastros específicos, separadamente, e que se proceda à eleição dos representantes da sociedade civil, da mesma forma como hoje acontece com o Conselho Nacional de Meio Ambiente - Conama. O cadastro de organizações indígenas deveria obedecer ao mesmo critério de divisão regional (Norte/Centro-oeste, Sul/Sudoeste e Nordeste/Leste), para que haja eleições para cada representação regional, e deve comportar o registro tanto de organizações indígenas regionais (federações de organizações), como organizações locais que eventualmente sejam também filiadas àquelas. Este mecanismo evitaria a apropriação destes espaços políticos por organizações indígenas ou de apoio sem legitimidade. Outro aspecto importante é a possibilidade de lideranças indígenas não filiadas a qualquer organização também terem a oportunidade de serem eleitas como conselheiras. Por isso, sugere-se que a representação
indígena seja feita em nível pessoal, não institucional, diferentemente da representação das
organizações de apoio.
5) Representação indígena na Amazônia: O número de representantes para a região Norte e
Centro-oeste deve aumentar de 2 para 3, considerando que somente nestas duas regiões
concentram-se mais de 60% da população indígena no Brasil; a isonomia total entre regiões
representaria uma distorção da realidade indígena.
6) Conferência Nacional dos Povos Indígenas: A realização da Conferência Nacional dos Povos
Indígenas é uma expressão legítima do movimento indígena no seio da sociedade civil
organizada, e será determinante para o processo de consulta visando a criação do CSPI. Não
pode ser considerada como uma iniciativa de natureza governamental. Por isso, não cabe a
um decreto presidencial estabelecer como meta de uma instância formal oficial a organização
de um evento dessa natureza.
7) Articulação com outros Conselhos de Políticas Públicas: hoje existem diferentes conselhos
e foruns onde se debatem questões indígenas, como por exemplo nos campos de saúde e
educação indígena. Para se haver um Conselho que seja efetivamente capaz de articular as
diferentes ações executadas por distintos ministérios, este Conselho deve ser capaz de
absorver e assimilar as discussões que vem sendo travadas nestes outrosespaços políticos.
Somente assim será possível viabilizar um tratamentoadequado às questões indígenas em
diferentes setores, conferindo maiorsolidez e organicidade à política indigenista nacional.
8) Despesas por conta do MJ: A participação dos conselheiros indígenas e da sociedade civil
deve ser, quando necessário, viabilizada através de recursos do Ministério da Justiça
especialmente alocados para tanto. Somente garantindo-se recursos para transporte e estadia
dos conselheiros indígenas é que será possível garantir a presença e a participação efetiva dos
povos indígenas no CSPI.

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