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A COIAB RESPONDE A DECLARAÇÕES DO PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO ESTADUAL DE POLÍTICA INDIGENISTA/FEPI DIVULGADAS EM MANAUS

Coiab-São Gabriel da Cachoeira-AM
28 de Ago de 2002

A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), instância máxima de articulação de 75 organizações indígenas e 165 povos indígenas da Amazônia Legal, vem publicamente rechaçar as acusações feitas pelo senhor Ademir Ramos, presidente da Fundação Estadual de Política Indigenista do Amazonas (FEPI), divulgadas nos jornais Diário do Amazonas (edição do dia 24) e A CRÍTICA (edição do dia 27), por meio das quais tenta desqualificar esta organização.
A postura do antropólogo Ademir Ramos causa estranheza para a COIAB, pois, nela, o referido senhor revela desconhecer o papel histórico desta organização e a sua legítima constituição. A COIAB possui uma trajetória de luta de mais de 13 anos, é reconhecida nacional e internacionalmente, enquanto organização de índios, criada por índios e para índios, com instâncias democráticas - Assembléia Geral, Conselho Deliberativo e departamentos -, nas quais são discutidos, amplamente, o seu plano de trabalho, áreas, políticas e estratégias de atuação. É por respeito aos povos indígenas e responsabilidade que esta organização recorre à opinião pública para dizer que o Senhor Ademir Ramos, ao tentar atribuir a esta organização um papel de subserviência a atores estrangeiros, pretende mesmo é desviar a atenção do foco dos questionamentos levantados pela COIAB quanto à forma de condução da 1ª. Conferência de Pajés, promovida pelo Governo Estadual, por meio da FEPI, no período de 22 a 25 deste mês.
Para entender a origem desta polêmica, reproduzimos os principais trechos da carta enviada pela COIAB ao presidente da FEPI:

"A COIAB sempre entendeu, e assim foi na prática, como de suma importância contar com o apoio dos mais diversos parceiros, identificados direta ou indiretamente com a perspectiva, os interesses e aspirações dos povos e organizações indígenas.
"Para a COIAB toda parceria implica em trabalho conjunto, o que não tem acontecido, como no caso da Primeira Conferência dos Pajés. A FEPI toma iniciativas e elabora documentos sem antes ouvir os índios. Este tipo de atitude é contrária aos nossos anseios, não atende as nossas expectativas, sabendo que o movimento indígena tem hoje condições para formular suas próprias reivindicações, na busca de maior autonomia para os nossos povos.
"A COIAB reitera que estará sempre somando forças com entidades governamentais e não governamentais, empenhadas em garantir os nossos direitos, tendo como base o diálogo franco, de igual para igual, a transparência e o respeito aos nossos processos internos de organização e articulação, direcionados a garantir a nossa autonomia e demais direitos reconhecidos pela Constituição Federal."
A posição firme da COIAB e do Projetos Demonstrativos dos Povos Indígenas (PDPI) em retirar o apoio à Conferência dos Pajés, planejada a partir da ótica da direção da FEPI, levou o antropólogo Ademir Ramos ao jornal Diário do Amazonas, à página 03, declarar que a COIAB e o PDPI não estariam participando do evento por "questões econômicas", ou seja, "porque essas entidades são financiadas por uma agência alemã que tem interesses econômicos no conhecimento dos povos indígenas", a qual "não tem interesse que os pajés discutam a proteção de seu conhecimento milenar".

A carta, resultado de análises internas na COIAB, respondia, por um lado, ao fato de não termos sido considerados, enquanto atores sociais, como co-gestores de um processo que implica na discussão de questões altamente relevantes para os nossos povos e comunidades, e por outro lado, a decisão da FEPI em redigir, antes da Conferência de Pajés, o documento final do evento, chamado de "A Carta de Manaus". A COIAB jamais poderia admitir uma decisão como esta que configurava falta de respeito e consideração para com as lideranças indígenas convidadas à 1ª. Conferência de Pajés. O documento, na prática da nossa organização, deveria ser o resultado das discussões e da compreensão que os líderes indígenas alcançassem durante o debate de questões tão relevantes como os da Biodiversidade e Direitos de Propriedade Intelectual, e não um produto de laboratório que sutilmente seria imposto aos participantes.
Essas são as razões pelas que a COIAB esteve ausente na Conferência dos Pajés, e não outras, como tampouco foi por falta de interesse. Se isso for, nossa organização não teria participado ativamente no processo de elaboração da Política Nacional da Biodiversidade, instituída pelo Decreto Presidencial No 4.339, do dia 22 deste mês.
A COIAB lamenta profundamente o ocorrido, visto que são declarações feitas por um professor universitário, que se dizia, até antes deste acontecimento, parceiro da COIAB e um ardoroso defensor da causa indígena, mas que hoje tenta negar a própria finalidade da entidade que dirige, que seria "promover a política indigenista do Estado, em parceria com as Comunidades Indígenas e com Entidades Governamentais e Não Governamentais...".
Quando o Senhor Ademir Ramos declara (A CRÍTICA, edição de 27), que a "ONG alemã GTZ coordenou a intervenção na COIAB", patrocina mais inverdades e ofende a história de construção da COIAB. A citada agência é de cooperação técnica ao PDPI e as parcerias feitas são legalmente constituídas, transparentes, dentro de critérios que respeitam a legislação brasileira.
As declarações do senhor Ademir Ramos prestam serviço aos inimigos históricos dos povos indígenas, pseudo-nacionalistas, descontentes com o avanço organizacional e político do movimento indígena, e que há mais de uma década vêm tentando obstruir no Congresso Nacional a aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas, a lei infra-constitucional que deve regulamentar o reconhecimento dos direitos originários destes povos. São atitudes desse nível que contribuem para alimentar a discriminação e o preconceito contra os índios no Brasil e, em particular, no Amazonas.
Sobre o fato de a COIAB e o PDPI receberem recursos internacionais, ambos o fazem nas mesmas condições que a FEPI, que em seu Perfil Institucional informa: "para cumprimento de sua finalidade" promove: "A captação de recursos financeiros junto ao Governo brasileiro e órgãos internacionais, em benefício das comunidades e em respeito ao meio ambiente." E mais, quem capta os recursos gerenciados pelo PDPI e a COIAB é o governo Brasileiro, que tem o apoio do governo do Estado do Amazonas, ao qual a FEPI pertence.
O PDPI é um componente do Sub-programa Projetos Demonstrativos (PDA), do Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais (PPG-7), desenvolvido pela Secretaria de Coordenação da Amazônia (SCA), do Ministério do Meio Ambiente (MMA). O projeto, que apoia atividades econômicas sustentáveis nas comunidades, é uma reivindicação antiga do movimento indígena articulado na e a partir da COIAB, e tem a particularidade de ter um gerente indígena, indicado pela organização, além de uma comissão executiva paritária na qual participam oito lideranças indígenas que têm a incumbência de defender os interesses dos povos indígenas, papel histórico da COIAB. Como esse projeto, a nossa organização tem hoje outras áreas de atuação que demonstram avanços no nosso processo organizacional tais como o Conselho dos Professores Indígenas da Amazônia (COPIAM) e a Associação de Produção e Cultura dos Povos Indígenas Yakinõ.
Dizer que o movimento indígena obedece a outros interesses, é descaracterizar mais de uma década de lutas e conquistas e querer que os índios continuem, sob práticas coercitivas ou sutis, submissos e calados, como na época da invasão européia ou nos tempos em que a antropologia, que o Sr. Ademir professa, surgiu ao serviço de interesses colonialistas. É, por outra parte, querer que os índios aceitem passivamente quaisquer propostas e ir a reboque de quem quer que seja, esquecendo que hoje as lideranças e organizações indígenas reúnem condições para discutir e formular suas reivindicações e propostas, e definir o rumo de suas lutas.
A COIAB esclarece que não entrará no jogo de determinadas pessoas e instituições que, às vezes, parecem mais interessadas em dividir o movimento indígena. Nada temos contra os parentes que participaram na 1ª Conferência de Pajés, nem contra os parentes que trabalham na FEPI. Todos eles sabem que a COIAB é um instrumento dos índios, criado pelos índios, para os índios, em cujos espaços podemos discutir, sem ressentimentos e ódios, os problemas, as necessidades e aspirações dos nossos povos, e inclusive as nossas divergências, sabendo que acima de todos e de cada um de nós está o projeto de vida dos nossos povos e comunidades.
A COIAB quer, com esta carta pública, encerrar a discussão que, no seu entendimento, não ajuda na construção de um movimento indígena fortalecido, a serviço dos povos indígenas, pelo contrário, tenta enfraquecê-lo. Reitera que estará sempre somando forças com entidades governamentais e não governamentais, empenhadas em garantir os nossos direitos, tendo como base o diálogo franco, de igual para igual, a transparência e o respeito aos nossos processos internos de organização e articulação, direcionados a garantir a nossa autonomia e demais direitos reconhecidos pela Constituição Federal
Manaus, 28 de agosto de 2002

João Neves / Galibi Marworno Samuel Yriwana / Karajá
Coordenador em exercício / COIAB Coordenador em exercício / COIAB
Crisanto Rudzö Tseremey'wa / Xavante
Coordenador em exercício / COIAB

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