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Cognição espacial dos macacos

Agência FAPESP - www.agencia.fapesp.br
Autor: Thiago Romero
06 de Jul de 2009

Com base em dados de observação naturalística, um estudo do Instituto de Psicologia e do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP) mostra que os macacos-prego (Cebus nigritus), além do mecanismo de orientação egocêntrico, podem se utilizar de um sistema de orientação alocêntrico - lembrando a capacidade cognitiva dos seres humanos - para a busca de alimentos na mata atlântica.

O trabalho investigou os mecanismos de orientação utilizados por uma população de animais que vivem no Parque Estadual Carlos Botelho (PECB), no município de São Miguel Arcanjo, interior paulista. O parque é vinculado ao Instituto Florestal do Estado de São Paulo.

O objetivo foi investigar o uso de mecanismos egocêntricos (quando a localização de um objeto está relacionada à posição do próprio indivíduo) e alocêntricos (quando a localização de um objeto está relacionada à localização de outros objetos, ou seja, a posições externas ao indivíduo) de orientação espacial dos animais.

O trabalho foi desenvolvido pela aluna de doutorado Andréa Presotto no âmbito do auxílio a pesquisa da FAPESP \"Mapas cognitivos de primatas: análise de movimentos e rotas de Cebus nigritus apoiada por sistemas de informação geográfica\", coordenado pela professora Patrícia Izar, do Departamento de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia da USP.

Conta ainda com a participação do professor José Bueno Conti, do Departamento de Geografia Física da USP e co-orientador do doutorado, e da bolsista de mestrado da FAPESP Mariana Dutra Fogaça.

Segundo a pesquisa, o número de estudos comportamentais que buscam compreender as capacidades cognitivas dos primatas não-humanos cresceu consideravelmente nos últimos anos, assim como os trabalhos cujo objetivo é compreender a evolução da cognição com base na comparação entre primatas não-humanos e humanos.

\"Aos humanos é atribuído mais de um mecanismo de orientação, embora quase não haja dúvida sobre o uso de um sistema alocêntrico. Quanto aos outros animais, embora seja sugerido por um grande número de pesquisas que eles possuem mecanismos sofisticados de orientação, o uso do sistema alocêntrico não havia sido amplamente considerado, principalmente no caso de primatas\", disse Patrícia Izar à Agência FAPESP.

No Parque Estadual Carlos Botelho, estudos anteriores indicam que os animais têm área de uso em torno de 500 hectares, mas exploram periodicamente uma parte menor dentro dessa área relacionada à oferta de frutos maduros.

Com o uso de tecnologias de GPS (Global Positioning System) e SIGs (Sistemas de Informação Geográfica), um grupo de macacos-prego foi seguido durante três anos e todos os caminhos e rotas utilizados foram registrados por meio de coordenadas geográficas.

Devido ao tamanho da área de uso dos animais e o longo intervalo de tempo entre eventos de frutificação de um mesmo tipo de recurso alimentar, as pesquisadoras partiram da hipótese de que os macacos-prego do parque, por serem primatas cuja principal fonte de alimento são frutos, utilizariam um mecanismo de orientação egocêntrica em seus deslocamentos exploratórios em busca de alimento, utilizando rotas fixas determinadas pela memória da sequência de marcos espaciais.

\"A outra hipótese, que foi confirmada, é que, ao encontrar locais com fontes de frutos após algumas visitas, os animais passariam a usar um sistema de orientação alocêntrica\", aponta a professora.

Resultados conflitantes

De acordo com as pesquisadoras, a literatura sobre cognição espacial de macacos-prego apresenta resultados conflitantes, uma vez que estudos experimentais realizados em ambiente de floresta indicam que os animais são capazes de atingir fontes de alimento utilizando caminhos mais curtos, sugerindo o uso de memória espacial e de um sistema alocêntrico de orientação.

Estudos experimentais realizados em laboratório, por outro lado, com animais criados em cativeiro, indicam que os animais só encontram alimentos associando os frutos a marcos espaciais, o que sugere um sistema egocêntrico de orientação.

\"Essa discrepância entre os resultados sugere que os macacos-prego utilizam mais de um mecanismo de orientação, cuja prevalência depende das características do ambiente onde vivem e da experiência dos indivíduos com essas características\", explica Patrícia Izar.

De acordo com as pesquisadoras, uma das hipóteses é que os macacos-prego utilizem os dois sistemas de orientação no Parque Estadual Carlos Botelho - o egocêntrico e o alocêntrico - devido ao tipo de oferta das fontes de alimento.

\"O uso de rotas preferenciais deve ocorrer em períodos em que os recursos alimentares dispersos, como invertebrados e folhas, são os mais usados. O uso de um sistema de orientação alocêntrica só ocorre após algumas visitas a locais onde a oferta de frutos de alta qualidade está disponível, permitindo atingir esses locais de forma mais eficiente\", aponta.

\"As estratégias de orientação devem variar de acordo com a distribuição do alimento e parece razoável supor que os animais só memorizam a localização de fontes de alimento quando começam a encontrá-lo no hábitat e, então, deixam de usar o mecanismo egocêntrico para fazer uso do sistema de orientação alocêntrico\", disse Patrícia Izar.

O trabalho mostrou que os animais lembram a localização de objetivos espaciais como fontes de frutos e sítios de dormida, pois se deslocam mais rapidamente e de forma mais linear para esses locais do que quando estão forrageando por recursos dispersos. Além disso, memorizando esses locais, os animais podem revisitar as fontes utilizando atalhos e criando caminhos novos, fazendo uso de um sistema alocêntrico.

\"A maior novidade do estudo é o fato de que os macacos podem atingir um mesmo local a partir de diferentes pontos, fazendo caminhos novos. Nenhum outro estudo da literatura havia mostrado isso antes\", aponta Patrícia.

Os resultados da pesquisa, explica a professora, são frutos da parceria entre as áreas de geografia física e psicologia experimental. A geografia física levou sua contribuição à área de comportamento animal com tecnologias de apoio e metodologias para o estudo da utilização do espaço, enquanto a etologia cognitiva contribuiu com teorias e metodologias para o estudo do comportamento dos animais.

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