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Cobrança por mais demarcações aumenta com Abril Indígena

Carta Maior-Brasília-DF
01 de Abr de 2006

Lideranças ocupam a Esplanada dos Ministérios pelo terceiro ano seguido para pressionar por respostas para o descaso referente aos processos de demarcações. Funai tenta justificar morosidade, apresenta números e acaba não convencendo.

Pelo terceiro ano seguido, a Esplanada dos Ministérios será ocupada pelo Acampamento Terra Livre, organizado por entidades ligadas ao Fórum de Defesa dos Direitos Indígenas (FDDI) e à Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Nesta quinta-feira (30), lideranças anunciaram que a mobilização deste ano, agendada para o período de 3 a 6 de abril, deve focar os dois principais vácuos relativos à atuação dos órgãos oficiais: as demarcações de terras e a questão da saúde indígena.

Uma série de reivindicações apresentadas ainda na primeira mobilização em 2004 permanece, segundo Manuel Wilton Santos, da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), sem resposta.

Desde o início do governo do presidente Lula, apenas 16 novas portarias declaratórias foram assinadas. Sob as rédeas de João Batista Figueiredo, o último governo da ditadura militar (1980-1985) assinou uma média de oito portarias de Terras Indígenas por ano. Se o ritmo dos três últimos anos for mantido, os povos indígenas terão de esperar até 2050 para ver a totalidade das demarcações concluídas.

Para Saulo Feitosa, vice-presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) - entidade ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) -, essa demanda represada se explica fundamentalmente pelo compromisso da administração federal com setores ligados ao agronegócio e ao latifúndio. "O governo não quer demarcar terra indígena", desfere.

Em resposta às críticas, Roberto Lustosa, vice-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), apresenta um leque de ponderações. "A era das grandes demarcações [terras extensas e isoladas, principalmente na região da Amazônia Legal] acabou. O processo está se afunilando e as demarcações que ainda não foram concluídas são justamente as mais complicadas", argumenta. Entre os obstáculos, Lustosa relaciona as complicações gerais referentes a escrituras de terra, a proximidade com núcleos urbanos e até a instalação de assentamentos de reforma agrária dentro de Terras Indígenas.

A exigência cada vez maior do Poder Judiciário no tocante à formalidade dos processos de demarcação também acaba influenciando o processo, segundo o representante da Funai. Com mais interesses e interferências em jogo, as questões judiciais se colocam de forma mais complexa. O caso da Terra Indígena Nhande Ru Marangatu (leia: PF despeja 700 no Mato Grosso do Sul por intransigência do STF e Guarani-Kaiowá protestam depois de morte de liderança), no Mato Grosso do Sul, em que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu suspender uma homologação assinada pelo presidente da República, seria, na compreensão de Lustosa, um dos exemplos mais lívidos desse quadro. "O processo judicial é mais lento que o administrativo", garante.

Decorrente da catalogação de uma série de variantes técnicas submetidas a determinados critérios, o próprio reconhecimento inicial de uma determinada área como terra tradicionalmente ocupada por povos indígenas consiste, nas explicações dadas por ele, como outro gargalo que freia o ritmo das demarcações. A listagem de povos reconhecidos da Funai, acrescenta, não corresponde às listagens (mais amplas e com maior número de demandas) utilizadas como referência por organizações indígenas.

Números apresentados por Lustosa, no entanto, mostram que as justificativas arroladas à CARTA MAIOR referem-se apenas à parte do problema. Do total de 607 processos oficiais apresentados para demarcação de Terras Indígenas até hoje, 396 já foram homologados e devidamente registrados em cartório. Dos 211 processos restantes, 123 estão no estágio inicial de estudos para reconhecimento, 31 terras já foram delimitadas, portarias declaratórias já foram concedidas para 32 e 25 foram homologadas pelo presidente da República, mas ainda não foram registradas em cartório. Duas explicações foram dadas para a quantidade significativa (25) de terras encaixadas neste último grupo. Trata-se, de acordo com Lustosa, de áreas que pertencem a mais de um município que precisam ser registradas em todos os cartórios. Além disso, para que haja o registro definitivo no referido cartório, todos as outras escrituras relativas à área em questão precisam ser anuladas. Mesmo assim, o vice-presidente da Funai assegura que a entidade "Estamos fazendo tudo o que é possível".

E ainda segundo informações da Funai, existem apenas cerca de 35 contestações correndo no Judiciário. Por conseguinte, nota-se que um contingente significativo de processos de demarcação não estão parados nem por causa da "judicialização" e nem na fase de reconhecimento inicial. Mesmo assim, o vice-presidente da Funai assegura que a entidade "está fazendo tudo o que é possível".

Nas rebarbas da situação crítica referente ao contingente das demarcações e à questão da saúde (que foi debatida nesta semana durante IV Conferência Nacional de Saúde Indígena, ocorrida em Caldas Novas - leia Indígenas querem secretaria para prevenir mortes e doenças), organizações indígenas têm obtido respostas governamentais com as sucessivas mobilizações realizadas no mês de abril. Em 2004, primeiro ano do Acampamento Terra Livre, indígenas ocuparam o plenário da Câmara dos Deputados para exigir uma audiência com o presidente Lula. Foram atendidos. No mesmo período, o governo brasileiro firmou a assinatura da Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), norma internacional que estabelece parâmetros de autonomia aos povos originários no que diz respeito ao relacionamento com o Estado.

Cerca de 700 representantes de povos de diversas regiões do País estiveram reunidos ano passado no 2o Acampamento Terra Livre, sempre instalado na Esplanada dos Ministérios. Veio então a tão esperada homologação da Terra Indígena Raposa/Serra do Sol, em Roraima, juntamente com a retomada do compromisso por parte do governo federal da criação da Conselho Superior de Política Indigenista. Para tanto, lideranças concordaram com a iniciativa de instalação da Comissão Nacional de Política Indigenista, no âmbito do Ministério da Justiça.

Justamente às vésperas do 3o Acampamento Terra Livre, o decreto de criação da Comissão foi assinado pelo presidente Lula e publicado no último dia 23 de março. Para a composição do novo grupo, serão designados 20 representantes dos povos indígenas (dez deles com direito a voto), dois representantes de entidades com trabalhos desenvolvidos junto aos povos indígenas e 13 membros do governo. O espaço passará a reunir os vários ministérios que hoje cuidam, de forma pulverizada, de diferentes aspectos da política indigenista. "Hoje não há uma coordenação central", evidencia Feitosa, do Cimi. "Pela primeira vez, os povos indígenas terão oportunidade de interferir diretamente nas políticas públicas voltadas para eles". Paralelamente, a Funai se prepara para cumprir outra promessa de campanha - a organização da I Conferência Nacional dos Povos Indígenas, marcada para 10 a 20 deste mês.

O anúncio das medidas não interferiu na extensa programação do Abril Indígena. As atividades começam neste sábado (1o), com o Encontro Nacional de Mulheres Indígenas. De acordo com Valéria Paye Pereira, do povo Tyrio, da região do Amapá e Norte do Pará, os "presentes" do governo não devem esfriar os debates, que devem dar espaço especial para a saúde da mulher e o atendimento das famílias indígenas. "Falta compromisso [do governo] na questão da saúde. Perder um a um é muito triste".

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