VOLTAR

Cobiçado, ipê 'sustenta' desmate ilegal

FSP, Cotidiano, p. B4
24 de Out de 2016

Cobiçado, ipê 'sustenta' desmate ilegal
Corte da árvore exige abertura de estradas na mata, mas lucro viabiliza extração de madeira em áreas remotas
Instituto ambiental defende a moratória na exploração do ipê; já o Ibama sugere um foco nos planos de manejo

Fabiano Maisonnave
Lalo De Almeida
Enviados especiais a Uruará e Altamira

Vítima da própria beleza, o ipê é como um alfinete colorido no palheiro. Em sobrevoos e incursões por florestas protegidas, os madeireiros facilmente identificam a floração da árvore mais cobiçada da Amazônia.
Os passos seguintes são rasgar a mata com estradas, derrubar as árvores previamente marcadas e transportá-las para as dezenas de madeireiras instaladas ao longo da Transamazônica, onde são legalizadas por meio de documentos falsos de guia florestal.
O processo é custoso, mas o lucro obtido com o ipê viabiliza economicamente a extração ilegal de madeira em áreas remotas -fenômeno parecido com o ciclo do mogno, nos anos 1980 e 1990.
Em 28 de setembro, a reportagem acompanhou uma operação do Ibama em Uruará (a 635 km de Belém). Em apenas 15minutos de viagem na Transamazônica, dois caminhões carregados de toras e sem documentação foram parados pelos agentes. No caminhão maior, foram apreendidas 15 toras de ipê, com aproximadamente 36 metros cúbicos de madeira.
Após processado no formato mais caro (placas para pisos), o metro cúbico é exportado por cerca de R$ 6.300. O piso da ponte do Brooklyn, em Nova York, é de ipê brasileiro.
Por falta de local para armazenamento, o Ibama liberou os motoristas, que, além de autuados, foram colocados como fiéis depositários da madeira e dos caminhões.
"Juntando a questão financeira como pouco efetivo, temos dificuldade em fiscalizar", admite Uiratan Barroso, chefe de fiscalização do Ibama para a região, onde o foco é o combate ao desmatamento de grandes áreas. "A extração de madeira é uma prioridade secundária."
Para diminuir a extração ilegal, o ISA (Instituto Socioambiental) defende a moratória na exploração do ipê.
"O ipê, sendo o novo mogno, viabiliza toda a extração nesta região", afirma Jeferson Straatmann, coordenador do ISA em Altamira. "A partir do momento em que não há essa espécie tão cara, tira-se uma boa parte do financiamento."
O Ibama admite a importância do ipê para extração ilegal, mas avalia que a prioridade contra o crime ê aprimorar o controle da concessão de créditos florestais em planos de manejo, uma atribuição dos governos estaduais.
DEVASTAÇÃO
No entorno da Transamazônica, nenhuma área tem sido tão saqueada como a Terra Indígena Cachoeira Seca, habitada por índios araras e na área de influência da usina hidrelétrica Belo Monte.
Desde 2011, os madeireiros abriram 1.359 km de ramais (estradas) no território arara, dos quais 258 km nos primeiros nove meses deste ano, segundo levantamento do ISA realizado por meio de imagens de satélite e sobrevoos.
A extração continua apesar de decreto de demarcação assinado em abril pela então presidente Dilma, após mais de três décadas de tramitação. A homologação era uma das condicionantes para a operação da Belo Monte.
Na prática, nada mudou. Um trecho da terra indígena está totalmente desmatado e ocupado por fazendeiros e cerca de mil famílias de colonos - alguns assentados pelo Incra. Ainda não há nenhuma data para a saída deles.
"Já fui a Brasília reclamar sobre isso aí, ninguém fala nada, ninguém vai [à terra indígena]", diz o cacique da Cachoeira Seca, Mobu-odo Arara, 33. "Ministério Público, Polícia Federal, Ibama, não temos mais a quem reclamar."
Mobu-odo tinha apenas dois anos quando o seu subgrupo, de 180 pessoas, foi contatado pela Funai, em 1987.
No espaço de uma geração, eles foram cercados pelo homem branco. "Não estamos livres, não podemos andar na nossa própria reserva."

FSP, 24/10/2016, Cotidiano, p. B4

http://arte.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/transamazonica/#desmatamento

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.