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Clima vai esperar que Bush saia?

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: NOVAES, Washington
27 de Out de 2006

Clima vai esperar que Bush saia?

Washington Novaes

Que se pode esperar da 12ª reunião dos países que assinaram a convenção sobre mudanças climáticas, ou da reunião dos que homologaram o Protocolo de Kyoto, a partir do dia 6 próximo, em Nairóbi, no Quênia? Um mínimo de realismo aconselha que se esperem poucos resultados práticos, embora o simples foco mundial na questão já queira dizer muito. Mas reuniões como essa, no âmbito das Nações Unidas, exigem consenso para qualquer decisão. E se continua longe disso, com os Estados Unidos, a Austrália e mais uns poucos países ainda se recusando a referendar o protocolo.

É quase certo que se terá uma declaração em que os países se digam dispostos a dialogar sobre o que fazer depois de 2012, quando termina a primeira fase do Protocolo de Kyoto, que tenta estabelecer caminhos para que os países industrializados cumpram a decisão, que aprovaram em 1992, de reduzir suas emissões de gases que intensificam o efeito estufa em 5,2%. Mas a opinião praticamente unânime - e reiterada há poucos dias, em São Paulo, pelo ex-vice-presidente dos Estados Unidos Al Gore - é de que só haverá um novo acordo depois de 2008, quando termina o mandato do presidente George W. Bush. Gore acha que, seja quem for o próximo presidente, republicano ou democrata, os Estados Unidos se juntarão aos países com compromisso de reduzir suas emissões. As pressões internas, ali - como se comentou neste espaço (29/9) -, são muito fortes e aumentarão no Congresso que vai ser eleito agora.

Segundo o secretário-executivo da convenção, Yvo de Boer, 'o mundo precisa com urgência de um marco legal de longo prazo, que dê segurança aos mercados de carbono e aos investimentos necessários para enfrentar as mudanças de clima'. Hoje, diz ele, os recursos financeiros não são suficientes para gerar um fluxo financeiro de US$ 100 bilhões anuais dos países industrializados para os outros. Isso, afirma De Boer, só acontecerá se os industrializados concordarem em reduzir suas emissões entre 60% e 80% até 2050. Para isso precisarão, além de mudar suas matrizes energéticas - hoje dependentes em larga escala do petróleo e do carvão mineral -, financiar, por meio do Mecanismo do Desenvolvimento Limpo (MDL), do protocolo, projetos nos outros países que reduzam emissões. Hoje, o MDL já tem cerca de 1.200 projetos em tramitação, que poderão resultar numa redução de 1,4 bilhão de toneladas em 2012.

Trata-se de uma 'emergência planetária', disse Gore no Brasil. Mas, a seu ver, dependerá fundamentalmente da comunicação - e, nesta, da TV - criar a consciência mundial em torno da questão. E de sua urgência. Gore dá um exemplo para mostrar como é possível mudar: um veículo movido a gasolina desperdiça 90% da energia produzida, 9% servem para deslocar o próprio veículo, só 1% serve para deslocar o ocupante. Mas os fabricantes não querem substituir (porque teriam menos lucro) os atuais modelos por outros mais leves e eficientes, que poupem combustível.

A secretária de Estado dos Estados Unidos, Condoleezza Rice, já deixou claro: 'Kyoto está morto.' Na sua visão, mesmo que as metas do protocolo fossem ou sejam atingidas, 'isso não será eficaz sem adesão da China e da Índia'. Porque esses países serão responsáveis nas próximas décadas por grande parte do forte aumento de emissões previsto, com a escalada no uso de energia. Mas China, Índia e os demais países ditos 'em desenvolvimento', inclusive o Brasil, não aceitam metas de redução, com duas alegações:

Os industrializados não cumpriram as suas e têm uma responsabilidade maior, já que emitem há muito mais tempo e contribuíram muito mais para a concentração de gases na atmosfera;

aceitar metas pode comprometer o desenvolvimento econômico.

No Brasil, que em 1994 já emitia mais de 1bilhão de toneladas anuais de poluentes, há quem lembre que apresentamos há alguns anos uma tese de que cada país deveria aceitar uma redução equivalente à sua contribuição para o aumento da temperatura do planeta. Mas hoje as áreas diplomática e militar não aceitam compromisso, por entenderem que implicaria 'restrição à soberania, ao uso de recursos naturais'. Difícil de sustentar, quando já estamos entre os cinco maiores emissores do planeta e três quartos dessas emissões se devem a mudanças no uso do solo, desmatamento e queimadas, principalmente na Amazônia.

Também há quem lembre que o Brasil será um dos países mais atingidos pelas mudanças climáticas. Mas a proposta que vamos levar a Nairóbi prevê apenas um sistema voluntário, sem compromisso com metas de redução de emissões, pelo qual países industrializados poderão contribuir para um fundo destinado a países 'em desenvolvimento' que se disponham a reduzir seus índices de desmatamento. Em princípio, todo mundo é a favor.

É esse o quadro preocupante. Rick Samans, presidente do Fórum Econômico de Davos, que reúne a nata do pensamento econômico e empresarial, diz que 'estamos 15 anos atrasados' e que 'o desafio, na área do clima, é assustador'. E o professor Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, acha que já não há como reverter o quadro, pois 'a roda já está girando a uma velocidade tão alta que não dá mais para parar; talvez dê para diminuir a velocidade'.

E, para completar, o jornal The Guardian anunciou ontem que na próxima semana o Banco Mundial, cidadela do pensamento financeiro, divulgará relatório no qual afirma que mudanças climáticas poderão mergulhar a economia mundial na pior recessão global da História recente. E adverte que os governos precisam enfrentar o dilema de reduzir emissões ou ter pela frente a 'ruína econômica'.

Pode mudar rumos.

Washington Novaes é jornalista

OESP, 27/10/2006, Espaço Aberto, p. A2

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