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Clima - onde mora a esperança

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: NOVAES, Washington
24 de Dez de 2004

Clima - onde mora a esperança

Washington Novaes

Quem esteve na 10.ª Reunião das Partes da Convenção sobre Mudanças Climáticas, encerrada na madrugada do último sábado, em Buenos Aires, terá saído muito preocupado. Já não há dúvida de que as mudanças climáticas estão acontecendo e provocando gigantescos "desastres naturais". Também não há dúvida de que as emissões de gases gerados por atividades humanas e que se concentram na atmosfera contribuem fortemente para as mudanças. Mas não se conseguem negociar caminhos para uma redução acentuada dessas emissões, por causa da prevalência de visões estritamente econômicas que impedem compromissos e transformações na matriz energética e nas atividades produtivas que mais geram emissões.
Nesse contexto, os avanços em Buenos Aires foram mínimos. As discussões mais acirradas foram em torno da convocação de um seminário em 2005 para discutir o que fazer depois de 2012, quando se encerram os compromissos dos países industrializados de reduzir suas emissões em 5,2% sobre os níveis de 1990, que já foram ultrapassados em muito. E só se conseguiu manter a convocação com um documento que, atendendo às exigências dos EUA e dos países em desenvolvimento, não menciona discussões sobre novas metas de redução, refere-se apenas a troca de informações.
Mas os EUA não foram os únicos a resistir. O G-77 (do qual Brasil, China e Índia, grandes emissores, fazem parte) também não aceita discutir metas para países em desenvolvimento. A Arábia Saudita quer ser compensada se houver redução no consumo de petróleo. Só a Europa quer discutir novas metas de redução, alegando que os EUA não podem deixar de ter metas e que em 2025 as emissões dos países em desenvolvimento, que hoje são 40% do total, superarão as dos industrializados.
A dificuldade não foi menor em outras áreas . Quase nada se conseguiu em programas de adaptação dos países mais vulneráveis às mudanças climáticas. Planos de transferência de recursos e de tecnologias dos países mais ricos para os outros esbarraram em resistências obstinadas. Os poucos avanços foram na área do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, principalmente o que permitirá que países industrializados financiem projetos agroflorestais de 200 a 400 hectares (podendo haver consórcios) nos países em desenvolvimento e descontem de seu balanço de emissões o carbono que seja seqüestrado nesses projetos (até 8 mil toneladas anuais de dióxido de carbono).
O impasse maior é uma aposta mais do que arriscada. O quadro de desastres climáticos apresentado em Buenos Aires pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e pela Organização Meteorológica Mundial é assustador e não exclui o Brasil - que entre os eventos dessa natureza teve mencionados o "primeiro furacão documentado" em Santa Catarina e as inundações de janeiro e fevereiro no Nordeste. No momento em que essas informações eram divulgadas, a Argentina enfrentava chuva de 800 milímetros em 96 horas na região do Chaco, onde a média anual era de 1.000 milímetros. Mas só formará três meteorologistas este ano. Já o European Climate Fórum, entre as possibilidades ("alto risco") das próximas décadas, incluiu a substituição "abrupta e irreversível" da floresta por savanas na Amazônia.
Idealmente, todos os países deveriam empenhar-se na redução das emissões, inclusive o Brasil, que já ocupa o sexto lugar entre os maiores emissores (mais de 1 bilhão de toneladas de dióxido de carbono em 1994) e emite hoje uns 3% do total (embora sua contribuição total para a concentração já existente fique em 1%). Nossa causa principal está no desmatamento, em queimadas e mudanças no uso do solo na Amazônia, com 75% do total - e essa é a maior vulnerabilidade, base de todas as pressões internas e externas. Mas o Brasil não aceita discutir metas, sob o argumento de que a responsabilidade maior é dos países industrializados, que contribuíram muito mais para a concentração e continuam emitindo mais.
Começa a tomar força a tese de que todos os países deveriam aceitar metas, com base em sua contribuição histórica para a concentração. Mas há obstáculos: a quem atribuir, por exemplo, as emissões da época do Império Otomano, no século 19, hoje fragmentado em vários países? Como dividir as responsabilidades entre os países europeus que se agruparam no III Reich? Como dividir as responsabilidades entre China, Taiwan, Grã-Bretanha (que tinha Hong Kong como colônia) e Portugal (a mesma situação em Macau)? O Brasil mesmo já defendeu a tese de que a responsabilidade de cada país deveria ser calculada proporcionalmente à sua influência no aumento da temperatura planetária, mas não conseguiu aprová-la.
Outras teses circulam, entre elas a de pagamento de compensações por redução no desmatamento de florestas tropicais (Brasil e Indonésia respondem por 80% do total). Mas está tudo muito difícil. A ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, defendeu em Buenos Aires a criação de uma rede de pesquisas em ciência do clima, capaz de ajudar os países em desenvolvimento a se adaptarem às mudanças. Em janeiro haverá outras discussões no Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, inclusive do estudo sobre impactos climáticos, coordenado pelo governo federal.
Talvez a grande esperança, nessa área, esteja mesmo na comunicação, aqui e fora, na medida em que consiga chamar a atenção da sociedade para o que já está acontecendo e para os riscos que corremos. Talvez assim a sociedade seja capaz de pressionar os governos e os setores econômicos para que mudem seu comportamento.

Washington Novaes é jornalista.

OESP, 24/12/2004, Espaço Aberto, p. A2

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