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Clima mudará economia, diz pesquisador

FSP, Dinheiro, p. B4
Autor: REIMAN, Kurt
18 de Fev de 2007

Clima mudará economia, diz pesquisador
Para analista, é muito difícil conciliar crescimento de países em desenvolvimento e redução de emissões em setores como aço
Kurt Reiman, do banco UBS, diz que etanol do Brasil tem um "futuro brilhante", mas que biocombustível não é solução para todos os países

Cláudia Trevisan

Reduzir as emissões de gases que provocam o aquecimento global e, ao mesmo tempo, manter altos índices de crescimento dos mercados emergentes vai exigir mudanças de hábitos dos habitantes dos países desenvolvidos, principais responsáveis pelo efeito estufa. A afirmação é de Kurt Reiman, diretor de pesquisas temáticas do banco suíço UBS e um dos autores de longo estudo sobre os impactos econômicos do aquecimento global publicado pela instituição em janeiro. Reiman considera improváveis reduções significativas nas emissões de gases por indústrias como aço e cimento, que são grandes poluidoras, mas estão na base da economia global. "Não dá para construir um prédio sem cimento e aço. É parte do desenvolvimento", diz. A seguir, trechos da entrevista concedida à Folha, por telefone, de Zurique, na Suíça:

FOLHA - Qual é o impacto econômico da mudança climática?
KURT REIMAN - A compreensão do impacto econômico é algo que ainda está em um estágio inicial. A maioria dos estudos acadêmicos mostra que impacto é cada vez mais negativo na medida em que aumenta a temperatura global. Uma grande mudança climática é geralmente associada a um maior impacto em termos de redução do nível do PIB global em algum momento do futuro.
FOLHA - E quão distante esse "momento do futuro" está?
REIMAN - Isso não está sempre especificado. O que podemos dizer é que os trabalhos acadêmicos apontam que a direção é negativa e que esse valor negativo cresce na medida em que as temperaturas sobem.
FOLHA - Quais os setores mais vulneráveis à mudança climática?
REIMAN - É difícil dar a gradação exata das indústrias que seriam mais afetadas pela mudança climática. Mas podemos identificar aquelas para as quais as mudanças climáticas seriam positivas ou negativas. Regulações devem emergir com o objetivo de enfrentar esse problema [aquecimento global]. Elas estimulam mudanças de comportamentos, e o efeito dessas mudanças se espalha por toda a economia, com impacto no modelo de negócios de várias indústrias. Há oportunidades e riscos. Existem riscos físicos, como o maior nível do mar, que pode ameaçar atividades imobiliárias no litoral. Algumas empresas nos EUA decidiram não fazer seguro para imóveis na Flórida, como resultado direto da mudança climática. É uma região que seria inundada em caso de aumento do nível do mar.
FOLHA - E quais os setores com maior risco de enfrentar regulações mais rigorosas?
REIMAN - Nós dividimos o ambiente regulatório em duas categorias. Primeiro, os emissores diretos, como geradores de energia e produtores de aço, cimento, alumínio e papel. Esses são grandes emissores de gases que provocam o efeito estufa e são facilmente identificáveis por reguladores e agências que tentam reduzir as emissões. Gerar eletricidade, produzir aço, cimento, todas essas coisas, só por sua natureza, envolvem a emissão de gases. Órgãos regulatórios viram isso e decidiram minimizar emissões por meio da regulação. Outro tipo de emissor são os pequenos, múltiplos e de difícil identificação: seu carro, sua casa, equipamentos eletrônicos. Do ponto de vista regulatório, eles não são facilmente identificáveis e são administrados de maneira diferente. Reduzir emissões de transporte rodoviário envolveria coisas como padrões de emissões para os carros e taxas sobre combustível. Coisas que poderiam incentivar as pessoas a usar o transporte público.
FOLHA - Os setores que o sr. mencionou, como aço, cimento e energia, estão na base da economia global. É possível obter uma redução significativa de gases sem afetar o ritmo de crescimento mundial?
REIMAN - Nós olhamos para as indústrias de cimento, aço e de outros grandes emissores e concluímos que é muito difícil ter o crescimento econômico projetado para os países em desenvolvimento e, ao mesmo tempo, reduzir emissões desses setores. Se há aumento de demanda, é necessário ter ganhos de eficiência mais do que suficientes para compensar esse aumento, para se obter uma redução nas emissões de gases. Não vemos isso como provável em nossos cenários. Esse fato coloca o ônus da redução em áreas em que há potencial para ela, em que há soluções tecnológicas e em que há oportunidades para mudar o comportamento das pessoas e criar incentivos para que elas façam as coisas de maneira diferente. Não dá para construir um prédio sem cimento e aço. É parte do desenvolvimento. Parece muito improvável reduzir emissões de cimento e aço e ter grande crescimento econômico. São coisas incompatíveis.
FOLHA - Como o sr. vê o uso de etanol como combustível, área em que o Brasil tem particular interesse?
REIMAN - Etanol tem um futuro brilhante como combustível. A quantidade de gasolina que existe para ser substituída é enorme. Mas biocombustíveis não podem ser a solução para todos os países no seu formato tecnológico atual. Não é possível para todas as regiões do mundo produzirem esse tipo de combustível de uma maneira que tenha um custo viável e permita redução de emissões. Também há questões relativas ao suprimento de alimentos e ao potencial de desmatamento pelo uso de plantações para fabricar combustíveis. Se tivermos que cultivar mais terra e cortar mais árvores para ter combustível, isso não é sustentável no longo prazo.
FOLHA - Existe um "investidor verde", que busca produtos relacionados à preservação ambiental?
REIMAN - Há uma demanda crescente por produtos que ofereçam soluções para a mudança climática. A regulação e os produtos andam lado a lado. Nos EUA, houve um impacto no número de companhias que lançaram ações no ano em que o presidente Bush anunciou que etanol seria um combustível importante. Esse tipo de produto vai ficar cada vez mais disponível, à medida que a regulação fique mais rigorosa.
FOLHA - Como conciliar a redução de emissões com a emergência econômica de China e Índia, que têm 40% da população mundial?
REIMAN - O crescimento da renda per capita de países em desenvolvimento superpopulosos vai elevar o uso de energia, se trabalharmos com a continuidade do cenário atual. O principal motor do uso de energia nas próximas décadas será a expansão de países em desenvolvimento. É possível reduzir emissões e ter crescimento da renda per capita nos países emergentes? A resposta é sim.
FOLHA - Como?
REIMAN - A primeira questão é o uso de energia, que deve aumentar em termos per capita no cenário em que nada é feito. Se isso ocorrer, o volume de emissões subirá muito.
O uso de energia e as emissões são intimamente relacionados, porque a queima de combustíveis fósseis responde por 80% do total da energia utilizada. E a produção de energia responde por cerca de 60% das emissões de gases que causam o efeito estufa. A ligação é clara.
Se você tem elevação do uso de energia per capita nesses países em desenvolvimento muito dinâmicos, isso vai aumentar as emissões. Mas é possível ter crescimento na utilização de energia em mercados emergentes e haver uma redução global de emissões se houver um correspondente ganho de eficiência no uso de energia no mundo desenvolvido que compense esse movimento.

FSP, 18/02/2007, Dinheiro, p. B4

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