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Clima fora de controle

O Globo, Sociedade, p. 31
11 de Nov de 2016

Clima fora de controle
Estudos traçam cenários extremos para aquecimento global e seus efeitos na vida na Terra

CESAR BAIMA
cesar.baima@oglobo.com.br

Enquanto representantes de quase 200 países discutem em Marrakesh, Marrocos, como colocar na prática o Acordo de Paris e a necessidade de aumentar suas ambições, dois estudos publicados esta semana em prestigiados periódicos científicos trazem amostras de possibilidades extremas para o aquecimento global e os efeitos das mudanças climáticas por ele trazidas na vida do planeta. No primeiro, cientistas liderados por Tobias Friedrich, da Universidade do Havaí, EUA, usaram dados do histórico da Terra nos últimos 784 mil anos para sugerir que a alta na temperatura média do mundo pode ultrapassar os 7 graus Celsius até o fim deste século - muito acima dos 2 graus Celsius considerados o limite para evitar as piores consequências no clima do aquecimento global. Já no segundo, pesquisadores encabeçados por Brett Scheffers, da Universidade da Flórida, também nos EUA, fizeram um levantamento da literatura científica produzida nos últimos anos em busca de sinais de como o aquecimento ocorrido até agora, de cerca de 1 grau Celsius, está afetando a vida na Terra, revelando impactos em nada menos do que 82% dos processos biológicos e sistemas ecológicos básicos do planeta.
Segundo os responsáveis pelo primeiro dos estudos, relatado na revista "Science Advances", a possível alta calculada na temperatura, muito mais radical do que a que está sendo prevista mesmo no pior dos cenários traçados no último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), de 2014, seria derivada de uma sensibilidade maior que a estimada do clima ao aumento na concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, em especial nos chamados períodos interglaciais, como o que o planeta atravessa agora. Isto porque, embora se saiba que o CO2 provoca um desequilíbrio no balanço energético da Terra, faaquecimento zendo com que ela retenha mais calor e, consequentemente, elevando a temperatura na sua superfície, a influência desta variável no processo ainda é objeto de muitas incertezas, a despeito dos grandes avanços na construção de modelos matemático-computacionais do sistema climático terrestre nas últimas décadas.
Diante disso, os cientistas decidiram tentar chegar a este número analisando diversas reconstruções dos históricos de temperatura e concentração de CO2 na atmosfera ao longo de 784 mil anos. Para tanto, primeiro eles montaram curvas da temperatura média da Terra a partir de dados obtidos na análise de sedimentos marinhos, amostras de gelo e simulações computacionais cobrindo os oito últimos ciclos glaciais do planeta. Já para calcular o balanço energético da Terra no mesmo período, eles estimaram as concentrações de CO2 na atmosfera com base em bolhas de ar encontradas nas mesmas amostras de gelo, além de incorporar fatores astronômicos, como os chamados Ciclos de Milankovitch, oscilações periódicas na órbita terrestre.
- Nossos resultados sugerem que a sensibilidade da Terra a variações nos níveis de CO2 atmosférico aumenta com o aquecimento do clima - diz Friedrich. - Atualmente, nosso planeta está numa fase quente, um período interglacial, e esta maior sensibilidade climática precisa ser levada em conta em futuras projeções do aquecimento induzido pela ação humana.
Usando este novo valor para a sensibilidade do clima à alta na concentração de CO2 na atmosfera, os cientistas calcularam então qual seria o aquecimento do planeta nos próximos 85 anos caso a Humanidade continue a aumentar suas emissões de gases do efeito estufa, como vem fazendo nas últimas décadas. Neste cenário, a alta na temperatura média global poderia variar de 4,78 a 7,36 graus Celsius em 2100 na comparação com os níveis pré-industriais, sendo que a primeira, e menor, previsão estaria em linha com a pior feita pelo relatório do IPCC em 2014. Assim, os pesquisadores alertam que mesmo com o Acordo de Paris, pelo qual 193 nações se comprometeram no ano passado em cortar, ou ao menos limitar o crescimento, das emissões de gases-estufa a partir de 2020, a alta na temperatura pode ultrapassar facilmente o limite de 2 graus Celsius, empurrando a Terra em direção de condições climáticas extremas não vistas nos últimos 800 mil anos.
- A única saída é reduzir as emissões de gasesestufa o mais breve possível - conclui Friedrich.
MUDANÇAS EM PLANTAS E ANIMAIS
No segundo estudo "apocalíptico" da semana, os cientistas identificaram 94 processos biológicos e ecológicos chaves para a vida no planeta - 32 em ambientes terrestres e 31 em ambientes marinhos e de água doce cada -, cobrindo desde o nível de organismos individuais, como sua constituição genética e tamanho, até as interações em ecossistemas completos, como predação, competição, composição das comunidades e incidência de doenças. Daí, eles partiram para um levantamento da literatura científica no qual procuraram estudos que apontassem alterações nestes processos provocados pelo global e mudanças climáticas.
Nesta busca, encontraram relatos de impactos do aquecimento do planeta e das mudanças climáticas acerca de 77 destes processos, ou 82% do total. Segundo os cientistas, só nos últimos anos estudos apontaram desde atrasos ou adiantamentos na época de florescimento de plantas até redução do tamanho de alguns animais, além de desequilíbrios populacionais (como a proporção entre machos e fêmeas), e ecológicos (distribuição espacial), sem contar alterações comportamentais.
- Temos agora claras evidências de que, mesmo com apenas cerca de 1 grau Celsius de aquecimento global, grandes impactos já se fazem sentir - diz o líder do estudo, Scheffers. - Genes estão mudando, a fisiologia das espécies e suas características físicas como tamanho do corpo estão mudando, espécies estão migrando rapidamente em busca de espaços climáticos adequados, e agora há também sinais de ecossistemas inteiros sob estresse.
De acordo com os cientistas, estas alterações são ainda mais preocupantes diante da dependência de populações humanas espalhadas pelo planeta dos chamados serviços ecossistêmicos fornecidos por estes processos, o que inclui, por exemplo, seu acesso a alimentos e água potável.
- Algumas pessoas não esperavam mudanças deste nível ao longo das próximas décadas - lembra James Watson, professor da Universidade de Queensland, na Austrália, e um dos coautores do estudo. - Os impactos das mudanças climáticas estão sendo sentidos por todos os lados, com nenhum ecossistema da Terra sendo poupado. Já não é mais sensato considerar as mudanças climáticas um problema só do futuro. As metas de emissões precisam ser ativamente alcançadas e o tempo está acabando para uma resposta global sincronizada às mudanças climáticas de forma a salvaguardar a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos.

O Globo, 11/11/2016, Sociedade, p. 31

http://oglobo.globo.com/sociedade/sustentabilidade/estudo-sugere-que-aq…

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