VOLTAR

Clima de incerteza

OESP, Notas e Informacoes, p.A3
20 de Dez de 2004

Clima de incerteza
Representantes de mais de 190 países estiveram reunidos durante a semana passada em Buenos Aires, na 10.ª conferência anual da ONU sobre mudanças climáticas. No centro de tudo, o Protocolo de Kyoto, a entrar em vigor em fevereiro próximo, oito anos depois de sua elaboração. Ratificado por 130 governos e organizações multilaterais, o documento estipula que, até 2012, quando expira, os 30 principais países industrializados deverão reduzir em 5% as emissões dos gases poluentes, responsáveis, segundo o grosso dos especialistas, pelo efeito estufa – o aumento potencialmente devastador da temperatura do globo. A referência para o corte é o volume emitido em 1990.
O Protocolo de Kyoto é o segundo acordo internacional de amplo alcance destinado a combater grandes ameaças ao ambiente e à vida. O primeiro foi o Tratado de Montreal, de 1989, que aboliu gradualmente a produção de substâncias, como o gás CFC (clorofluorcarbono) usado em sistemas de refrigeração, destruidoras da camada de ozônio, que filtra os raios solares. Hoje, o tamanho do chamado buraco do ozônio, ainda anormal, é o menor em mais de uma década. Mas raros acreditam que o Protocolo de Kyoto terá as mesmas conseqüências benéficas.
Parte ponderável do ceticismo advém da decisão do governo americano, no começo de 2001, de rejeitar a convenção. Os Estados Unidos, que consomem 1/4 de toda a energia gerada no mundo, são, de longe, os maiores emitentes de dióxido de carbono (CO2), o gás resultante da queima de combustíveis fósseis como carvão e derivados de petróleo, que seria o causador por excelência do aquecimento global que tende a aumentar e das anomalias climáticas cada vez mais freqüentes em todas as latitudes.
Para romper com Kyoto, o governo Bush – cujas políticas ambientais os ecologistas julgam catastróficas – alegou que o protocolo é injusto.
Isso porque os países em desenvolvimento acelerado, a começar da China, ficaram isentos das limitações exigidas das economias do Primeiro Mundo. Diferentemente dos demais sócios desse clube, em especial a União Européia e o Japão, os Estados Unidos não se sensibilizaram com a cláusula compensatória do documento – o sistema de créditos de carbono. Os países industrializados que investirem emprojetos limpos no exterior poderão acrescentar às próprias emissões de gases estufa o equivalente ao volume de materiais tóxicos que deixou de ser gerado graças a tais projetos. Ou negociar esses créditos com terceiros.
A Rússia, por exemplo, ratificou o protocolo no mês passado, depois de anos de hesitação, na expectativa de obter ganhos bilionários com essa nova modalidade de comércio. De qualquer forma, como era de prever, o problema de quem deve arcar com a conta do combate às mudanças climáticas dominou o encontro de Buenos Aires.
Os países em desenvolvimento rejeitaram sumariamente a possibilidade de serem chamados a pagar uma parte do preço da tentativa de conter o efeito estufa, a partir de 2012, em um eventual Kyoto 2. O Brasil, que emite 3% do total de gases estufa, 20 vezes menos do que as nações ricas, considera inegociável o modelo de concentração de responsabilidades e deveres estabelecido no protocolo.
Esse conflito de interesses continuará a condicionar até onde a vista alcança a efetividade das ações internacionais em defesa do clima. Não há, por isso, qualquer motivo para otimismo. As emissões globais de carbono dificilmente serão reduzidas na escala dada como necessária. Pois, mesmo na duvidosa hipótese de que os países industrializados cumpram as metas fixadas para os próximos sete anos – já descontado o peso da recusa americana –, apenas o acréscimo de gases estufa emanados da China neutralizará uma parte do esforço que vier a ser feito. Daí a alegação de ambientalistas de que Kyoto é muito pouco e muito tarde”. A seu ver, sem transformações mais profundas nos padrões mundiais de uso da energia, os piores prognósticos se tornarão realidade no curso deste século.
Há quem diga, no entanto, que tudo isso parte de premissas discutíveis. As projeções sobre o aumento da temperatura terrestre teriam menos base científica do que se crê. Afinal, o aumento da temperatura no planeta durante o século 20 foi de apenas 0,6 grau centigrado. O mesmo se aplicaria à relação de causa e efeito entre queima de carbono e nível de calor, ou entre variações térmicas e nível da massa oceânica. O tempo dirá.

OESP, 20/12/2004, p. A3

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.