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Cinzas do planejamento

FSP, Editoriais, p. A2
02 de Set de 2014

Cinzas do planejamento

No final dos anos 1990, quando o governo apresentou o plano Avança Brasil, ambientalistas ficaram alarmados com seu potencial para induzir desmatamento na Amazônia. Milhares de quilômetros quadrados de floresta pereceriam com a pavimentação de corredores de exportação, como a BR-163 (Cuiabá-Santarém).
No início do século 21, as taxas de desmatamento de fato subiram depressa, mas em 2003 o movimento socioambiental viu uma representante, Marina Silva, assumir o Ministério do Meio Ambiente (MMA). A questão da sustentabilidade chegava ao coração do governo federal, acreditou-se então.
Tendo saltado de 18 mil km2 em 2001 para 27 mil km2 em 2004, a cifra da devastação passou a encolher nos anos seguintes até pouco abaixo de 5.000 km2 em 2012, o menor patamar registrado desde 1988 --ainda assim, o equivalente a três municípios de São Paulo.
A rodovia Cuiabá-Santarém se tornou um exemplo tanto de ocupação predatória como da tentativa de discipliná-la. Várias organizações governamentais e não governamentais se engajaram na elaboração do "BR-163 Sustentável", plano lançado em 2006.
Criaram-se unidades de conservação; dificultou-se o crédito a produtores rurais de municípios campeões em desmatamento; anunciaram-se ordenamento territorial e regularização fundiária. O asfaltamento do trecho paraense da estrada se tornaria realidade em breve, como todos queriam, sem incentivar mais destruição.
Menos de uma década depois, as promessas ficaram pelo caminho. A parte mais importante delas --legalização das propriedades na região, das pequenas às grandes-- virou fumaça. Novo Progresso (PA), município de madeireiros e pecuaristas visitado pela Folha no final de agosto, teve só 400 de 3.000 terras de produtores agrícolas regularizadas.
É grande a insatisfação com o governo federal. Os conflitos entre posseiros e assentados, de um lado, e fazendeiros e garimpeiros de madeira, de outro, estão de volta, mas todos concordam que somente a solução da questão fundiária pelo Incra poderá desentravar o desenvolvimento da região de maneira legal e sustentável.
Faltou planejamento, sobretudo quanto às temáticas ambientais --uma agenda que agora pode ganhar espaço na pauta eleitoral como consequência da ascensão de Marina Silva (PSB) nas pesquisas de intenção de voto.
Não seria ruim. A BR-163, por exemplo, encurta em 1.000 km o caminho da soja e do milho para o exterior. Se o país não pode abrir mão desse tipo de estrutura, tampouco deveria abandonar preocupações com a sustentabilidade.

FSP, 02/09/2014, Editoriais, p. A2

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/183589-cinzas-do-planejamento…

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