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Cinta-Larga: Índios querem explorar jazida

Gazeta de Cuiabá-Cuiabá-MT
Autor: Márcia Oliveira
11 de Jan de 2004

Uma cidade com cinco mil homens, onde a força e a esperteza definiam quem sobreviveria, teve que ser extirpada, em janeiro de 2003, dos 2,7 milhões de hectares das terras indígenas dos cinta-larga - Mato Grosso e Rondônia - para que o Estado pudesse entender a gravidade da degradação de um povo, que teve o primeiro contato com brancos na década de 60. Mas, que nos últimos quatro anos, via no garimpeiro o modelo de homem civilizado.
Em resumo essa é a história recente de 1,3 mil cinta-larga que habitam uma região conhecida vulgarmente como uma das maiores jazidas de diamante do mundo, onde estão localizadas as reservas Roosevelt, Parque do Aripuanã, Serra Morena e Aripuanã. Do local, o governo federal estima que foram retirados 600 quilos de diamantes nos primeiros quatro meses de 2000, ou o equivalente a US$ 300 milhões, segundo avaliação do Departamento Nacional de Pesquisas Minerais (DNPM). Sobre ser uma das maiores jazidas do mundo, não existe confirmação, mas a suspeita foi o suficiente para atrair a atenção de garimpeiros, políticos, empresários e contrabandistas, que concentraram suas forças na atividade criminosa.
Os garimpeiros foram retirados em janeiro, mas a história não acabou. Na região o clima de tensão é permanente. E os índios que hoje exploram ilegalmente as jazidas e acumularam bens materiais são ameaçados de morte. O governo federal tenta encontrar uma solução "urgente", que permita aos índios fazer a exploração oficial. Mas até o momento, só existem discussões.
O contato dos índios do Noroeste de Mato Grosso, assim como os do Médio Norte do Estado com o homem branco, os levou a assimilar as atividades que estes últimos ambicionavam, e em muitos casos desenvolviam, em suas terras. Hoje, os pareci da região de Tangará da Serra querem plantar soja e outras culturas com lavoura mecanizada. E os cinta-larga querem explorar a reserva mineral do país. Os primeiros já deram passos para oficializar a atividade e os segundos atuam na total e perigosa ilegalidade. "Nós do grupo tarefa somos favoráveis à exploração das jazidas pelos índios. Eles podem fazer isso, aprenderam com os garimpeiros e entendem a atividade. O principal com a legalidade é que esse trabalho pode se reverter em benefícios para as 34 aldeias, ao invés de melhorar a vida de uns", avaliou o indigenista Valter Blós, coordenador do Grupo Tarefa do governo federal, que está na área desde novembro de 2002, com a missão de executar um programa de resgate e auto-sustentação da cultura dos cinta-larga.
Homens vêm de todos os cantos
A primeira grande pedra de diamante teria sido encontrada na terra indígena dos cinta-larga em 1999, por um garimpeiro de Cacoal, Rondônia. A pedra teria sido vendida por R$ 15 mil reais e rendido R$ 1,4 mil para o índio que autorizou a saída do mineral. O evento se propagou e foi o chamariz de homens de todos os cantos do país para o Igarapé Lages, ponto que hoje tem 90 hectares com escavações de várias profundidades, e está localizado na reserva Parque do Aripuanã, que fica no município de Pimenta Bueno, em Rondônia.
O coordenador do grupo tarefa Valter Blós conta que, de início, os índios perceberam na associação com os garimpeiros uma possibilidade de ganhar dinheiro. "Eles se organizaram de forma a permitir a entrada de garimpeiros em períodos de dois em dois meses, intervalos nos quais eles interrompiam a atividade. Mas, numa dessas ocasiões, os garimpeiros se rebelaram e receberam os índios armados. Eles então pediram ajuda ao governo federal. Não sabiam que os garimpeiros viviam na lei do mais forte", contou.
Blós afirma que a partir da relação com os garimpeiros e o dinheiro, os índios passaram a agir de forma similar a eles. "Eles passaram a se casar com brancas, a deixar as aldeias e a comprar casas, mobília e carros nas cidades. A autoridade dos caciques se desfez e os índios passaram a ser aliciados por todos os tipos de grupos e a gastar o dinheiro que ganhavam de um dia para o outro", conta o indigenista.
Atualmente três índios são conhecidos na região como responsáveis pela organização da exploração das pedras. Líderes de associações, esses índios têm acesso à tecnologia de telefonia, a aviões, carros tracionados, fazem investimento em maquinário de valores vultosos e usam estratégias para fugir à investigação da Polícia Federal. "Peço que o nome dessas pessoas não seja divulgado porque tudo tem causado problemas aqui. Eles são ameaçados de morte e a imprensa local, entre outros, têm passado a imagem de índios bandidos, esbanjadores. Eles ignoram que são um povo que foi espoliado", disse o coordenador da força tarefa.
O nome dos índios porém, foi citado em matéria recente do jornal Folha de São Paulo, que enviou equipe para a região.

Conflito mata cinco cinta-larga
Do início da exploração em 99 até a retirada dos garimpeiros em janeiro de 2003, houve cinco assassinatos de índios dentro da terra indígena, todos relacionados com o garimpo, segundo o coordenador do Grupo Tarefa, Valter Blós. Todos estariam sendo investigados pela Polícia Federal, que além dos crimes contra a pessoa teriam inquéritos sigilosos sobre os possíveis compradores dos diamantes.
"Todos sabem na região que as pedras vão para o mercado estrangeiro e garantem altos valores para os negociadores. Isso é uma máfia, uma atividade perigosa que os índios estão dando continuidade com a extração. Mas não existe nenhuma investigação concluída sobre o assunto e os índios afirmam que os compradores pedem sigilo sobre suas identidades", conta.
A reportagem entrou em contato com a Polícia Federal de Porto Velho, por três dias consecutivos, mas não conseguiu falar com o superintendente Marcos Aurélio de Moura. Segundo os agentes policiais, em todas as ocasiões ele estava em reunião. Os pedidos de retorno não foram atendidos.
Um dos objetivos do Grupo Tarefa na área é o de restabelecer a segurança local e barrar qualquer tipo de crime. Uma das maneiras que o Ministério da Justiça, com auxílio do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Ministério Público Federal encontrou para executar a intenção foi a de levar programas econômicos e sociais para a região. O primeiro plano, cujos recursos de R$ 3,5 milhões deveriam ser liberados no início de 2002, só começou no final daquele ano e apenas R$ 1,2 milhão foi usado.
No ano passado outro plano foi feito e orçado em R$ 5,2 milhões, mas novamente apenas metade do recurso foi liberado no final do ano. "Mesmo com a demora e ausência de recursos conseguimos fazer muito. Nos reunimos com os índios diversas vezes e explicamos o que estava acontecendo com o povo deles e qual seria a conseqüência. Então eles decidiram que não deixariam mais os garimpeiros entrar e que retomariam ritos do grupo, como o plantio da roça e a produção de cerâmica. Levamos projeto de piscicultura, de conscientização política e formação educacional e agora as coisas estão retomando o seu rumo novamente", avalia Blós.

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