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Cinco ministérios de Bolsonaro associam políticas a falsa reversão do desmatamento

FSP - https://www1.folha.uol.com.br/ambiente
28 de Nov de 2021

Cinco ministérios de Bolsonaro associam políticas a falsa reversão do desmatamento
Entre as medidas que contribuiriam para índices estão destinação de terras públicas, regularização de garimpo e intervenção militar; desmate disparou na Amazônia

Vinicius Sassine
Brasília
28.nov.2021

Cinco ministérios do governo Jair Bolsonaro (sem partido) apontaram uma reversão do desmatamento da Amazônia, um mês após fim do ciclo com a maior devastação em 15 anos, e associaram políticas desenvolvidas pelas pastas a uma falsa constatação de diminuição dos índices de desmate.
Em uma reunião no dia 24 de agosto do Conselho Nacional da Amazônia Legal, que é comandado pelo vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB), os presentes trataram como certa uma redução de 5% no desmatamento do bioma, a partir de dados do Prodes (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite), do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Nesse encontro, representantes de cinco pastas -Ciência e Tecnologia, Agricultura, Defesa, Economia e Minas e Energia- listaram quais de suas políticas tinham levado à melhora dos números.
Entre as ações atreladas ao que seria um êxito no combate ao desmatamento estão a destinação de terras públicas a uso por posseiros, o que é apontado por críticos como porta para a grilagem, formalização do garimpo em região com pilhagem de ouro e impacto em comunidades indígenas, e a fracassada intervenção militar na Amazônia.
O problema é que os números oficiais, divulgados pelo Inpe no último dia 18, apontaram um resultado bem diferente daquele tratado na reunião. Em vez de diminuir, o desmatamento da Amazônia na verdade explodiu, chegando a 13.235 km² no período que vai de agosto de 2020 a julho de 2021. Isso representa um aumento de 22% em relação ao ciclo anterior.
Desde 2006 não havia tanta perda de vegetação amazônica em território brasileiro.
O governo Bolsonaro segurou a divulgação dos dados do Inpe, concluídos e inseridos no sistema eletrônico do governo em 27 de outubro. Quatro dias depois, teve início a COP26, a Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas.
Os representantes do governo brasileiro no evento participaram das negociações internacionais sem mencionar o recorde de desmatamento.
Na última reunião do ano do Conselho da Amazônia, feita cinco dias após a divulgação dos dados oficiais, Mourão assumiu a culpa pelo fracasso das ações no bioma. "Não vou dizer que foi ministro A, ministro B ou ministro C. Eu não consegui fazer a coordenação e a integração da forma que ela funcionasse."
A fala é diferente do tom da reunião do dia 24 de agosto. A ata do encontro -que não foi tornada pública- mostra que os integrantes do conselho demonstraram um alinhamento à falsa constatação de reversão do desmatamento.
Secretário-executivo do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, Sergio Freitas de Almeida "falou sobre a queda dos indicadores de desmatamento que vem sendo registrada nos dois sistemas, Prodes e Deter, por intermédio do Inpe". O Deter reúne dados de alertas de desmatamento. O Inpe é vinculado ao Ministério da Ciência.
A pasta teve ciência do relatório do Prodes, que consolida os dados de forma oficial, no mesmo dia da conclusão do documento, 27 de outubro. E não diz por que deixou de agir nos dias que antecederam a COP26; afirma apenas que o Prodes é programado para divulgação em dezembro.
O secretário-executivo emendou logo em seguida políticas do ministério associadas à tentativa de combate ao desmatamento da Amazônia: "projetos de bioeconomia" voltados a cadeias produtivas de açaí, cupuaçu, castanha e pirarucu.
O ministério não respondeu aos questionamentos da reportagem.
O representante do Ministério da Agricultura, Marcos Montes, "expressou a alegria ao ser informado que está sendo revertida a tendência do grave problema de desmatamento que temos e assim melhorar a imagem do país".
Segundo o secretário-executivo, a pasta "tem procurado avançar fortemente em relação às questões da bioeconomia e do ordenamento territorial", o que permitiria punir responsáveis por desmatamento ilegal.
No plano nacional para controle do desmatamento ilegal do MMA, o ordenamento citado diz respeito a destinação, uso e ocupação de terras públicas federais. A bioeconomia inclui produção madeireira e extrativismo.
Para Ane Alencar, diretora do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), a política do governo Bolsonaro de ocupação de espaços na Amazônia lança sinais que podem resultar em grilagem e desmatamento.
"O sinal é: 'Se pegarmos essa terra hoje, podemos conseguir a posse dela no futuro.' Há um sinal claro de desgovernança ambiental. A falta de um poder público colocando ordem faz com que as pessoas se sintam livres para ganhar dinheiro com novas fazendas, exploração de madeira e garimpo", diz Alencar.
Os dados do Ipam mostram que 54% do desmatamento na Amazônia em 2020 se concentrou em terras públicas.
O ministério afirmou que somente a ocupação e a exploração "direta, mansa e pacífica" anterior a 22 de julho de 2008 é passível de regularização. "A regularização fundiária não estimula a grilagem e novas ocupações irregulares", diz, em nota. Ocupações em unidades de conservação, terras indígenas e áreas de interesse da União não podem ser regularizadas, segundo a nota.
O representante do Ministério da Defesa no conselho presidido por Mourão disse ser importante a coordenação feita pelo colegiado, apresentou dados da intervenção militar na Amazônia e afirmou que "qualquer diminuição desse esforço vai impactar nos gráficos apresentados".
As três intervenções militares das Forças Armadas, feitas a partir de decretos de GLO (garantia da lei e da ordem) assinados por Bolsonaro, custaram R$ 550 milhões e terminaram num fiasco, com a explosão do desmatamento. O próprio Mourão reconheceu a falta de êxito das operações militares.
O Ministério da Defesa não respondeu aos questionamentos da reportagem.
Já o Ministério de Minas e Energia exaltou a "queda dos índices de desmatamento" e detalhou no Conselho da Amazônia a atuação voltada à regularização do garimpo no Rio Tapajós, no Pará, por meio da formalização da permissão de lavra garimpeira. Essa formalização está a cargo da Agência Nacional de Mineração.
O garimpo ilegal no Tapajós impacta diretamente as comunidades indígenas da região. Segundo Carlos Souza Júnior, coordenador do programa de monitoramento do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), muitos dos garimpos ilegais estão dentro de territórios protegidos.
Para Alencar, do Ipam, é inimaginável uma recuperação e uma regularização de áreas de garimpo que se espalham pela Amazônia. "Esses donos de garimpo não têm CNPJ, retiram o ouro e mudam de lugar o tempo todo. É quase impossível organizar isso. E há questões de saúde e de impacto irreversível."
Segundo o Ministério de Minas e Energia, uma lei de 1989 permite a formalização de atividades de garimpagem. "Ao cumprir suas obrigações ambientais, que incluem a recuperação ambiental de áreas impactadas, a atividade de garimpagem realizada sob o regime de permissão de lavra garimpeira contribui para a preservação e recuperação da floresta", disse em nota.
O Ministério da Economia também exaltou redução de desmatamento, com base em dados de agosto, e disse ter agido para garantir "recursos e pessoas" voltados ao desenvolvimento sustentável na região.
Diferente dos outros presentes no encontro de 24 de agosto, o Ministério da Infraestrutura não fez nenhuma declaração sobre uma possível ligação entre suas ações e uma suposta queda no desmatamento. Em vez disso, o representante da pasta comunicou apenas avanços na busca pela licença ambiental para a pavimentação da BR-319, que liga Manaus a Porto Velho.
Institutos que monitoram a devastação da Amazônia, como Ipam e Imazon, apontam a rodovia como foco de desmatamento e grilagem de terras públicas. "A BR-319 tem um papel social, mas o desafio é o descontrole de ocupação de terras públicas. É comum que novas estradas [conectadas a rodovias] sejam abertas ilegalmente por madeireiros e garimpeiros", diz Souza. Segundo ele, 95% do desmatamento se concentra a cinco quilômetros dessas estradas.

O governo Bolsonaro e a falsa redução do desmatamento da Amazônia
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações
- O que foi dito sobre o desmatamento em agosto: "O secretário-executivo do ministério, Sergio Freitas de Almeida, falou sobre a queda dos indicadores de desmatamento que vendo sendo registrada nos dois sistemas, Prodes e Deter, por intermédio do Inpe."
- Políticas do ministério associadas à falsa redução do desmatamento: Estímulo à bioeconomia.
- O que significam essas políticas: São citadas as cadeias produtivas de açaí, cupuaçu, castanha e do pirarucu.
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
- O que foi dito sobre o desmatamento em agosto: "O secretário-executivo do ministério, Marcos Montes, expressou a alegria ao ser informado que está sendo revertida a tendência do grave problema de desmatamento que temos e assim melhorar a imagem do país."
- Políticas do ministério associadas à falsa redução do desmatamento: Ordenamento territorial e estímulo à bioeconomia.
- O que significam essas políticas: O ordenamento citado é a destinação, uso e ocupação de áreas em glebas públicas federais, vistos por críticos como estímulo à grilagem e ao desmatamento. Bioeconomia está relacionada a ampliação de produção madeireira e extrativismo.
Ministério da Defesa
- O que foi dito sobre o desmatamento em agosto: "O chefe de gabinete do Estado Maior Conjunto das Forças Armadas do Ministério da Defesa, major brigadeiro Flávio Luiz de Oliveira Pinto, falou dos números mais recentes da Operação Samaúma, que a Defesa entende que somente foi possível devido à sinergia que é proporcionada pelo conselho e que qualquer diminuição desse esforço vai impactar nos gráficos apresentados."
- Políticas do ministério associadas à falsa redução do desmatamento: Intervenção militar a partir de GLOs decretadas pelo presidente.
- O que significam essas políticas: Três operações -Verde Brasil, Verde Brasil 2 e Samaúma- duraram 16 meses, consumiram R$ 550 milhões e terminaram com disparada do desmatamento na Amazônia.
Ministério de Minas e Energia
- O que foi dito sobre o desmatamento em agosto: "O secretário de Geologia, Mineração e Transformação Mineral, Pedro Paulo Dias Mesquita, parabenizou a ação do Conselho da Amazônia e a queda dos índices de desmatamento com destaque para a importância da atuação integrada."
- Políticas do ministério associadas à falsa redução do desmatamento: Formalização de permissão do garimpo na região do Rio Tapajós, no Pará.
- O que significam essas políticas: O garimpo ilegal impacta as comunidades indígenas da região, amplia o desmatamento e contamina os cursos d'água com mercúrio.
Ministério da Economia
- O que foi dito sobre o desmatamento em agosto: "O secretário especial de Produtividade, Carlos Alexandre da Costa, manifestou alegria em ver os dados de agosto. Após sair da última reunião do conselho, conversou com várias federações e associações para tentar apoiar a reversão dos dados."
- Políticas do ministério associadas à falsa redução do desmatamento: Busca de soluções para a distância dos principais centros em relação à Amazônia e garantia de recursos e pessoas para desenvolvimento sustentável.
- O que significam essas políticas: A pasta atua em regulamentação do ZEE (Zoneamento Ecológico-Econômico) e também na destinação de glebas públicas federais.
Fontes: Ata da 6ª reunião do Conselho Nacional da Amazônia Legal, realizada em 24.ago, e Plano Nacional para Controle do Desmatamento Ilegal 2020-2023, do Ministério do Meio Ambiente.

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