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Cientistas tentam cortar barreiras às pesquisas com fauna e flora

OESP, Vida, p. A22
14 de Dez de 2005

Cientistas tentam cortar barreiras às pesquisas com fauna e flora
Há divergências entre pesquisadores e o Ibama, e também entre um ministério e outro

Herton Escobar

Governo e cientistas lançaram uma última tentativa de conciliação para resolver os problemas que há anos engessam as pesquisas sobre biodiversidade no Brasil. Em uma reunião realizada anteontem em Brasília, o Ibama apresentou a representantes da comunidade científica as versões revisadas de duas instruções normativas que buscam regulamentar o licenciamento das coletas de material de campo e a manutenção de coleções biológicas de fauna e flora. Pesquisadores reclamam há anos do excesso de burocracia na área, que emperra as pesquisas e força muitos cientistas a trabalhar na ilegalidade.
O tema é polêmico e as discussões, nem sempre amigáveis. A primeiras versões das instruções normativas, apresentadas em março, foram recebidas de forma extremamente negativa pelos pesquisadores. Em maio, foi feito um acordo pelo qual o Ibama se comprometia a revisar a regulamentação em colaboração com a comunidade científica. Mas a parceria parou por aí. Depois de sete meses sem nenhum contato, os cientistas foram surpreendidos na semana passada por um convite para a apresentação das versões "consolidadas" das instruções.
Os resultados ainda não agradaram totalmente, mas um novo acordo foi feito para revisar o texto até 15 de janeiro. "Houve melhorias, mas ainda estão longe de atender às nossas expectativas", afirmou Leandro Valle, presidente da Associação Memória Naturalis, que congrega os principais museus de história natural do País. Um comitê será criado para coordenar a revisão, com seis representantes de organizações científicas e seis representantes ministeriais.
As instruções tratam de duas atividades básicas para pesquisas de biodiversidade. Primeiro, a coleta de amostras biológicas no meio ambiente (que podem ser um animal inteiro ou partes dele) e, segundo, a manutenção dessas amostras em coleções biológicas acadêmicas ou particulares, como as que existem no Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo, Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Museu Paraense Emílio Goeldi.
O licenciamento das atividades hoje é tão burocrático que muitos cientistas, para não perder suas pesquisas, coletam à total revelia do Ibama. Para reverter o quadro, o instituto prevê a informatização total do processo, permitindo que os cientistas solicitem e obtenham licenças online. "Estamos mudando o paradigma com relação à coleta", diz o diretor de Fauna e Recursos Pesqueiros do Ibama, Rômulo Mello. Licenças que hoje dependem de carimbos e podem demorar até dois anos para sair, segundo ele, serão emitidas no prazo máximo de 50 dias úteis. "O princípio do sistema é que o pesquisador é nosso parceiro", afirma.
RECURSOS GENÉTICOS
Todos os problemas partem da Medida Provisória 2.186, de agosto de 2001, que regulamentou o acesso ao "patrimônio genético" da biodiversidade brasileira - e na qual as instruções normativas são baseadas. Com o intuito de coibir a biopirataria, a medida provisória acabou criando uma série de empecilhos à pesquisa científica. "Apesar de todas as mudanças que fizemos por meio de regulamentação, a lei foi concebida com a idéia de que todo pesquisador é um biopirata em potencial, que precisa ser controlado", afirma o secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA), João Paulo Capobianco. "Isso só dá para mudar com uma nova lei."
A solução definitiva, portanto, é a substituição total da MP 2.186. Vários projetos de lei já foram encaminhados à Casa Civil, mas alguns pontos cruciais ainda são motivo de discussão entre ministérios - a exemplo do que ocorreu com a Lei de Biossegurança, envolvendo transgênicos e células-tronco embrionárias. Um primeiro projeto, discutido dentro do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN) e encaminhado pelo MMA, acabou rejeitado pelos Ministérios da Ciência e Tecnologia, Agricultura e Desenvolvimento. As três pastas apresentaram um texto alternativo e o Meio Ambiente rebateu com um segundo projeto.
Estão na Casa Civil, portanto, dois projetos: um defendido pelo Meio Ambiente e outro, por Ciência e Tecnologia, Agricultura e Desenvolvimento. Os principais pontos de discórdia, segundo apurou o Estado, giram em torno da repartição de benefícios do uso comercial da biodiversidade. Ou seja, da repartição dos lucros provenientes de um eventual produto desenvolvido das pesquisas com fauna e flora - processo que envolve comunidades tradicionais, cientistas, indústria e donos de terra.
LIÇÃO DE CASA
A Casa Civil informou que está conversando com os ministérios para desenvolver um texto final, que possa ser encaminhado ao Congresso. O prazo para uma solução é março, quando ocorrerá em Curitiba a 8ª Conferência das Partes (COP 8) da Convenção sobre Diversidade Biológica das Nações Unidas. A pesquisa da biodiversidade e a repartição de benefícios deverão ser temas centrais do encontro. "Se o Brasil vai sediar a COP 8, temos de fazer nossa lição de casa e apresentar uma lei à altura da nossa diversidade biológica", afirma Capobianco.
O projeto defendido pelo CGEN e pelo MMA altera radicalmente o processo de licenciamento e repartição de benefícios. A proposta é criar um sistema pelo qual os pesquisadores só precisem se reportar ao CGEN quando chegarem efetivamente a uma patente ou produto derivado da biodiversidade - desburocratizando, assim, a pesquisa básica. A partir daí, seria paga uma alíquota de 1% a 1,5% sobre o produto, com recursos revertidos para um fundo em benefício das pesquisas e comunidades tradicionais envolvidas. "O foco é no produto, não mais na atividade científica", diz o secretário-executivo do CGEN, Eduardo Vélez.

OESP, 14/12/2005, Vida, p. A22

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