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Cientistas questionam previsões pessimistas

OESP, Vida, p. A20
Autor: JOLY, Carlos
25 de Jan de 2013

Cientistas questionam previsões pessimistas
Sob críticas, biólogos renomados dizem que a biodiversidade não está tão ameaçada

HERTON ESCOBAR

O número de espécies no planeta Terra não é tão grande quanto muitos acreditam ser. Assim como o número de espécies que estão sendo extintas pela ação do homem não é tão grande quanto muitos estimam ser. E, com um pouco mais de esforço e investimento, é possível descrever e proteger todas as espécies do planeta ainda neste século.
São as conclusões de um artigo publicado hoje na revista Science, que promete se tornar um dos mais comentados e polêmicos da biologia nos últimos tempos. Assinado por três pesquisadores de renome na área - entre eles, o ecólogo Robert May, da Universidade de Oxford -, o trabalho questiona, de forma contundente, algumas das previsões mais pessimistas sobre o futuro da biodiversidade.
Os autores fazem uma revisão da literatura científica sobre o assunto e concluem que a crise global sobre conhecimento e conservação da biodiversidade não é tão grave quanto a maioria de seus colegas ecólogos e zoólogos acreditam ser.
Segundo eles, o número total de espécies terrestres e marinhas do planeta (não incluindo bactérias) deve girar em torno de 5 milhões (algo entre 2 milhões e 8 milhões), bem abaixo de algumas estimativas do passado, que chegavam a 100 milhões.
O número de espécies já conhecidas, de acordo com eles, é de aproximadamente 1,5 milhão; e a taxa de extinção pode chegar a 5% por década, mas não deve passar de 1%, numa análise mais realista.
"Estimativas superestimadas de taxas de extinção e do número de espécies são autodestrutivas porque deixam a impressão de que esforços para descobrir e conservar a biodiversidade são inúteis", escrevem os autores na Science. Além de May, o artigo é assinado por Mark Costello, da Universidade de Auckland (Nova Zelândia), e Nigel Stork, da Universidade Griffith (Austrália). "Acreditamos que, com um aumento modesto nos esforços de conservação e taxonomia (ciência que descreve e classifica organismos), a maioria das espécies poderia ser descoberta e protegida da extinção."
Críticas. Apesar do currículo respeitável dos autores, certamente não faltarão críticas ao artigo. Especialmente por parte de pesquisadores de países tropicais e em desenvolvimento, como o Brasil, que têm o maior número de espécies (conhecidas e desconhecidas) e enfrentam os maiores desafios para descrevê-las.
"Acho que eles estão com uma visão europeia do problema, excessivamente otimista para a nossa realidade", disse ao Estado o ecólogo Thomas Lewinsohn, pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e presidente da Associação Brasileira de Ciência Ecológica e Conservação (Abeco). "Há muitos buracos negros subestimados no trabalho."
Segundo ele, ainda não há uma base científica sólida o suficiente para cravar essa estimativa de 5 milhões de espécies. "Áreas muito extensas de países com alta diversidade, entre eles o Brasil, nunca foram exploradas nem mesmo superficialmente. E, além disso, os grupos com mais espécies por descobrir e descrever são especialmente mal estudados nos países onde a sua diversidade é maior", afirma Lewinsohn.
Alguns estudos citados no próprio artigo, segundo ele, estimam que só o número de espécies de insetos (artrópodes) em florestas tropicais pode passar de 6 milhões. "Eles misturam coisas que fazem muito sentido com outras bastante ingênuas", avalia o brasileiro.
Esforço. Outro diagnóstico questionado pelo artigo é o de que há uma escassez global de taxonomistas e por isso muitas espécies estariam desaparecendo antes mesmo de sabermos que elas existem. Eles estimam que há cerca de 50 mil taxonomistas no mundo, descrevendo uma média de 17,5 mil espécies por ano. "Se essa taxa de descrição for aumentada para 20 mil espécies por ano, 3,5 milhões de espécies serão conhecidas até o ano 2100", dizem os autores - o que já seriam, potencialmente, todas as espécies do planeta.
Lewinsohn, mais uma vez, acha que Costello, May e Stork exageram no otimismo e ignoram muitas das dificuldades de trabalho e financiamento que a taxonomia enfrenta nos países em desenvolvimento. "O artigo é útil para reenfatizar a importância do conhecimento completo da biodiversidade da Terra e é bom ter uma injeção de ânimo, mas ele deixa a impressão de que, para chegarmos lá, basta querer. Seria ótimo se fosse verdade, mas minha avaliação é mais cética."

Brasil tem gigantesco déficit de taxonomistas

Análise: Carlos Joly
BOTÂNICO DA UNICAMP E COORDENADOR DO PROGRAMA BIOTA-FAPESP

Os desafios colocados pelos autores do artigo na Science estão dentro dos objetivos do Programa Biota-Fapesp desde a sua criação, em 1999. Entre eles estão incentivar e financiar a capacitação de taxonomistas, treinados para utilizar, se necessário, técnicas modernas de biologia molecular na caracterização de espécies. Os 13 anos de esforço do Biota resultaram em um aumento significativo do número de taxonomistas, bem como do conhecimento sobre a biodiversidade do Estado de São Paulo. Mas ainda não conseguimos produzir dados confiáveis sobre nossas taxas de extinção de espécies.
O Brasil ocupa o topo do ranking dos países megadiversos. Usando os dados conservadores dos autores, temos algo entre 540 mil e 900 mil espécies (considerando que o Brasil abriga 18% da biodiversidade do planeta), das quais apenas cerca de 300 mil são conhecidas e descritas.
Apesar do Biota ter sido utilizado para criação de programas similares em outros Estados, como Minas Gerais e Mato Grosso do Sul, e do programa nacional lançado pelo CNPq no final de 2009, o Brasil ainda tem um gigantesco déficit de taxonomistas. Além de formar, capacitar e fixar taxonomistas é preciso investir significativamente na infraestrutura de nossas coleções biológicas, tanto em termos de novos prédios e instalações como de pessoal técnico especializado.
Para fazer frente aos compromissos que o Brasil assumiu ao se filiar ao Global Biodiversity Information Facility (GBIF), no ano passado, é imprescindível que o Protax (programa do CNPq e Capes para formação de taxonomistas em nível de mestrado, doutorado e pós-doutorado) seja fortemente revigorado e venha acompanhado, por exemplo, de um Programa de Infraestrutura para Coleções Biológicas a ser coordenado e implementado pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), sempre com o apoio das Fundações de Amparo à Pesquisa Estaduais.

OESP, 25/01/2013, Vida, p. A20

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