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Cientistas identificam nova espécie de peixe amazônico nas águas de igarapé de Manaus

A Crítica - http://www.acritica.com/
Autor: Paulo Andre Nunes
11 de Out de 2017

É o Tarumania walkerae, um "mini-pirarucu" que demorou 20 anos para ser descoberto no Tarumã-Mirim e que já "nasce" ameaçado

As misteriosas águas amazônicas escondem e sempre nos revelam surpresas magníficas. A mais recente é o anúncio de uma nova espécie de peixe que demorou 20 anos para ser finalmente identificada. Trata-se do Tarumania walkerae, que foi encontrado pela primeira vez nas águas do Tarumã-Mirim pela pesquisadora Ilse Walker, hoje aposentada e que foi homenageada com o nome da espécie.

A descoberta se torna ainda mais importante por conta do peixe ter, como um dos habitats, justamente uma área que precisa cada vez mais de proteção em face da degradadação pela ocupação desordenada na cidade.

O mundo cientifico, acadêmico e sociedade geral soube da existência do Tarumania pelo artigo científico publicado no dia 26 de abril deste ano no Zoological Journal of the Linnean Society, contendo 31 páginas e 16 figuras, e é intitulado "A new family of neotropical freshwater fishes from deep fossorial Amazonian habitat, with a reappraisal of morphological characiform phylogeny (Teleostei: Ostariophysi)" (Uma nova família de peixes de água doce neotropicais do habitat amazônico fossorial profundo, com um reavaliação da filogenia de caráfices morfológicas (Teleostei: Ostariophysi).

O estudo, que descreve as características do peixe, é assinado pela PhD em Ecologia e Biologia Evolutiva do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Lúcia Rapp Py Daniel, pelos ictiólogos (especialistas em peixes) Jansen Zuanon (Inpa) e Mario de Pinna (pesquisador do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP)) e por Paulo Petry (ex-servidor do Inpa, que tambem trabalhava com ictiologia e atualmente atua com conservação). Todos os pesquisadores atuaram na coleta, descrição e identificação da nova espécie.

No artigo, o Tarumania é apresentado com um "conjunto extraordinário de características únicas, que o separa de todos os outros peixes ósseos conhecidos, seja na América do Sul ou em outro lugar". E de fato o é: atingindo apenas de 15 a 17 centímetros de comprimento o exemplar adulto, ele é do grupo dos caraciformes (peixes de escamas da Amazônia), o mesmo de espécies comuns tambaquis, jaraqui, aracus, matrinxãs, e piabas, mas completamente diferente de tudo, sendo muito comprido, com nadadeiras e hábitos diferentes e mais próximo da familia das traíras e jejus.

Ele lembra o corpo serpentiforme de um sarapó com uma cauda de pirarucu e cabeça parecida com uma traíra. "No caso da nossa nova espécie ele é do gênero tarumania e de uma única espécie, que é Tarumania Walkerae, da família própria Tarumaniidae. Até agora não há nenhum parente próximo. Fazia décadas, há pelo menos uns 50 anos, que não se descobria uma família nova de peixes inteira, que não desse para acomodar essa espécie nova em uma família já conhecida", revela Zuanon.

Formato

O lado mais importante da descoberta do Tarumania, diz ele, é que ele faz parte de um grupo de espécies muito comuns e abundantes, como piabas e jaraquis, mas é muito diferente por fora. "Tanto é que, à primeira vista, não conseguimos identificar que ele era parente desses peixes, e tivemos que fazer um exame de características internas para descobrir que era um caraciforme. Essa descoberta mostra que os caraciformes, esses bichos de escamas, podem ter formatos completamente aberrantes, compridos como um sarapó, com nadadeiras completamente diferentes dos companheiros dela, com estrutura interna radicalmente diferentes e com hábitos fossoriais, quer dizer, vive enterrada no folhiço aparentemente passando o período de seca enterrada no solo, no lençol freático esperando a água voltar. Nenhuma outra espécie de caraciforme faz isso. Ela expandiu muito nosso conhecimento sobre esse grupo de peixes, mostrando que há um caminho evolutivo completamente diferente que nem conhecíamos e nem imaginávamos", destaca Zuanon.

O grupo de peixes que mais se aproxima do Tarumania é o das traíras e jejus, peixes que tambem apresentam resistência a lugares alterados ou com pouca oxigenação. "No entanto, ele apresenta tantas modificações que não tínhamos como considera-la parte da familia das trairas e jejus", destaca a doutora Lúcia Rapp.

"Quem encontrou o peixe pela primeira vez no laboratório da doutora Ilse Walker foi o Paulo Petry. Mas era apenas um exemplar muito jovem e impossível de identificar. Anos depois (2001), o Jansen conseguiu coletar 20 exemplares desse peixe em Anavilhanas. Posteriormente, Jansen, Mario e eu coletamos dezenas de exemplares no Taruma-Mirim, área onde este peixe aparentemente ocorre com maior frequência", explica Rapp.

Habitat

O misterioso Tarumania habita um ambiente difícil de ser coletado: áreas de poças quase secas dentro do igapó, sem contar que o peixe desaparece na época da seca. Nos estudos, conforme os pesquisadores foram conseguindo coletar mais exemplares, percebeu-se, conta a doutora Lúcia Rapp, que se tratava de uma espécie com hábitos muito peculiares e adaptados a viver em condições bem dificeis: poças d'água quase secas, cobertas com folhiço (folhas mortas do igapó) e quase sem oxigenação. "Mas os peixes pareciam viver muito bem nestas condições, tanto que alguns exemplares foram trazidos vivos e mantidos em aquario por vários anos. Eles devem ter um hábito gregário (de grupo) por conta das condições onde vivem, ou seja, ficam concentrados em poças durante a descida das águas.

Quanto a parte ambiental, os pesquisadores do Tarumania disseram ser preocupante verificar como a área do Tarumã-Mirim tem sido alterada nos ultimos anos. "Mas, como o peixe tambem ocorre em Anavilhanas, é possivel que ele tenha uma área de ocorrência bem ampla, o que auxilia na preservação da espécie", salienta a doutora Lúcia Rapp.

Biologia e comportamento

A biologia e o comportamento do Tarumania ainda são pouco conhecidos pelos pesquisadores. Por ser um animal tão distinto, estudos mais detalhados deste peixe podem trazer muitas novidades em termos de anatomia e comportamento dos vertebrados de maneira geral.

Jansen Zuanon, ictiologista

Existe um perigo localizado, sim, na região do igarapé Tarumã-Mirim, onde temos encontrado essa espécie. Há um processo de ocupação humana muito acelerado. Visitado essa região há quase 20 anos e a cada vez que vou lá vejo mais desmatamento, mais casas, mais gente morando, cultivando muito pouca coisa e desmatando muito. Esse peixe depende, pra viver, de poças isoladas na floresta, de ambiente sombreados, de baixa temperatura. Toda vez que se faz desmatamento se abre a copa da floresta, o Sol, entra, as poças secam, a temperatura da água aumenta e isso coloca em risco, sim, a espécie nessa região. Deveríamos proteger essa área melhor. Ao mesmo tempo nós temos exemplares em Anavilhanas, que já é um parque nacional, uma área protegida. Então, existe parte da população que está protegida, mas a parte que a gente melhor conhece, que é a do Tarumã-Mirim, há, sim, risco de desaparecer pois o ambiente em que vive está sendo degradado pela ocupação humana".

Tarumã sob pressão, diz especialista

Preservar ambientes como a área do Tarumã-Mirim é fundamental para a garantia e continuidade da vida de todos os organismos vivos que existem naquela área. A análise é do ex-secretário de Meio Ambiente do Amazonas (Sema), Antônio Stroski, ao comentar sobre a importância de mantermos preservados ambientes em que animais raros são encontrados em plena Manaus.

"A região do Tarumã-Mirim é uma importante área verde que está sob forte pressão de ocupação por conta da expansão de Manaus e isso deve ser observado com atenção por todas as esferas. Há ramais em expansão que derivam de outro ramal chamado 'Cooperativa' que contribuem para a supressão vegetal e podemos observar isso nas margens do Tarumã-Mirim em uma ação certamente desordenada. Via de regra, imaginamos que a descoberta de espécies não catalogadas pode estar somente em ambientes distantes das zonas urbanas e preservados. Mas esquecemos que espécies desconhecidas e importantes para a regulação do ambiente podem estar mais próximas do que imaginamos, como no Tarumã-Mirim. Além de ser importante, é um desafio preservar o ambiente onde há ocorrência de espécies não catalogadas porque, caso nada seja feito, elas estão fadadas ao desaparecimento, serem extintas, e são espécies endêmicas. O que se coloca para todos é o desafio de contornar a pressão de ocupação e de desflorestamento que está indo na direção do Tarumã-Mirim", destaca ele.

A área do Tarumã-Mirim era uma Área de Proteção Ambiental (APA) e depois foi transformada em de Expansão Urbana. E qual a gravidade em face dessa mudança, pergunta a reportagem, para a pronta resposta do especialista: "Mesmo que uma categoria de área de proteção possibilite ter ao mesmo tempo empreendimento e atividades econômicas, ainda assim é uma área de proteção para a qual o órgão gestor sempre deve estar vigilante e se manifestar sempre. Ao ser transformada em área de expansão urbana, o monitoramento dever ficar mais intenso para acompanhar o processo de ocupação que faz a conversão de uso do solo ser muito mais rápida".

O fragmento florestal alvo da exploração humana tem importância ecológica significativa porque protege os recursos hídricos e espécies de animais e plantas naquele ambiente, reforça Antônio Stroski.

União de ações

É preciso uma conjugação de ações para enfrentar e dar resposta eficaz ao problema do desmatamento no Amazonas, alerta Stroski.

"A fiscalização é imprescindível, mas não deve ser a única ação. Um instrumento importante é o ordenamento da ocupação de novas áreas que é feito por meio de zoneamento. Também o poder público deve planejar a ocupação de novas áreas. E para as comunidades e habitantes no meio rural, que utilizam os recursos naturais para suas atividades econômicas, devem ser estabelecidas políticas de incentivo em bases sustentáveis e uma etapa que antecede a exploração de diversas atividades é a regularização ambiental".

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