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Cientistas em recesso

OESP, Notas e Informacoes, p.A3
27 de Ago de 2005

Cientistas em recesso
A aprovação da Lei de Biossegurança pelo Congresso no início de março, que parecia ser um avanço no setor, está sendo, por enquanto, um retrocesso. Como esse texto legal até hoje não foi regulamentado pelo governo e a legislação anterior foi revogada, há seis meses esse vazio jurídico vem obrigando muitos cientistas a permanecer de braços cruzados. Sem um marco jurídico para balizar suas atividades, muitos tiveram de paralisar pesquisas em andamento. Com isso, os que trabalham em projetos conjuntos com laboratórios e universidades estrangeiras ficaram com a imagem prejudicada perante a comunidade científica mundial. E os que dependem de agências internacionais de fomento perderam prazos para obter financiamento.
Mas não é só. Como o órgão encarregado de aprovar e supervisionar o trabalho dos cientistas brasileiros também foi desfeito com a aprovação da Lei de Biossegurança, os 390 processos que então estavam em tramitação ficaram em uma situação surrealista. Simplesmente, hoje não há, dentro do governo, quem possa avaliá-los. Reduzida a um secretário-executivo e uma simples secretária administrativa, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) não teve outra saída a não ser engavetar esses projetos, que envolvem de liberação de insumos para pesquisas a autorizações para dissertações de mestrado, teses de doutorado e estudos de laboratório.
Com o vazio jurídico causado pelo governo na área de biotecnologia e o esvaziamento da CTNBio, o Brasil encontra-se numa "moratória branca" nesse setor, afirma o ex-presidente do órgão Luiz Barreto de Castro. O maior' prejuízo recai sobre os experimentos de campo com culturas transgênicas de plantas e frutas, uma vez que têm de acompanhar as condições climáticas. "Planta não espera a gente ir até a praia e voltar. Não dá para fazer experiência fora de época. Ou você planta agora ou perde o ano inteiro. O estrago vai ser grande", alerta a pesquisadora Maria Sampaio, da Embrapa.
O prejuízo também atinge os centros de pesquisa que dependem de sementes geneticamente modificadas para trabalhar. É o caso da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP. Depois de investir US$ 35 mil numa câmara fria especialmente concebida para armazenar uma delicada planta de laboratório, que só cresce em condições controladas de temperatura, abaixo de 22o., a instituição agora não tem a quem pedir autorização para poder importar sementes. "Temos competidores lá fora pesquisando. Enquanto isso, a gente fica parado", reclama o professor Márcio de Castro Silva Filho, chefe da equipe responsável pelo estudo de um grupo de hormônios vegetais.
Esse é mais um exemplo das dificuldades, políticas, legais e institucionais que o Brasil sempre enfrentou, ao longo de sua história, para crescer e se modernizar. A Lei de Biossegurança demorou longos sete anos para ser finalmente aprovada, em março deste ano, após uma longa batalha envolvendo ministros, pesquisadores, ambientalistas, religiosos e produtores rurais. A lei anterior, por ela revogada, também teve uma tramitação marcada por conflitos políticos, contestações religiosas e litígios judiciais, até entrar em vigor, em 1995.
O grave é que a crise no setor de biotecnologia agora não decorre nem de um confronto ideológico em torno da questão dos transgênicos nem de um debate sobre as implicações morais de pesquisas com células de embriões humanos. Ela se deve, basicamente, à incompetência dos atuais governantes. Após o mais difícil, que foi a obtenção de consenso quanto às diretrizes da Lei de Biossegurança, restava ao Executivo o trabalho mais fácil, de providenciar sua regulamentação.
No entanto, a minuta preparada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia parou na Casa Civil. Até o mês passado, ela ficou engavetada por causa da obsessão centralizadora de seu então chefe José Dirceu. Já sua sucessora, Dilma Rousseff, até hoje não decidiu se submeterá a minuta a uma consulta pública ou se convocará o Conselho Nacional de Biossegurança para apreciá-la, antes de enviá-la ao presidente da República. Enquanto o governo não decide o que fazer, a comunidade científica nacional permanece de mãos atadas, com graves prejuízos para toda a sociedade.

OESP, 27/08/2005, p. A3

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