VOLTAR

Cientistas cavam para tentar entender clima

FSP, Ciência, p. B9
23 de Ago de 2017

Cientistas cavam para tentar entender clima

PHILLIPPE WATANABE
DE SÃO PAULO

Parelheiros, na zona sul de São Paulo, guarda segredos das mudanças climáticas. É lá que cientistas estão literalmente cavando respostas.
Os pesquisadores perfuraram, no início deste mês, um buraco de 50 m de profundidade em meio à mata atlântica da região, esperando, com o solo coletado, compreender o último milhão de anos e se adiantar ao que está por vir.
Os cientistas pretendem, a partir da análise do material presente nos chamados "testemunhos de sedimentos", obter detalhes de como a biodiversidade da mata atlântica se comportou perante as mudanças climáticas.
A partir disso, será possível traçar modelos das prováveis reações da floresta às alterações do clima pelas quais o mundo passa atualmente.
O local escolhido para a perfuração foi a Cratera de Colônia, uma depressão de 3,6 km de diâmetro e 300 m de profundidade na qual, na linha do horizonte, ao invés de prédios paulistanos, há grandes árvores.
Dois milhões de anos atrás, a cratera era um lago -o que mudou há cerca de 120 mil anos. Isso possibilitou o acúmulo de sedimentos, no fundo do antigo corpo d'água. É esse o material buscado por pesquisadores da USP, Unicamp e do IRD (Instituto Francês de Pesquisa para o Desenvolvimento).
Após a coleta dos antiquíssimos sedimentos, é importante uma primeira e rápida análise. E foi aí que teve de haver jogo e cintura.
Os trabalhos foram realizados ao lado de uma horta, em uma casebre de chão de terra -sem acabamento e sem eletricidade.
"Olha que linda essa amostra!", diz Patrícia Roeser, pesquisadora do Cerege (centro europeu de pesquisas em geociências e ambiente) ao receber uma porção de terra recém-coletada. "Por sorte conseguimos essas quatro paredes e um teto, senão estaríamos embaixo de uma tenda e seria mais complicado."
Ela é a responsável pela análise, no laboratório improvisado, da atividade microbiana nos testemunhos e de uma primeira medida de gases-estufa.
Outra parte dos testemunhos foi levada para o Instituto de Energia e Ambiente da USP, onde passarão por um scanner -dentro do tudo plástico- que irá verificar as propriedades físicas da amostra.
A próxima parada do cilindro de terra é o IRD, na França. Lá, o testemunho será cortado ao meio e amostras serão retiradas e enviadas para laboratórios de outros países.
"Alguns pesquisadores irão estudar pólen [material resistente à degradação], outros irão analisar diatomáceas [tipo de alga], a composição química e magnética do solo, a geocronologia", diz André Sawakuchi, pesquisador da USP e um dos responsáveis pela pesquisa.
E aí será possível detalhar o tipo de vegetação e diversidade florística que havia no entorno, a quantidade de chuva e as temperaturas com o passar das centenas milênios. Com isso, será possível reconstruir a história da mata atlântica, diz o cientista.
"Queremos saber as respostas da floresta, no passado, aos aumentos e diminuições da concentração de gases do efeito estufa", afirma Marie-Pierre Ledru, pesquisadora do IRD. "O homem já mudou tudo na Terra: o mar, as florestas, o caminho dos rios. O desafio dos pesquisadores é conhecer o mundo que foi construído nas últimas décadas."
Mesmo sem a possibilidade de uma analogia direta entre as alterações passadas e as atuais, ter essa referência é importante. "O que está acontecendo aqui em décadas é muito mais intenso do que tudo que aconteceu em centenas de milhares de anos", diz Sawakuchi.
Em estudos paleoclimáticos, também costumam ser usados sedimentos marinhos e espeleotemas (depósitos minerais de cavernas).
A pesquisa, nomeada Tropicol (brincadeira com "floresta tropical" e "Cratera de Colônia"), faz parte do programa Climate Iniciative, da Fundação BNP Paribas, que apoia pesquisas sobre as mudanças climáticas.
O Tropicol e outros sete projetos receberão, ao todo, 6 milhões de euros para desenvolvimento de pesquisas.

CÁPSULA DO TEMPO
Com pólen, algas e sedimentos armazenados -por centenas de milhares de anos- em camadas profundas de solo, pesquisadores querem entender como mudanças no clima atingem a mata atlântica
PASSADO
Acumulação de sedimentos (detritos de rochas, plantas e algas) em lago
PRESENTE
O lago foi totalmente preenchido por sedimentos e se transformou em uma planície alagável, onde se formou turfa (sedimento orgânico formado pela acumulação de detritos de plantas)
EXPECTATIVA
Sedimentos coletados até os 50 m de profundidade devem representar os últimos 800 mil a 1 milhão de anos

FSP, 23/08/2017, Ciência, p. B9

http://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2017/08/1907402-cientistas-cavam-…

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.