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Cientistas apostam em antibiótico de vespa

FSP, Ciência, p. B6
21 de Ago de 2017

Cientistas apostam em antibiótico de vespa

GABRIEL ALVES
DE SÃO PAULO

Cientistas brasileiros estão olhando com carinho para a vespa Polybia dimorpha, que habita o cerrado brasileiro. Na receita do veneno do inseto há um ingrediente que pode estar parte da resposta para um dos problemas mais importantes de saúde global: a guerra contra as superbactérias.
Quando entra em contato com a célula bacteriana, esse ingrediente -um peptídeo, molécula que pode ser sintetizada quimicamente- fura a parede celular, causando dano estrutural grande o suficiente para matar os micróbios.
Sabendo desse potencial, pesquisadores do Instituto Butantan, da UnB e da Unesp resolveram investigar se o peptídeo -batizadao de polydim-1, em homenagem à vespa- seria eficaz contra bactérias resistentes a múltiplos antibióticos.
O mais provável é que a razão evolutiva para uma vespa desenvolver esse tipo de molécula não é o de matar as bactérias de sua presa, e sim destruir as próprias células da vítima. Felizmente, ao menos no caso da P. dimorpha, esse peptídeo parece não ser tão nocivo para mamíferos.
Para testar o potencial antissuperbactéria do polydim-1, foram usadas amostras provenientes de pacientes que tiveram infecções severas e que estavam armazenadas na biblioteca de microbiologia do Centro Universitário de Brasília (Uniceub). O resultado é animador, diz Marisa Rangel, do Butantan.
"Sem dúvida foi a molécula mais promissora com a qual eu trabalhei até agora. Observamos uma atividade especialmente grande em bactérias que apresentam mecanismos de resistência. "
Mesmo com o ótimo desempenho in vitro (e bons indicativos de testes anteriores in vivo), ainda não dá para comemorar. Até a molécula virar remédio, se isso realmente acontecer, outros fatores entrarão em jogo, como o interesse de indústria farmacêutica em bancar testes em seres humanos.
E há motivos para que isso não ocorra. Um deles é o custo para sintetizar uma molécula dessas, muito maior que aquele dos antibióticos clássicos -ou seja, uma única dose para humanos poderia custar milhares de reais.
Uma alternativa seria tentar simplificar a molécula, tirando alguns dos seus 22 aminoácidos, o que baratearia a síntese. Outra opção é mudar o processo de fabricação e usar fungos modificados geneticamente na produção.
Apesar das dificuldades, é uma briga que vale a pena, pelo menos de acordo com um apelo recente da Organização Mundial de Saúde. Em fevereiro, a entidade pediu que esse combate fosse uma prioridade.
Se um grupo de bactérias é exposto a um antibiótico, o esperado é que elas morram. Algumas, porém, encontram artifícios para sobreviver, apesar da condição desfavorável. Quando proliferam, as descendentes herdam essa característica, formando uma linhagem resistente.
O processo se repete com diferentes tipos de antibiótico e aparecem as bactérias multirresistentes. Daí a crítica ao uso indiscriminado e incorreto na criação de animais e em humanos, por exemplo.
"Perdi recentemente meu tio para uma infecção com duas bactérias multirresistentes. É uma história que se repete, você dá o coquetel de antibiótico, mas a pessoa não aguenta nem com o remédio nem com as bactérias -e a maioria morre e ninguém fala disso", diz a pesquisadora. "Nos últimos 40 anos só surgiram três novas classes de antibióticos. Estamos perdendo a guerra", lamenta.
HISTÓRIA
Uma das maiores descobertas da humanidade aconteceu na década de 1920, quando o escocês Alexander Fleming descobriu a penicilina, molécula produzida por fungos do gênero Penicillium.
Com esse conhecimento, passou a ser mais fácil tratar infecções bacterianas. Mas, conforme o uso de antibióticos crescia e outras moléculas eram adicionadas ao arsenal terapêutico, começaram a surgir linhagens de bactérias resistentes.
A penicilina foi disponibilizada comercialmente em 1943, mas desde 1940 já havia sido identificada uma linhagem de bactérias do gênero Staphylococcus resistente à droga. Mais de 70 anos depois, o panorama é mais ou menos o mesmo e, para cada antibiótico lançado, há pelo menos uma linhagem bacteriana resistente a ele.
O estudo de Marisa e colaboradores foi publicado na revista "Plos One".
ASSASSINO DE BACTÉRIAS
Cientistas estudam veneno de vespa que pode se tornar um poderoso antibiótico
ORIGEM
Ao estudar o veneno da vespa Polybia dimorpha, cientistas viram que ali poderia haver candidato a antibióticos. A 'culpada' é uma molécula batizada de polydim-I, em homenagem à vespa
FABRICAÇÃO
Como o veneno é composto por várias moléculas, os cientistas tiveram de produzi-la em pequena escala no laboratório em um processo de síntese química para fazer os testes
TESTE
Em laboratório, foram feitos testes com uma série de linhagens de bactérias resistentes a múltiplos antibióticos e a molécula teve performance superior a drogas convencionais
EXPLICAÇÃO
Segundo os pesquisadores, a molécula formaria uma espécie de buraco na membrana das bactérias, impedindo que ela mantenha suas funções e prolifere
SEGURANÇA
Já foram feitos testes com camundongos, mostrando que a droga, além de tratar infecções, aparentemente não faz mal para as células de mamíferos
PERSPECTIVA
A ideia dos pesquisadores é aperfeiçoar a molécula e seu método de síntese para que ela possa ser testada em humanos e combata as infecções hospitalares por bactérias multirresistentes

FSP, 21/08/2017, Ciência, p. B6

http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2017/08/1911262-brasileiros-aposta…

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