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Ciência no coração da floresta

OESP, Geral, p. A11
12 de Set de 2004

Ciência no coração da floresta
Dez anos depois de idealizado, Centro de Biotecnologia da Amazônia se movimenta

Eduardo Nunomura
Enviado especial

A maior motivação de qualquer cientista é fazer pesquisa.
Dar a ele um laboratório repleto de equipamentos modernos, reagentes, experimentos, equipes capacitadas e ter ao lado a companhia dos maiores especialistas em diferentes áreas é o mesmo que oferecer um doce a uma criança. Pois é essa a sensação que se tem ao conhecer o Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA) e os sete primeiros pesquisadores que iniciam agora uma das mais desafiadoras aventuras científicas em curso no País. Dez anos depois de ter sido idealizado, o centro dá seus primeiros passos com um só objetivo: fazer e promover a ciência no coração da maior floresta tropical do mundo.
Megalomaníaco, o CBA físico é um prédio de 12 mil metros quadrados localizado no Distrito Industrial de Manaus que custou R$ 14,5 milhões.
Espaço de sobra para os poucos que têm circulado por ele. Mas a montagem dos equipamentos de análises químicas, farmacológicas e bioquímicas, que custarão R$ 8,5 milhões, já está a pleno vapor, o que indica a quase irreversibilidade de seu projeto.
Na quarta-feira, um passo importante foi dado para povoar o centro. Dezenas de aspirantes a cientistas foram conhecer o CBA. Eles estão concorrendo às 72 bolsas para pesquisadores com formação em química, biologia, farmácia, medicina, veterinária, administração e economia, entre outras áreas. Serão os primeiros a ocupar as bancadas de dez laboratórios do centro.
É na futura geração de cientistas que os pesquisadores veteranos depositam suas maiores esperanças. Há 21 anos, António José Lapa visitou Manaus e como bom turista fez questão de conhecer o encontro das águas e sentir o frescor de um igarapé. Só que sua missão era formar especialistas em farmacologia, como conseguira em Cuiabá, São Luís e Maceió. "Na maior parte do Brasil, você bate o sininho e sempre encontrará pessoal interessado. Na Amazônia, você bate e eles não vêm. É por isso que voltei."
Nem abnegado nem idealista. Uma das maiores autoridades de farmacologia do País, Lapa se define como um realista. Ele sabe que o CBA vai tentar estreitar a intrincada relação entre o meio acadêmico e a iniciativa privada. Seria bem mais fácil se permanecesse no seu laboratório da Universidade Federal de São Paulo, encomendasse plantas e extratos amazônicos e desenvolvesse ali os estudos com a boa estrutura que já possui.
Mas isso faria que o CBA não atingisse outro de seus objetivos: formar uma massa crítica na Amazônia.
Casquinhas - O CBA nasce para desenvolver produtos amazônicos com certificação e validação científicas. Por isso, a equipe multidisciplinar de pesquisadores pretende valorizar muitos produtos vendidos indiscriminadamente com o rótulo "amazônico". Se isso for possível, estará aberto um amplo mercado para o bionegócio. "Queremos parar de vender casquinhas e folhinhas", resume o coordenador do centro, Imar César de Araújo.
Hoje, a biodiversidade brasileira é mal explorada. Quando muito vira perfume de grife que rende pouquíssimo para as comunidades produtoras. Ao mesmo tempo, a Amazônia é uma das mais investigadas pelos cientistas. Boa parte desse conhecimento se transforma em dissertações e teses que não raro acabam empoeiradas nas estantes das bibliotecas. "Precisamos começar a conhecer de fato a Amazônia. A única maneira de acabar com a biopirataria é sabermos como reunir esse conhecimento", diz Araújo.
Uma boa dica para fazer pesquisa na imensidão amazônica é seguir o conhecimento popular. Foi o que fez o empresário Evandro de Araújo Silva, dono da Pronatus do Amazonas, fabricante de cosméticos e suplementos alimentares. Desde menino, sua mãe lhe dava uma colher de mel com gotas de andiroba ou copaíba quando estava com dor de garganta. Agora, decidiu fazer que esse composto virasse um fitoterápico, o Mel para Tosse.
O produto não pode ser vendido como medicamento sem que antes uma série de testes comprove sua eficácia e segurança. Só com seus equipamentos, a Pronatus jamais conseguiria. A solução foi pedir ajuda ao centro. Se tivesse de recorrer a laboratórios do Sudeste, prática corrente de muitas empresas, gastaria uma fortuna. "O meu espectrofotômetro é um fusquinha. A central analítica do CBA é um ônibus espacial que vai ser pilotado por astronautas", compara Silva.
Já nas próximas semanas, outras quatro empresas vão trabalhar dentro do CBA na forma de incubação. A Vitaderm, uma empresa paulista de cosméticos, desenvolverá uma nova linha de produtos da Amazônia. A Infrutas, de Manaus, quer desenvolver um padrão de qualidade para exportar farinha e purê de bananas. A Palmital quer desenvolver extratos de camu-camu orgânico, já que as polpas da fruta acabam perdendo parte da vitamina C quando chegam aos mercados suíço e alemão. E a Traço quer ajuda para se tornar uma empresa certificadora de gado bovino.
Outra tentativa dos pesquisadores será desenvolver o selo CBA, uma padronização que garanta qualidade e segurança dos produtos amazônicos. Para fazer tudo isso, o CBA dependerá de uma rede de laboratórios associados. A idéia é somar os esforços da comunidade científica que já atua na região.
Universidades da Amazônia e de outros Estados e centros de pesquisa como Inpa, Museu Emílio Goeldi e Embrapa serão convidados a integrar essa rede.
O primeiro time de chefes de laboratórios é composto de pesquisadores seniores. O paulista Lapa tem 61 anos. O químico paulistano Massayoshi Yoshida, que chefiará uma das mais completas centrais analíticas do País, completou 65. Tetsuo Yamane, de 70, é paulistano e bioquímico com larga experiência nos Estados Unidos e na última década atuou no Instituto Butantã. Coordena o centro o mineiro Imar César de Araújo, de 65 anos, um engenheiro agrônomo. João Lúcio de Azevedo, de 67, é uma referência nacional em microbiologia.
Abertura - Mais de cem bolsistas, entre jovens graduados e doutores, vão compor a primeira fase do centro. No laboratório do ex-professor da USP Yoshida, os quatro bolsistas são do Amazonas. Com o CBA, criou-se pela primeira vez uma demanda por cursos de doutorado na Amazônia, permitindo a pessoas como a engenheira florestal Ângela Alves da Silva, de 24 anos, continuar seus estudos sem ter de migrar para outros Estados. "Não temos tantos doutores como no resto do Brasil, mas com os pesquisadores que estão vindo poderemos nos formar aqui mesmo."
Por enquanto, o que os pioneiros do CBA mais terão de ter é paciência.
Insumos básicos para a pesquisa, por exemplo, não são encontrados facilmente em Manaus. Lapa terá de esperar 45 dias para receber o carbogênio, produzido em São Paulo. Mistura de oxigênio com gás carbônico, ele é necessário para manter vivo um órgão de um animal em meio apropriado numa cuba. Na semana passada, o farmacólogo teve outra preocupação. Os ratos que formarão o biotério demoraram mais de três horas na alfândega. Problemas com o frete.
Parte das dificuldades remete à criação do centro. Em 1994, recém-chegado dos Estados Unidos, Yamane convidou Yoshida, um amigo de infância, para criar o Laboratório de Ecologia Molecular, reunindo pesquisadores brasileiros e estrangeiros. A idéia foi encampada pelo governo federal, que criou o Programa Brasileiro de Ecologia Molecular para Uso Sustentável da Biodiversidade da Amazônia (Probem), mas descartando os estrangeiros. "Aqui no Brasil, se você pedir R$ 1 milhão para um projeto, não sai. Se pedir R$ 100 milhões, sai", resume Yoshida.
Daí surgiu o CBA, quatro anos mais tarde e com toda sorte de interferências políticas. Hoje, três ministérios gravitam sobre o centro, o do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), o da Ciência e Tecnologia e o do Meio Ambiente. Formalmente, está ligado à Suframa, uma autarquia do MDIC.
Por causa dessa confusa organização, toda a boa intenção do projeto corre sérios riscos. Como ainda está preso ao governo, tem pouca agilidade para obter e aplicar recursos, que de 1998 até agora foram de R$ 40 milhões e em 2005 serão de R$ 11 milhões.
Por ser uma vitrine com muito potencial, o centro conseguiu reunir renomados cientistas nesta fase inicial. Mas são eles mesmos que clamam por um plano de gestão para o CBA, sob risco de ele virar, no futuro, mais um projeto empoeirado.

Amazônia é tema de feira

Criar um ambiente favorável aos produtos amazônicos é um dos maiores desafios do Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA). Depois das idas e vindas para sua criação, o início de suas atividades ocorre justamente com a abertura da segunda edição da Feira Internacional da Amazônia (Fiam), que vai de quarta-feira a sábado. Está prevista a presença dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Hugo Chávez, da Venezuela, e de ministros brasileiros.
Com 245 expositores, a feira procura vender a Amazônia com ênfase nos negócios que podem ser gerados na região. "Estamos crescendo e nos últimos quatro meses os índices da Zona Franca de Manaus foram decisivos no crescimento das exportações", diz Jorge Vasques, coordenador-geral da Fiam.
Desta vez, os visitantes da feira conhecerão também as novas oportunidades no setor de biotecnologia, fármacos e cosméticos. "A criação do CBA ajuda, pois é mais um elo nessa cadeia de agregar valores aos nossos produtos amazônicos."
O Amazonas arrecada 65% dos impostos federais da Região Norte e no ano passado sua produção gerou recursos da ordem de R$ 11 bilhões. Desse total, R$ 1,3 bilhão foi exportado e o restante acabou consumido no País. (E.N.)

Fundação contrata bolsistas

O Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA) vem recorrendo à recém-criada Fundação de Amparo à Pesquisa do Amazonas (Fapeam) para recrutar os bolsistas que vão tocar os projetos dos seus laboratórios. Para o diretor-presidente da fundação, José Aldemir de Oliveira, o início das atividades do CBA estimulará ainda mais o surgimento de uma massa crítica na região, fundamental para desenvolver a ciência no Estado.
"Por essa razão, todos os projetos que envolvam o CBA terão garantia de bolsas pela Fapeam", afirma Oliveira. O primeiro convênio, contudo, terá poucos recursos da fundação. A maior parte do dinheiro que pagará as bolsas, cerca de R$ 4,5 milhões, será custeado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, que repassará o valor para a Fapeam pagar os bolsistas.
A Fapeam, que iniciou as atividades em 2003, deve gastar neste ano até R$ 46 milhões para o fomento de pesquisas e oferecimento de bolsas. É um recurso a mais para os cientistas do Amazonas. "Mas não queremos substituir os recursos federais. Vamos investir em áreas estratégicas", diz Oliveira.
Antes da Fapeam, muitos pesquisadores nem sequer podiam pensar em viajar para o exterior para participar de congressos e intercâmbios. (E.N.)

OESP, 12/09/2004, Geral, p. A11

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