VOLTAR

Cidadania pela arte: livro mostra como atua o Artesanato Solidario

GM, Fim de Semana, p. 5
28 de Nov de 2003

Cidadania pela arte

Bordar, trançar, moldar. Estes verbos remetem a atividades ancestrais cultivadas por um longo tempo como uma herança valiosa transmitida de pais para filhos. Um legado de técnicas que, para muitos, deixou de ter importância e, em muitos casos, parece fadado a desaparecer. E isso mesmo no Brasil, onde a riqueza do artesanato é lendária. Mas é também aqui que alguns programas, como o Artesanato Solidário, resgatam e garantem a preservação desse conhecimento, ao mesmo tempo em que cumprem um outro papel: contribuem para a geração de renda em comunidades pobres de várias regiões do País.

A forma como esse trabalho se desenvolve é o tema de "Da Sede ao Pote" (144 págs., R$ 40, livro institucional do Artesanato Solidário, lançado ontem no Museu da Casa Brasileira (MCB). O público também conhecerá um pouco mais do projeto com uma exposição que leva o mesmo título da obra, também apresentada no MCB com cerca de 20 tipos de objetos de artesãos de várias localidades.

O programa nasceu no âmbito do Conselho da Comunidade Solidária, em 1998 e, desde 2002, é vinculado a Comunitas: Parcerias para o Desenvolvimento Solidário, Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), presidida por Ruth Cardoso. O trabalho realizado envolve entidades do terceiro setor e especialistas que atuam em conjunto para resgatar manifestações da cultura local que podem ser transformadas em fonte de renda. Toda a ação envolve também atividades que visam valorizar a identidade cultural das localidades atendidas, para que, como diz Ruth Cardoso no texto de apresentação do livro, "suas populações se orgulhem da produção".O livro deixa claro que os resultado do Artesanato Solidário superaram o objetivo inicial de geração de renda. Os artesãos vivenciaram mudanças profundas nas suas relações sociais e familiares, suscitadas sobretudo pela descoberta da auto-estima. A frase de uma das artesãs, Luci Soares, reflete bem isso: "O meu marido ficava reclamando quando eu fazia uma prestação, que eu pegava um dinheiro dele. Ave Maria! Era um Deus-nos-acuda... Agora eu digo assim, eu também grito aqui também, que eu tenho o meu dinheiro".

Por isso, "Da Sede ao Pote" pode ser descrito não apenas como uma obra escrita para explicar uma metodologia de trabalho, pois mostra parte do método envolvido no processo. É também um livro que mostra que no centro de tudo está a vivência dos artesãos.

Hoje são 3 mil pessoas atendidas em 68 municípios de 15 estados brasileiros. Desse universo, o livro recorta algumas experiências marcantes, tantos dos profissionais envolvidos, quanto dos homens e mulheres que tiveram suas vidas modificadas pela chegada do programa. Afinal, o reconhecimento de um tipo de artesanato passível de ser explorado é apenas um ponto de partida. É preciso esforço das duas partes para que o projeto floresça. Os profissionais envolvidos sabem que terão que lidar em cada região com problemas diversos, até mesmo a desconfiança das populações, acostumadas ao esquecimento. Mas, há outras questões, como produtos mal-acabados, comunidade desorganizadas, tradições degradadas e, claro, a pobreza.

São muitos os desafios. É preciso respeitar crenças e tradições, mas é preciso ter sensibilidade para sugerir mudanças, o que muitas vezes é necessário, para que os produtos se tornem mais atraentes para o mercado, tanto o interno quanto o externo.

Além disso, o programa incentiva a mobilização da comunidade e o trabalho coletivo. Unidos, eles aprendem, por exemplo, a organizar a produção, gerenciar o dinheiro, investir em equipamentos e consolidar laços comerciais. Já conscientes de sua condição de cidadãos, eles se tornam aptos a caminhar sozinhos e descobrem, na prática, o significado e a importância da autonomia.

GM, 28-30/11/2003, Fim de Semana, p. 5

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.