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Choque de realidade

O Globo, Opinião, p. 7
Autor: NEVES, Aécio
29 de Abr de 2007

Choque de realidade

Aécio Neves

Na pauta dos mais sérios e dramáticos desafios mundiais, os dados constantes do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, recentemente divulgados pela ONU, colocaram aos olhos do planeta a gravidade do aquecimento global e da interferência das ações humanas no seu agravamento. Bem sabemos que esses sinais de alerta, por sua dimensão, não podem ser enfrentados por um só país, por mais influente e desenvolvido que seja, mas demandam uma nova governança ambiental global, solidificada em cooperação e compromissos.

Entramos no 3o milênio redescobrindo ensinamentos que, prejudicados pela indiferença quanto aos temas relacionados ao meio ambiente, jamais deveriam ter sido negligenciados. Entre eles, a lição crucial de que nunca será possível construir uma civilização apartada da natureza. E a conseqüência desse e de tantos outros equívocos é que vivemos agora um daqueles períodos únicos da história humana, nos quais somos postos em xeque e sacudidos pelo duro e impiedoso choque da realidade.

Neste momento em que participamos em Nova York do Fórum de Desenvolvimento Sustentável 2007, realizado pela Associação das Nações Unidas Brasil (Anubra), pedagógico seria lançarmos um olhar retrospectivo à Rio-92. Em um ambiente altamente promissor, no transcurso daquela conferência eram assinados acordos e compromissos inéditos no campo do meio ambiente, bastando citar a Convenção de Mudanças Climáticas, que resultaria no Protocolo de Kyoto, a Agenda 21 ou a Convenção sobre Desertificação.

As nações acordavam para um novo posicionamento de abrangência global em relação ao meio ambiente, sabedoras de que este tema - e a cooperação internacional por ele exigida - ultrapassava as fronteiras nacionais e pedia a introdução de novos paradigmas no relacionamento entre países. E embora tantos outros compromissos tenham sido depois assumidos e tantos avanços tenham sido obtidos no campo da sustentabilidade, aquele clima generoso verificado na Rio-92 pouco a pouco perdeu força e se arrefeceu, lamentavelmente.

É urgente e imperativo o revigoramento do espírito da Rio-92, pois os alertas contidos no relatório da ONU exigem de todos nós, sem hesitações e demora, novas condutas e formas de promover o desenvolvimento e a proteção do meio ambiente, a partir de um modelo verdadeiramente sustentável. Nessa direção, já apontam bem-sucedidas experiências de alguns setores da produção econômica ou a inclusão da dimensão ambiental no planejamento estratégico e na formulação das políticas públicas de vários países.

Isto significa dizer produção mais limpa, tecnologias poupadoras de recursos naturais, reestruturação da matriz energética em escala global - o etanol e o biodiesel são apenas alguns exemplos - e consumo consciente. Significa ainda assentar os fundamentos de um novo modelo de governança ambiental global, capaz de oferecer respostas rápidas e aglutinar os esforços da comunidade internacional em torno de propostas concretas, proporcionais à magnitude dos nossos desafios ambientais.

Essencial, nesse contexto, é a criação da Organização Mundial do Meio Ambiente, desde que seja a partir de um modelo de cooperação multilateral que, por exemplo, dê aos países emergentes e em vias de desenvolvimento condições adequadas para sua inserção nessa nova economia. Uma economia, vale dizer, construída como alternativa ao modelo de desenvolvimento predatório e autofágico, que faz uso insustentável dos recursos naturais e destrói as chances da prosperidade futura. Em uma palavra, destrói a vida.

O Globo, 29/04/2007, Opinião, p. 7

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