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Choque Cultural pode exterminar Avá-Canoeiro

Jornal do Tocantins-Palmas-TO
Autor: Jorge Gouveia
08 de Jul de 2001

Perseguidos e massacrados desde 1724, quando o bandeirante Bartolomeu Bueno, o Anhanguera, começou a desbravar a região de Goiás, os índios Avá-Canoeiro estão em processo aberto de extinção. Dos milhares de nômades que perambulavam pela região próxima aos rios Araguaia e Tocantins, restam pouco mais de uma dezena de descendentes legítimos. Todos são parentes entre sí e, como a reprodução entre parentes é proibida por sua cultura, os índios estão se miscigenando com outras tribos. No Tocantins estão se misturando aos Javaés e Tuxás. Isso está fazendo com que percam sua cultura legítima. Além do processo de aculturação, os descendentes dos cara pretas também convivem com o alcoolismo. A degradação da cultura índigena no Brasil tem uma de suas vertentes na aldeia Canoanã, na Ilha do Bananal, que abrange os estados do Tocantins, Goiás e Mato Grosso. Lá vive a velha índia Tatxia Avá-Canoeiro, uma dos três últimos remanescentes dessa tribo em território tocantinense. Ela não fala português, nem o Javaé da aldeia onde vive. Também não quer mais contar histórias de seu passado, marcado pela dizimimação dos Avá-Canoeiro. Uma pena, pois na aldeia vivem seus filhos, netos e bisnetos. Na última segunda-feira, quando a equipe do Jornal do Tocantins visitou a aldeia, foi possível perceber que a velha Tatxia pode morrer muito longe da preservação de cultura. Apoiada em seu cajado, ela cantarolou uma música de um rádio alto, companheiro dos jovens Javaés: - Tchu-Tchuca Talvez ela estivesse assimilando alguma cantiga dos antepassados ou mesmo seria uma simples manifestação fonética. Nem a filha Kawkama Avá-Canoeiro que a acompanha, sabe responder. O fato é que o carioquíssimo Bonde do Tigrão já chegou a aldeia Canoanã. A globalização chegou a taba que está em processo aberto de extinção cultural. Não bastasse essa premissa de aculturação, os Avá-canoeiro, que não podem mais se reproduzir entre si, pois sua cultura proíbe o casamento entre parentes, estão se misturando aos Javaés. Para surpresa da equipe do Jornal do Tocantins, eles se misturaram também com os Tuxás, do oeste da Bahia, que na mesma situação dos Avá, também estão morando na aldeia Javaé e se casando com os índios daquela tribo. Ao todo, na Canoanã, existem três Avá legítimos: a matriarca Tatxia Avá-Canoeiro, sua filha Kawkama Avá-Canoeiro e o irmão de Kawkama. Potikaw Ava-Canoeiro e outros três descendentes são casados com Javaés, inclusive já tem filhos, que por sua vez usarão os sobrenomes das duas tribos como a recém nascida Terpwire Avá-Canoeiro Javaé, de apenas três meses. Guerreiros do passadoCara-pretas, como são chamados pelos Javaés, os Avá-Canoeiro têm uma história adversa. Segundo a própria Funai, existe a hipótese que seriam descendentes de negros e índios Carijós que fugiam da expedição de Bartolomeu Bueno nos idos de 1724. Sempre preferiram as margens do rio Tocantins desde Goiás até o novo Estado, fixando-se em ilhas e às margens dos afluentes desse rio. Todas as histórias dos Avá são marcadas por massacres e fugas com a penetração dos desbravadores do território goiano, que colonizaram suas terras. Isso provocou quase a extinção da tribo, que sempre guerreou com os Javaé, Caiapós e Xavantes. Fugindo para manter sua sobrevivência física e cultural, nunca aceitaram ser subjulgados e, ainda hoje, apesar dos casamentos e de não demonstrar claramente isso, ainda são relegados a planos inferiores na aldeia Javaé. Do passado, informações de pessoas residentes entre as cidades de Formoso do Araguaia (TO) e Uruaçu (GO), dão conta de um grande massacre aos Avá-canoeiro, dessa vez, provocado por fazendeiros que investiam contra as aldeias entre os anos de 1927 e 1930. SAIBA MAIS¤ Tribo: Avá-Canoeiro, também conhecidos como Caras-pretas"¤ Histórico: Povos nômades, eram mais 3,2 mil, que foram mortos ou por bandeirantes, fazendeiros ou por tribos rivais. Hoje se resumem a cerca de 14 indivíduos contactados¤ No Tocantins: Existem três legítimos e seis mestiços com Javaé¤ Localização da aldeia: Estão na Aldeia Canoanã, a 30 quilômetros de Formoso do Araguaia e a 323 quilômetros de Palmas Tribo ficou perambulando na mata até 1971 Canoanã - Após uma série de massacres, os Avá-Canoeiro se embrenharam na selva e desapareceram por décadas. Em 1971 a Funai contactou os Aváa nas regiões da bacia do Araguaia e outra na do Tocantins. No Araguaia o órgão fez contato com um grupo que habitava as margens do rio. Eles tinham como região de perambulação uma área entre os rios Javaé e Formoso, com extensão de 300 quilômetros de comprimento e 5 a 10 quilômetros de largura. Dos 12 indivíduos localizados na área da Mata Azul, apenas um grupo de seis pessoas aceitou o contato e foram transferidos para a aldeia Canoanã, na Ilha do Bananal, pertencente aos índios Javaés, inimigos históricos dos Cara Pretas. Até hoje eles os discriminam, apesar de estarem casando entre sí. No rio Tocantins, os Avás, se dividem em quatro grupos, segundo a Funai, sendo um deles constituído por um homem, três mulheres e duas crianças. Há noticias de mais três grupos, um deles estaria nas serras próximas ao rio Maranhão. Outro grupo estaria na fronteira de Minas Gerais com a Bahia. Ao todo cerca de 14 descendentes puros foram contactados até agora pela Funai. Segundo o indigenista Leônidas Pereira do Vale, da Fundação Nacional do Índio de Gurupi, os Avá-canoeiro foram contactados primeiramente pelo indigenista Apoena Meireles, que na ocasião achou por bem colocá-los em Canoanã, junto com os Javaés, uma vez que ali já existia um posto da Funai. Leônidas explica que a Funai não interfere na cultura dos índios e até cerca de dez anos atrás os Avás abatiam gado na região e deixavam às vezes um quarto do animal para trás e a Funai é quem tinha a obrigação de arcar com as despesas, mas hoje, eles já não fazem mais isso. Convivendo com índios desde os anos 70, Leônidas reconhece que os Avás não vivem dentro de seus padrões naturais. Ele explica porém que no caso dos Tuxás, são mais desenvolvidos, pois são agricultores, mas na ilha, estão também um pouco isolados. Leônidas informa que os Javaés, por serem mais aculturados, donos das terras e em número maior, se sobressaem sobre os Avás e os Tuxás. (J.G.) Doenças também preocupam Canoanã - Sobrevivendo em condições extremas, os Avá-canoeiro da Ilha do Bananal relatam uma história de morte por contaminação de doença dos brancos. De acordo com Kakawma, seu irmão Potikaw Avá-Canoeiro, morreu doente em Goiânia. Ele se casou com mulher branca e ficou doente, morreu no Goiânia, explica a índia que além de dois filhos mestiços com os Javaés, agora é mãe de mais três crianças com um índio Tuxá. Ela não sabe explicar que tipo de doença vitimou seu irmão, mas vê com tristeza o relacionamento dele com relação à mulher branca que teria transmitido a doença. Segundo os próprios índios Javaé, existe na aldeia um posto médico onde são tratados por enfermeiras que cuidam deles na doença. Na casa de Tatxia, a matriarca dos Avá-canoeiro da aldeia, pode observar alguns frascos de remédios próximos ao filtro de água. Porém, os índios não sabem precisar se as visitas de médicos são rotineiras em Canoanã. (J.G.) Alcoolismo é problema sério Canoanã - O rio é limpo, cheio de peixes e aves típicas da região. Na pequena cachoeira, a espuma branca faz contraste com o azul das águas do Javaé, enquanto os mergulhões em vôos súbitos e perpendiculares, retiram da água o seu sustento, os peixes. Um índio Javaé, pesca com sua rede vários tipos de peixes, somando uma pequena fartura. Mas no meio do rio, bóia uma garrafa de aguardente de Caninha 51, a preferida na aldeia. O problema vem aumentando, segundo narrativa de alguns freqüentadores da aldeia Canoanã. Nosso anfitrião, indentificado como Antônio, mestiço de negro e índio, passa maior parte de sua vida na Canoanã e relata que quando sai com Davi, um Avá mestiço com Javaé, chegam a ingerir até 5 litros da tal cachaça. Ele conta até uma briga, entre Davi e sua esposa, talvez em função da bebida, mas acrescenta que no outro dia tudo fica bem, pois o cacique Terrambi Javaé não permite brigas. Quanto a bebida que abrange tanto os Javaés quanto os Avás, o indigenista Leônidas Pereira do Vale acrescenta que somente quando a lei que proíbe a venda de bebidas alcóolicas aos indígenas for aplicada com rigor é que cessará o alcoolismo nas aldeias. Muitas vezes os brancos, para adquirirem algum benefício das tribos, oferecem a bebida ou mesmo vendem. De nossa parte nós buscamos esclarece-los sobre o assunto, inclusive passando vídeos e levando palestras, mostrando a eles que a bebida pode causar problemas sérios em suas famílias, conta o indigenista, que trabalha há 27 anos na Funai. (J.G.) Arco e flexa sobrevivem Canoanã - Especialistas em flexas, os Avá-Canoeiro fabricam-nas com materiais diversos que vão desde as pontas de madeira cilíndrica, variando de 6 a 10 centímetros, que segundo alguns especialistas servem para abater aves de pequeno porte. Flexas para caçar também animais de pequeno porte são feitas de madeira. Eles também fabricam flexas com pontas de facas mais trabalhadas para outros tipos de uso, inclusive para abater gado. Os Avá-canoeiro não possuem indumentária e entre eles não existe a divisão sexual do trabalho, embora a caça e fabricação de flexas são exclusivas dos homens. Na alimentação comem pequi cozido com carne. Também apreciam o mel e, do gado, aproveitam tudo. No caso das flexas, na aldeia Canoanã, o patriarca Twtaw Avá-Canoeiro, que no momento está na Aldeia Boto velho, teria desferido uma flexada no genro Gildo Leôncio Tuxá, que tem três filhos com Kakawma, filha de Twtaw. Segundo os moradores, Gildo teria ficado bastante ferido, mas já se recuperou.

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