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Cheio de planos

CB, Brasil, p. 10
Autor: MEIRA, Márcio Augusto de
16 de Abr de 2007

Cheio de planos
Novo presidente da Funai assume o cargo prometendo tirar Conselho de Política Indigenista do papel

Entrevista: Márcio Augusto Meira

Hércules Barros
Da equipe do Correio

Há menos de um mês à frente da presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai), o paraense Márcio Augusto de Meira, 43 anos, anunciou a participação dos índios na definição da política indigenista e quer prioridade na integração da articulação de políticas entre o órgão e outras esferas da administração federal. Seu trabalho será grande se quiser levar tais mudanças adiante. Com pouco mais de 2 mil funcionários e uma população estimada em 700 mil pessoas, distribuída em 13% das terras indígenas reconhecidas oficialmente pelo governo. Além da falta de pessoal, Márcio terá que convencer os funcionários que vale a pena trabalhar por um salário que gira em torno de R$ 1,5 mil, enquanto a média, em outros órgãos federais, como o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, é de R$ 3 mil.

Para reverter o quadro, ele pretende retomar a discussão do plano de cargos e salários dos servidores da Funai, equiparando-os aos dos funcionários do Ibama e aos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O último concurso, em 2004, mostra um quadro grave. Dos 70 aprovados, mais de 50 já deixaram o órgão. "A Funai está diminuída no seu corpo institucional e na sua imagem. Não pode ser vista como uma instituição problema", reconhece.

Meira acredita que o governo deve instalar a Comissão Nacional de Política Indigenista até a próxima quinta-feira, 19 de abril, Dia do Índio. Criada em março de 2006, a comissão era para ter sido indicada em maio passado, mas faltou consenso em relação às indicações por parte dos movimentos indígenas.

Antropólogo de formação, Meira aposta nos trabalhos de campo realizados entre 1980 e 1990 para fazer a mediação com as diferentes etnias e conquistar a confiança dos índios. Em 1993, Meira pesquisou o povo Warekena, da região do Rio Xié, um dos afluentes do Negro, no Amazonas. Ainda na década de 1990, participou da elaboração de laudos antropológicos sobre as terras indígenas do Baixo Rio Negro, além de ter participado da demarcação das terras indígenas do Médio Rio Negro (1996).

Qual a expectativa do senhor?

Precisamos coordenar e articular as ações do Estado voltadas para os povos indígenas. Fazer a mediação entre o governo e os índios. A instalação da Comissão Nacional de Política Indigenista é necessária e urgente, mas é um processo e não se constrói do dia para a noite.

É seu primeiro trabalho ligado diretamente à política indígena?

Trabalhei com os índios uma boa parte da minha vida. Fui membro de um grupo de trabalho da Funai, na década de 90, que participou da identificação de terras indígenas no Alto Rio Negro, no Amazonas. A minha vida foi marcada pelo posicionamento sempre ao lado dos índios. Quando estamos na atividade social, fora do governo, é uma situação diferente de quando se é governo, mas certamente não vou mudar de lado.

O Brasil tem 13% do seu território demarcado como reservas indígenas, um feito reconhecido internacionalmente. Mas, existe o conflito agrário, a invasão de osseiros e garimpeiros. A Funai precisa de ajuda das Forças Armadas para garantir a demarcação?

A Funai precisa ter atuação conjunta com o Incra, Ibama e Ministério da Defesa. Nas terras indígenas nas fronteiras do Brasil, a Defesa tem um papel importante. A Funai tem que aprimorar a articulação de ações de governo e garantir que o Estado possa cuidar das terras indígenas, que são patrimônio da União. Essas instituições têm que ter equivalência da responsabilidade com os servidores.

Não existe hoje atuação conjunta da Funai com a Defesa, o Ibama e Incra?

Existe, mas precisamos avançar na integração das ações de governo. Eu citei o Incra e Ibama, mas vale para todos os órgãos federais. Como se pensar uma ação cultural para os povos indígenas sem pensar nos ministérios da Cultura ou da Educação? As políticas públicas não precisam ser necessariamente executadas pela Funai, mas o órgão tem que ter papel protagonista. Não podemos dar esse salto sem valorizar a instituição. A Funai está diminuída no seu corpo institucional e na sua imagem. Não pode ser vista como uma instituição problema.

No Espírito Santo, a Funai identificou terras indígenas hoje ocupadas pela Aracruz Celulose, mas o ex-ministro da Justiça
Márcio Thomas Bastos não assinou o processo para o início da demarcação.

A Funai está providenciando diligência em relação a esse caso. Vamos nos pronunciar quando as diligências estiverem prontas. Certamente vou garantir e encaminhar para o ministério o que é fruto de decisão apurada sobre os direitos dos índios.

Mas o Ministério da Justiça devolveu o processo, pedindo que a Funai fizesse adequação aos interesses das partes. Vai haver mudança no que foi decidido?

De jeito nenhum. A Funai será sempre do lado dos índios e do que é direito indígena. Se a Aracruz Celulose defende direitos, a Funai defende o direito dos índios. Temos de respeitar o rito jurídico previsto em lei, mas vamos cumprir o papel que cabe à Funai nesse processo. Como diz a Constituição.

Então as novas diligências não alterarão os estudos feitos pela Funai para a área?

Os técnicos (da Funai) estão orientados a fazer o serviço justo, correto e consistente para que não paire qualquer dúvida sobre o procedimento administrativo que está sendo feito.

A Funai consegue fazer valer e marcar a sua posição?

A questão não é se consegue ou não. A Funai tem uma atribuição legal e tem de cumpri-la. Se por acaso as partes envolvidas acharem que não foram respeitadas, a Justiça está aí para isso. O próprio Ministério Público Federal tem um papel importantíssimo na garantia dos direitos indígenas. E cada um tem que cumprir a sua função.

Os movimentos indigenistas cobram da Funai uma atuação mais incisiva. As ONGs atrapalham mais do que ajudam?
Cada um tem que cumprir o seu
papel. A Funai, como órgão do Estado, tem atribuição legal de cuidar dos direitos dos índios. Cabe à sociedade, e às ONGs, que são parte da sociedade civil brasileira, e o próprio movimento indígena, cumprirem o seus papéis.

O governo vai enviar ao Congresso um projeto de lei para regulamentar a mineração em terras indígenas e evitar conflitos como o que ocorreu com os Cinta-Larga e resultou na morte de 29 garimpeiros em 2004. A proposta controla ou pode acirrar os conflitos?

Qualquer tipo de pactuação pode e deve ser estabelecida. Estamos há muito tempo sem uma legislação infraconstitucional que regulamente essa questão. O descontrole é decorrente da ausência de lei. É uma medida necessária. A Funai pretende solicitar vistas para que a gente possa analisar com cuidado as proposições, antes de encaminhar ao Congresso.

O Brasil tem ajudado a preservar a cultura indígena?

A relação sempre foi de violência e imposição ideológica avassaladora. Mesmo assim, os povos indígenas sempre tiveram papel de sujeito da história e graças a isso estão aí. Vários grupos têm projetos que precisam ser impulsionados. É preciso avançar na criação de escolas indígenas e na educação diferenciada.

O antiindigenismo está acentuado na sociedade?

De acordo com pesquisa do Ibope, encomendada pela ONG Instituto de Socio-Ambiental (ISA), a maior parte da população brasileira percebe que os índios têm direito à terra. É uma posição positiva, mas é claro que ainda tem gente com visão preconceituosa.

A atenção dos brasileiros aos índios não está só no discurso?

Acho que a questão é subjetiva. Varia de acordo com o território, a classe social e a região. Estamos falando de um segmento da pluralidade brasileira. São 700 mil (indígenas) brasileiros diferentes, vindos de 222 povos e falando 180 línguas. Devemos o máximo possível coibir a violência contra qualquer grupo que esteja sendo discriminado.

A cultura indígena sofre interferência , como o consumo de álcool,drogas e alimentação não balanceada. O que fazer para amenizar o impacto?

De acordo com o último censo do IBGE, houve um processo de urbanização indígena muito grande no Brasil. O Estado não pode mais achar que tratar a questão indígena é apenas cuidar dos 13% de áreas demarcadas. A questão ultrapassa o território tradicional. Vou procurar o IBGE porque acho que a gente pode evoluir no sentido de melhorar o censo indígena.

CB, 16/04/2007, Brasil, p. 10

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