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Chega de apito e colar esquisito

A Crítica (AM) - http://acritica.uol.com.br/blogs/bl
04 de Jul de 2012

Ao invés de presentinhos simplórios e "programas", indígenas cujos territórios serão atingidos por grandes obras exigem compensações mais consistentes

Durante a programação paralela da Rio+20, um grupo de teatro tentou ser engraçado ao "homenagear" os indígenas que estavam na Cúpula dos Povos. A suposta deferência foi algo tão risível quanto anacrônico e desrespeitoso: enfeitar a cabeça com umas penas, pintar a cara com tinta e sair cantando a marchinha de carnaval "Índio Quer Apito" pelo Aterro do Flamengo.

Os atores, todos animadinhos, lá pelas tantas, foram interceptados por um indígena enfezado com essa história e levaram um merecido ralho. "Você tá zombando da nossa cara? Não gostei porque sou índio e não quero apito. Quando ouço essa música eu acho um desrespeito", falou o pataxó para todo mundo ouvir.

Apito, espelho, miçanga, facão, etc, estão entre os inúmeros "presentes" que ao longo de mais de 500 anos são entregues de presentes aos índios, como uma manifestação bem intencionada de quem acaba de chegar na casa de alguém estranho, mas já com segundas intenções na cabeça.

Facão, aliás, era um produto muito comum usado no processo de pacificação (leia-se, expulsão de suas terras) do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), órgão indigenista anterior à Fundação Nacional do Índio (Funai). A imagem de um facão (ou terçado, como a gente fala aqui no Amazonas) nas mãos da índia caiapó Tuíra gerou todo uma repercussão uns anos atrás. Muita gente saiu se perguntando se "facão fazia parte da cultura dos caiapó".

Na mentalidade dos invasores, basta dar um presentinho sem valor econômico, coisa boba, que não vai trazer prejuízo algum para si, que os índios ficam alegres e contentes e desistem de fazer barulho.

Ou então, como vem acontecendo nas últimas décadas, após a profusão de obras (a maioria delas sem consulta aos indígenas) nas TIs, ficou meio na moda elaborar "Programas". É programa de capacitação para cá, programa de gestão para lá. Oficinas para ensinar a fazer isto, a fazer aquilo, etc. etc. E os indígenas ficam observando os "brancos" lhe ensinarem as coisas. E, pelo que eu saiba, são poucas dessas tais ações efetivadas na prática.

Ocorre que as coisas estão mudando. Pelo menos para os indígenas atingidos pelos impactos da Hidrelétrica Belo Monte. E assustando também. Alguém começa a pensar: "Como assim esses índios agora deram de pedir objetos? Para que ter carro, picapes, torres de telefone? Deixaram de ser índios"?

Pois foi exatamente isto que os indígenas pediram na Norte Energia, consórcio responsável pelas obras de Belo Monte. A lista, mais objetiva impossível, foi divulgada na semana passada, em uma matéria do Valor Econômico, e pode ser acessada neste link: http://www.valor.com.br/sites/default/files/gn/12/06/arte27emp-101-indi….

Imagino a reação de quem viu esta lista. Muitos "Ohs!". Mas eles não são índios? Por que querem tudo isso? Uma das lideranças falou que os impactos serão imensos e que eles inviabilizarão a circulação dos indígenas pelos rios.

Como os indígenas foram muito articulados, fluentes e objetivos nas suas reivindicações e não quiseram nem conversa com mais um "programa" de compensação e mitigação, não foram poucas as objeções. A própria Norte Energia deve ter se assustado. Pelo que soube, o consórcio vetou o pedido, mas não duvido que esta história ainda vai ter desdobramentos.

Este artigo vai ter uma continuação. Abordará o discurso da "naturalização da cultura" tão defendida por quem ainda se surpreende com "índio que usa celular e tem carrão".

http://acritica.uol.com.br/blogs/blog_da_elaize_farias/Chega-apito-cola…

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