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Chamem os antropólogos, urgente!

Dourados News-Dourados-MS
Autor: Paulo Rocaro
16 de Mar de 2004

Na década de 90 eu tive oportunidade de entrevistar o antropólogo Rubens Thomaz de Almeida, que estava na região do Campestre, no município de Antônio João, fazendo levantamentos da área denominada Marangatu, que está em litígio desde 1998 e fiquei admirado do conhecimento que esse cidadão tinha sobre a nação guarani, sobre os kaiowá e a respeito de seus costumes.

Conversamos mais de uma hora sobre seu trabalho e convicções a respeito da questão indígena, já que ele, como prestador de serviços para a Funai, defendia enfaticamente a demarcação de terras para os índios e seu imediato afastamento das comunidades brancas, como forma de preservar costumes e coisas desse tipo. Disse que o guarani-kaiowá é coletor por natureza, busca no mato o que precisa.

Tentei argumentar que seria mais viável e menos traumático se houvesse o aculturamento da comunidade indígena, garantindo-lhes escola pública, merenda, roupas, alimentação e qualificação de mão-de-obra. Essa integração possibilitaria aos índios adquirir bens de consumo (que hoje pedem na mendicância) e um lugar de melhor destaque na sociedade.

Isso foi como jogar água quente no homem. De dedo em riste, disse que jamais um índio se integraria aos costumes dos brancos, que ele não aceitaria conviver entre brancos e que o "grande sonho" dos guarani-kaiowá é ter um chão para viver com os seus. Passado alguns anos, vários acontecimentos mostram que o conhecimento e as convicções que este e tantos outros antropólogos adquiriram na faculdade, já era.

Estes "estudiosos" da questão indígena parecem ter parado no tempo, perdendo o bonde da história, ou melhor, o bonde da cultura indígena. Espantou-me primeiro aquele telefone público (orelhão) lá no meio do Amazonas, dentro de uma aldeia, no qual os índios falavam com curiosidade. Aqui, quando há revolta no Marangatu, a primeira coisa que os índios estrategicamente controlam é o "orelhão" do Campestre.

Dali ligam para Brasília, para lideranças que estão em outras cidades e traçam planos de resistência entre si. Apesar do distrito ser habitado por brancos, ninguém consegue usar o telefone. Só os índios. As parabólicas que colocaram lá naquelas aldeias de Rondônia e do Pará também me surpreenderam bastante. Por quê um índio não poderia ser fissurado numa novela ou no Big Brother Brasil? E os filmes "inéditos" dos nossos canais de televisão? E as notícias do Senado?

Mas quando vi aquela lista de mantimentos exigidos pelos índios de Japorã para deixar as fazendas invadidas, foi cômico encontrar pedido de tempero Sazon entre os itens. "Vamos sair sim, mas com amor", diria qualquer marqueteiro numa propaganda do tempero, aproveitando a deixa indígena. Normal, considerando que índio tem Identidade, CPF e Título de Eleitor. Chamem os antropólogos!

Quem disse que índio quer terra com capim barba-de-bode, com cupinzeiros, sem pasto formado? Quem foi que disse que índio quer viver sem sal, sem açúcar? "Churrasco, bom chimarrão, fandango, um trago e mulher, é disso que o índio gosta, é isso que o índio quer...". Acho que os índios estão certíssimos. Se eles não se integrarem à cultura branca vão acabar igual aos índios americanos: mortos de fome.

Os Estados Unidos dizimaram quase todas as tribos e no final confinaram os sobreviventes em regiões de pura pedreira, onde até cobra cascavel tem dificuldade em sobreviver. Apesar de haver exceções, parece que só os nossos antropólogos não evoluíram e continuam com o discurso americano da década de 60. Tô até vendo: "você, tropólogo, por fora, semente caju, índio por dentro, de olho na eleição".

Chamem os antropólogos que eu quero entender como as comunidades indígenas guarani-kaiowá das aldeias Bororó e Jaguapirú de Dourados, por exemplo, poderiam viver alheias à cultura branca, tendo computador, e-mail e demais benefícios dos programas oficiais de inclusão digital. As lideranças indígenas sabem que o movimento precisa avançar. Invasão sem conexão via satélite é "tilt" na certa.

Nem só de invasão vive o índio. Realmente cacique, o computador é muito útil e pode ser usado para melhorar a vida dos índios. O quê? Incluir a reserva no rol de atendimento do Serviço de Atendimento ao Cidadão? Cadê os antropólogos? Que eu saiba isso está sendo desenvolvido pelo MEC junto a alunos carentes de escolas públicas e não em aldeias indígenas. Chamem os antropólogos!

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