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A chama da impunidade

O Globo, Rio, p. 11
21 de Jun de 2010

A chama da impunidade
Balão seria causa de incêndio no Morro dos Cabritos, que destruiu área preservada

Relatos e imagens indicam que o incêndio no Morro dos Cabritos e no Parque da Catacumba, na Lagoa, que teve início por volta das 22 horas de sábado e destruiu boa parte da Mata Atlântica, foi mesmo provocado por um balão. Durante a madrugada de domingo, o comandante-geral do Corpo de Bombeiros, coronel Pedro Machado, chegou a confirmar a causa. Segundo o oficial, moradores do Condomínio Chácara Sacopã viram o momento em que a bucha de um balão caiu na mata da Área de Preservação Ambiental (APA) do Morro dos Cabritos. Na tarde de ontem, porém, ele voltou atrás e afirmou que não podia assegurar que um balão causou o fogo.
Mas o morador da Fonte da Saudade Felipe Tartari chegou a registrar em vídeo o momento da queda.

- Havia uns oito balões, e um caiu. Fiquei preocupado, pois o fogo se alastrou rapidamente em direção às casas da Rua Sacopã. Pensei que seriam incendiadas, mas os bombeiros agiram rápido - disse.

Em Botafogo,um morador que preferiu não se identificar, disse ter visto um balão perdendo altura até atingir o Morro dos Cabritos:
-Era um balão grande.
Entre a noite de sábado e o fim da tarde domingo, foram contabilizados nove focos de incêndio na cidade. A cultura dos balões não se curvou à legislação que classifica como crime ambiental a fabricação, o transporte e a soltura de balões. O Artigo 42 da Lei 9605/98 prevê detenção de um a três anos. Mas a realidade mostra que ninguém vai, de fato, para a cadeia. Como a pena é curta e afiançável, na maioria dos casos os condenados pagam cestas básicas ou prestam serviços comunitários. Este ano, houve 55 apreensões de balões em São Gonçalo, Nova Iguaçu e Campo Grande, que resultaram em 13 detenções. Ninguém parou atrás grades.

Segundo o coronel Mário Márcio Fernandes, comandante do Batalhão de Polícia Florestal e de Meio Ambiente (BPFMA), o número de detidos é baixo porque há dificuldade de registrar o flagrante:
- As pessoas abandonam o material e dizem que estavam apenas observando.

O número de apreensões de balões aumentou dez vezes nos últimos três anos. A última grande operação aconteceu em fevereiro, quando, em um só dia, 42 balões foram recolhidos durante um festival em Campo Grande.

Policiais detiveram cinco pessoas, mas todas acabaram sendo liberadas no mesmo dia, após o pagamento de uma fiança de R$ 1.900. Ontem pela manhã, policiais apreenderam um balão de 10 metros de altura na Rodovia Niterói-Manilha. A quantidade de balões aumenta nesta época devido às festas juninas e à Copa do Mundo.
'São uns brincalhões, uns palhaços'
Eduardo Paes pediu que as pessoas denuncie os baloeiros:
- Tem que ser todos presos. São uns brincalhões, uns palhaços achando que estão se divertindo e que acabam colocando em risco a vida dos outros. Se tiver algum bobalhão pensando em soltar balão, que se recolha à sua insignificância - criticou ele, acrescentando que uma área correspondente a quatro estádios do tamanho do Maracanã foi atingida.

Durante toda a manhã de ontem, dois helicópteros com caçambas de água, que estavam sendo reabastecidas na Lagoa Rodrigo de Freitas, sobrevoaram a região para tentar controlar as chamas. Foram mais de 50 mil litros jogados na mata durante seis horas seguidas. Mas, por volta das 13h30m, o fogo reapareceu no Morro dos Cabritos por causa do vento e se alastrou para a encosta do lado de Copacabana. Era possível ver labaredas e fumaça em cima do Túnel Velho e na Rua Tonelero.

De acordo com o meteorologista Marcelo Pinheiro, do instituto Climatempo, os ventos que chegaram à cidade vêm do interior do estado. Ele alerta que, se o incêndio que atinge o Morro dos Cabritos não for totalmente controlado, pode se alastrar para o Morro do Cantagalo e a Ladeira dos Tabajaras, em Copacabana.

O incêndio de enormes proporções assustou moradores. Na noite de sábado, o fogo se alastrou rapidamente devido ao vento e à vegetação ressecada. As chamas se assemelhavam à erupção de um vulcão, devido ao formato piramidal do maciço, e podiam ser vistas de praticamente todos os pontos altos da Zona Sul.

Alguns moradores criticaram o Corpo de Bombeiros pela suposta demora para iniciar o combate ao incêndio e pela dificuldade para conseguir atendimento pelo 193, o número de emergência.

Regina Libonati, moradora do Jardim Botânico, contou que pediu ajuda em quarteis da região após ser informada por um irmão que as chamas estavam se aproximando do apartamento dele, na Fonte da Saudade:
- Fui ao grupamento do Humaitá, e um soldado disse que não podia fazer nada. Fui ao quartel da Gávea e ouvi que o Morro dos Cabritos não estava na área de cobertura.

Moradores contam ainda que os bombeiros tiveram de usar água das piscinas de casas da Fonte da Saudade até a chegada de um caminhão-pipa, que aconteceu por volta das 1h30m. De acordo com bombeiros, a demora aconteceu por causa da dificuldade de acesso ao alto da Sacopã, onde carros estavam estacionados nos dois lados da rua. O coronel Pedro Machado negou que tenha havido demora. Segundo ele, cem homens foram para o local. O oficial disse que foram registrados outros três incêndios na Grajaú-Jacarepaguá, em Realengo e no Andaraí, todos supostamente provocados por balões.

O governador Sérgio Cabral determinou ao chefe da Polícia Civil, Allan Turnowski, e ao secretário de Segurança, Sérgio Côrtes, a realização de uma investigação rigorosa.
Outros focos de incêndio foram identificados em matas pela cidade.
Na Tijuca, bombeiros controlaram chamas no Morro da Liberdade. Por volta das 18h50m, bombeiros seguiram para o Morro do Juramento, em Vicente de Carvalho. Enquanto isso, homens do quartel do Campinho recebiam chamados da Estrada do Catonho, em Sulacap. E em Água Santa, o fogo avançou pela vegetação próxima da Linha Amarela. Um princípio de incêndio em vegetação na Avenida Salvador Allende, na Barra, também foi controlado pelos bombeiros. Por volta das 20h40m, um novo foco de incêndio no Morro dos Cabritos voltou a assustar. Para controlar o fogo, na altura do número 852 da Rua Sacopã, foram enviadas duas equipes de bombeiros.

Impunidade costumeira

A série de reportagens "A impunidade é verde - atrás das grades, só os animais", publicada no GLOBO em março de 2008, mostrou que, de 1998 a 2008, 99% das ações de crimes ambientais no Estado do Rio foram extintas sem condenação, ainda em primeira instância. Em 60% dos casos, os acusados voltaram a ser réus primários pagando cestas básicas ou prestando serviços comunitários.
Na grande maioria dos casos, os danos ao meio ambiente sequer foram reparados. Entre os anos de 2007 e 2008, somente nas unidades de conservação estaduais e federais, o fogo destruiu uma área de 29,2 quilômetros quadrados, o equivalente a 24 Parques do Flamengo.

Prefeitura promete reflorestamento imediato
Secretaria de Meio Ambiente e GeoRio contratarão empresa em caráter emergencial, diz Eduardo Paes

Ao visitar, na manhã de ontem o Parque da Catacumba para avaliar os danos causados pelo incêndio no Morro dos Cabritos, o prefeito Eduardo Paes disse que vai contratar uma empresa em caráter emergencial para fazer o reflorestamento da região. Ele acrescentou que já entrou em contato com a GeoRio e com a Secretaria de Meio Ambiente para que a empresa seja contratada imediatamente.

- Já autorizei a secretaria a começar o reflorestamento das áreas. A prefeitura faz muito reflorestamento de multirão, mas leva tempo.
Não consigo dar prazos ou custos, mas vamos recuperar, fazer o plantio e devolver à cidade essa mata fantástica - disse.
Após conferir que o Parque da Catacumba não havia sido atingido pelas chamas, o prefeito sobrevoou a região de helicóptero. Também presente no parque na manhã de ontem, a presidente da Comlurb, Ângela Fonti,disse que não dormiu durante toda a noite por causa do incêndio. Moradora do Corte do Cantagalo, ela relatou que viu o alcance do fogo de sua casa e temia as chamas se alastrassem e atingissem prédios. Ângela viu a Lagoa coberta de fumaça de sua janela.

- Eu escutava o barulho do fogo no mato. Da minha janela, via a Lagoa coberta de uma nuvem de fuligem. Foi uma madrugada de terror- afirmou a presidente da Comlurb.
Após a noite de incêndio, Ângela Fonti ainda disse que deslocou 20 garis, duas varredeiras e uma pipa d'água para Copacabana, para apagar os vestígios do incêndio no bairro. Os trabalhos se concentraram nas ruas Tonelero e Cinco de Julho.

Morador de Copacabana, o ambientalista Paulo Maia, presidente da ONG S.O.S. Aves e Cia., lamentou o incêndio e disse que o prejuízo para a região é imensurável. Apesar de ver com bons olhos o anúncio da prefeitura de reflorestamento da área, ele ressalta que será preciso muito tempo para que a região volte a ser como era.

- O fogo consumiu a vegetação a noite toda. O resultado disso será visto por anos na paisagem da cidade. A perda será grande não só para a flora, mas também para a fauna.

Diversas aves e animais silvestres morreram queimados ou sufocados com a fumaça - afirmou Maia.

Analista ambiental do Instituto Chico Mendes e ex-superintendente do Ibama no Estado do Rio, Rogério Rocco afirmou que incêndios são frequentes no mês de junho, e que a ação da prefeitura deve ser igual em todos os casos.
- É preciso lembrar que todas as áreas atingidas na cidade necessitam do reflorestamento - disse.

Área atingida se destaca pelo valor ambiental
Parte da vegetação local é rara

A área atingida pelo incêndio já recebeu a atenção do poder público diversas vezes devido ao seu valor ambiental. Em 1992, um decreto municipal sancionou a criação da APA do Morro dos Cabritos, que engloba toda a área preservada do maciço.

A parte mais conhecida da unidade de conservação é o Parque Natural Municipal da Catacumba, que recentemente inaugurou atrações de ecoturismo.

O engenheiro florestal Alexandre Veiga do Amaral, fiscal da patrulha ambiental da prefeitura, esteve na Rua Sacopã durante o incêndio. Ele disse que, apesar de a área já ter sido reflorestada, parte da vegetação existente no local é muito valiosa:
- São diversas espécies de Mata Atlântica sendo queimadas, como sombreiro, aroeira e os ipês. As manchas de capim colonião, espécie que tira o espaço das nativas e é de fácil combustão, podem ter acelerado o incêndio.

A vegetação que cobria a área antes do primeiro desmatamento era do tipo Floresta Ombrófila Densa Submontana, segundo classificação do IBGE. No trecho do Parque da Catacumba, o reflorestamento, feito com espécies de crescimento rápido, apresenta um aspecto homogêneo. Entre as espécies mais observadas, estão a saboneteira, as jurubebas e os flamboyant.

Amaral informou que a Secretaria municipal de Meio Ambiente vai acionar hoje a Coordenadoria de Recuperação Ambiental, que iniciará o processo de recomposição da área. Um dos reflorestamentos da região ocorreu após a remoção da Favela da Catacumba, em 1970, ordenada pelo então governador Carlos Lacerda. A comunidade tinha cerca de 2 mil barracos e 15 mil habitantes.

A fauna existente na área veio de florestas próximas, como o Parque da Tijuca. Já foram avistados no local animais como preá-do-mato, calango e a cobra-verde, mas as aves são a grande atração. Entre as espécies existentes no local estão a rolinha, a cambaxirra, a cambacica, o pardal, o bem-te-vi e o bico-de-lacre.

O Globo, 21/06/2010, Rio, p. 11

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