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Cético em pele de ambientalista

O Globo, Sociedade, p. 27
09 de Dez de 2016

Cético em pele de ambientalista

Cesar Baima
cesar.baima@oglobo.com.br
Colaborou Sergio Matsuura

RIO - Qualquer esperança de que o presidente eleito dos EUA, Donald Trump, abandonasse, ou ao menos amenizasse, sua retórica de ceticismo quanto às mudanças climáticas provocadas pela ação da Humanidade virou literalmente fumaça com o anúncio da indicação, anteontem, do procurador-geral do estado de Oklahoma, Scott Pruitt, para chefiar a Agência de Proteção Ambiental do país (EPA, na sigla em inglês). Adversário ferrenho da política climática do atual presidente Barack Obama, Pruitt é um dos líderes de uma batalha legal com a participação de 28 estados americanos e centenas de empresas e grupos de interesse contra a própria EPA e seu Plano de Energia Limpa, um conjunto de regulamentações e metas lançado por Obama que está na base da maneira como os EUA pretendem cumprir seus compromissos de cortes nas emissões de gases do efeito estufa dentro do Acordo de Paris, assinado no ano passado. O plano tem como principal alvo as em geral ineficientes, e altamente poluidoras, usinas movidas a carvão, das quais o país, e Oklahoma, obtêm boa parte de sua eletricidade.
- Por muito tempo a Agência de Proteção Ambiental gastou dólares dos contribuintes em uma descontrolada agenda antienergia que destruiu milhões de empregos enquanto também enfraqueceu nossos fazendeiros e muitos outros negócios e indústria a cada turno - justificou Trump em comunicado sobre a escolha, divulgado ontem, acrescentando que Pruitt "vai reverter esta tendência e restaurar a missão essencial da EPA de manter nosso ar e água limpos e seguros". - Minha administração acredita fortemente na proteção ambiental, e Scott Pruitt será um poderoso defensor desta missão ao mesmo tempo em que promove a criação de empregos, a segurança e a oportunidade - concluiu o presidente eleito.
Pruitt, porém, é conhecido por suas ligações com a indústria dos combustíveis fósseis, muito forte em Oklahoma, tanto que chegou a ser classificado como "marionete" da mesma pela organização ambiental 350.org, também em comunicado sobre sua indicação divulgado ontem. Outro exemplo da submissão de Pruitt aos interesses desta indústria foi revelado por investigação do jornal americano "New York Times" vencedora do prestigiado prêmio Pulitzer no ano passado.
De acordo com a reportagem, parte de uma série publicada em 2014, em 2011 o procurador-geral de Oklahoma enviou cartas com o timbre de seu escritório e assinatura para a EPA, o Departamento do Interior, o Escritório de Gestão e Orçamento da Presidência (algo como a Secretaria de Governo no Brasil) e até próprio presidente Obama reclamando das regulamentações e estimativas da agência ambiental com relação à poluição provocada pela exploração de petróleo e gás no estado.
O problema, mostrou o jornal, é que o texto de três páginas das cartas foi escrito em grande parte por advogados da Devon Energy, uma das maiores companhias petrolíferas de Oklahoma, e entregue ao procurador-geral do estado pelo lobista chefe da empresa, William F. Whitsitt, com apenas umas poucas palavras trocadas pela sua equipe. Pruitt, que em sua biografia oficial na internet se autodefine como "um líder da defesa contra a agenda ativista da EPA", por sua vez retrucou que é seu dever como procurador-geral defender os interesses e bem-estar do povo e de Oklahoma, o que inclui o setor de energia, um dos maiores motores da economia do estado.
- O povo americano está cansado de ver bilhões de dólares escorrerem da economia devido a regulações desnecessárias da EPA, e pretende tocar esta agência de uma maneira que fomente tanto a proteção responsável do meio ambiente quanto a liberdade para os negócios americanos - destacou Pruitt no mesmo comunicado de Trump sobre sua indicação.
A nomeação de Pruitt para a chefia da EPA foi recebida com um misto de preocupação e resignação por organizações e ativistas da área ambiental, mas também com uma certa dose de confiança. Isto porque nem ele nem Trump terão poder para revogar o Plano de Energia Limpa caso este seja aprovado pela Justiça na batalha que deve se estender até a Suprema Corte do país. Por outro lado, Pruitt, como chefe da agência ambiental, pode simplesmente não buscar impor sua aplicação. Assim, seriam muito pequenas as chances de os EUA cumprirem a meta voluntária de reduzirem suas emissões de gases-estufa em 17% na comparação com os níveis de 2005 até 2020, quando acaba este mandato de Trump, um importante passo para que o país - segundo maior poluidor do mundo, responsável por cerca de 15% das emissões globais - também possa cumprir o compromisso de cortar estas mesmas emissões 26% a 28% até 2025 assumido no Acordo de Paris.
- Num momento em que as mudanças climáticas são a grande ameaça ambiental para todo o planeta, é triste a perigoso que Trump tenha nomeado Scott Pruitt para liderar a EPA - resumiu Bernie Sanders, ex-pré-candidato democrata à Presidência dos EUA e agora senador independente pelo estado de Vermont, integrante do comitê que precisa confirmar a indicação. - O povo americano deve exigir líderes dispostos a afastar nosso sistema de energia dos combustíveis fósseis. Vou me opor vigorosamente a esta nomeação.
E agora é justamente o fator econômico que levou Trump a indicar Pruitt para a agência a maior esperança de ativistas e ambientalistas para que os EUA continuem no caminho da redução de suas emissões de gases-estufa, mesmo com descrentes do aquecimento global causado pelo homem, como ambos, no poder no país.
- O fato de Pruitt ou Trump acreditarem ou não na influência humana no aquecimento global não é tão importante porque o que está em jogo atualmente é muito mais o interesse econômico - diz Suzana Kahn-Ribeiro, presidente do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC). - A economia dos EUA já está ganhando com o esforço mundial para redução das emissões, então é do interesse do país que as metas sejam cumpridas. Tanto que os avanços que vimos até agora nesta questão foram mais por conta de questões econômicas do que de um aumento do conhecimento científico sobre o assunto, de como a ação humana está aumentando a temperatura da Terra. Acho que o próprio mercado vai se encarregar de empurrar os EUA para o cumprimento de suas metas de forma que o país não perca este bonde da História e cheguem no futuro com um mico na mão, aprisionados a uma tecnologia antiga e uma estrutura obsoleta que serão muito ruins para sua competitividade econômica.
Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima, também acredita que a gestão Trump sofrerá pressão do próprio mercado para seguir em frente com o corte nas emissões, lembrando que no ano passado a indústria de energia solar superou as de extração de petróleo e gás e mineração de carvão em número de empregos gerados.
- E se Trump e Pruitt não dão a mínima para as mudanças climáticas, as mudanças climáticas também não dão a mínima para quem é o presidente dos EUA, e vão cobrar a conta da inação - destaca. - Eles podem parar as ações climáticas do governo americano, mas não serão capazes de conter o próximo incêndio florestal na Califórnia ou o próximo furacão que atingir os EUA.

O Globo, 09/12/2016, Sociedade, p. 27

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