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Censo traz desafio de políticas públicas para indígenas

Valor Econômico, Brasil, p. A6
08 de Ago de 2023

Censo traz desafio de políticas públicas para indígenas
Mudança metodológica permite enxergar indígenas antes "invisíveis" em áreas urbanas distantes de terras indígenas

Por Rafael Rosas, Alessandra Saraiva e Lucianne Carneiro
Do Rio 08/08/2023

O Censo Demográfico 2022: Indígenas - Primeiros Resultados, divulgado nesta segunda-feira (7), mostrou que a população indígena no país atingiu 1,69 milhão de pessoas no ano passado. O que aparentemente indicaria um salto de quase 90% nesse quantitativo populacional frente aos 896,9 mil pessoas, foi fruto principalmente de uma mudança metodológica feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que jogou mais luz sobre os dados, que neste ano estão mais detalhados que em 2010. Como resultado, especialistas afirmam que as informações divulgadas ontem trazem indicações para nortear novas políticas públicas para populações que antes não eram captadas pelas estatísticas oficiais do país.

No Censo do ano passado, perguntas no questionário que poderiam identificar quem se considera indígena no país foram incluídas em locais fora de territórios indígenas delimitados de maneira formal. A inexistência dessas perguntas fora dessas áreas em 2010 diminuiu o contingente indígena.

"Ampliamos as possibilidades de nossos informantes se declararem indígenas a partir de quesitos complementares", disse Fernando Damasco, pesquisador e gerente de territórios tradicionais e áreas protegidas do IBGE.

Como resultado dessa mudança metodológica, o Censo 2022 mostra que mais de 60% dos indígenas do país moram fora de seus territórios. Havia 1,071 milhão - ou 63,27% do total - longe dos territórios indígenas, enquanto 622.066 (36,73%) moravam dentro de suas terras no ano passado. No Censo 2010, 57% dos indígenas moravam em seus territórios. O país soma 573 terras indígenas, contra 505 no censo passado, mas apenas 501 são comparáveis entre as duas pesquisas.

O demógrafo e professor aposentado da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence) José Eustáquio Diniz Alves ressalta que o aumento da cobertura do recenseamento em localidades indígenas e políticas afirmativas de valorização do reconhecimento dos povos originários explicam "fundamentalmente" o aumento da população indígena. "A parceria do IBGE com as comunidades indígenas foi essencial para a melhor contagem. E, em um cenário nacional em que mais pessoas passaram a se reconhecer indígenas, isto aumentou a autodeclaração", afirma.

Por enquanto, diz Alves, ainda não é possível determinar o peso dos fatores demográficos na variação do tamanho da população indígena entre os Censos de 2010 e 2022. "Mas sabemos que somente os componentes da dinâmica demográfica não são suficientes para explicar um crescimento de quase 90% em 12 anos." "O governo tem que pensar em política pública para essa população", diz Neidinha Suruí, ativista socioambiental e integrante da associação de defesa etnoambiental Kanindé. "Quem mora em contexto urbano tem que ter o mesmo atendimento de quem mora na terra indígena", diz. E explica que o censo vai obrigar os formuladores de políticas públicas a pensar em soluções não apenas para dentro do território, mas também para outras regiões.

A maior cidade da região Norte, por exemplo, é a que mais concentra população indígena no país. Manaus tem 71.713 indígenas, seguida das também amazonenses São Gabriel da Cachoeira, com 48.256, e Tabatinga, com 34.497 indígenas. No total, de 5.570 municípios do país, 4.832 têm presença indígena, sendo 79 com mais de 5 mil indígenas. Outras grandes cidades também apresentam populações indígenas relevantes. Salvador tem o quarto maior contingente do país, com 27,7 mil, enquanto São Paulo, maior município brasileiro, tem a décima maior população indígena, com 19,7 mil pessoas.

Governo tem que pensar em política pública para essa população"
"O resultado do Censo é fundamental e traz dados demográficos para traçar perfil específico. Os grupos dentro das cidades estavam 'invisibilizados'", diz Tiago Moreira, pesquisador do Instituto Socioambiental (ISA).

Outra questão levantada pelo pesquisador do ISA é que 867.919 indígenas vivem na Amazônia Legal, área que abrange oito Estados pertencentes à Bacia Amazônica, o equivalente a 51,25% do total. Significa que quase metade, 48,75% do total, estava fora da Amazônia.

"Do ponto de vista da política pública, o Censo nos coloca para pensar qual seria a política a se ter [para a população indígena] fora da Amazônia Legal e em áreas urbanizadas", diz Moreira. Alcebias Constantino, do povo Sapará e vice-coordenador geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), também ressalta que as políticas públicas precisam chegar fora das terras indígenas e para além da Amazônia: "A Amazônia Legal concentra boa parte da população indígena", diz. "Mas os outros biomas também requerem uma máxima atenção. E as políticas de demarcação de terras indígenas precisam chegar", cobra.

Um ponto especial do Censo 2022 foi o levantamento da terra indígena Yanomami, maior do país em área, com 9,5 milhões de hectares, o que corresponde, aproximadamente, à área dos Estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo somados. Damasco, do IBGE, diz ainda que é o território indígena com maior número de habitantes, com 27.152 indígenas.

Damasco ressalta que o censo da população yanomami exigiu enorme logística em meio à crise sanitária vivida pela população, que nos últimos anos foi vítima de ataques e invasões de garimpeiros. "Tem relevo desafiador, rios em grande parte não navegáveis e outras dificuldades de acesso, de percurso" disse. "Falamos aqui que tem o censo indígena; e tem o censo yanomami", diz Damasco, lembrando que a Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin), declarada em janeiro, fez os recenseadores trabalharem em meio ao recebimento de ajuda humanitária a esse povo.

Valor Econômico, 08/08/2023, Brasil, p. A6

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