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04 de Out de 2024
Censo: 91% dos indígenas vivem em casas, mas a maioria dos lares não tem saneamento
Apenas 0,87% dos 72,4 milhões de domicílios do país têm ao menos um morador que se declara indígena, indica levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Rayane Rocha
04/10/2024
Apesar de serem associados a malocas e habitações sem paredes, a maioria dos indígenas brasileiros vive em casas, de acordo com dados do Censo 2022 divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta sexta-feira (4). O percentual de povos originários que mora nesse tipo de residência é de 91,93%, acima da média nacional de 84,78%.
Ao todo, existem 72,4 milhões de domicílios particulares e permanentes no país. Desses, somente 630.428 contam com ao menos um indígena, o que representa 0,87% dos lares brasileiros. Dentro desses ambientes, 73,44% dos outros moradores também são indígenas, o que representa uma baixa diversidade de cor ou raça.
Por outro lado, habitações sem paredes e malocas compreendem apenas 3,1% dos lares onde vive a população indígena no geral, e 8,15% das moradias com essas características fica dentro de terras indígenas. Esses casos são mais comuns nos estados da região Norte, como Acre, Amapá, Roraima e Pará. Também há registros em outras áreas do mapa, como Maranhão, no Nordeste, e Mato Grosso, no Centro-Oeste.
Além disso, outros 3,51% estão domiciliados em apartamentos. Dentro das reservas, a parcela que reside nesse formato de habitação é de 0,02%. Casas de vila e condomínio alcançam 1,11% dos originários e 0,15% dos habitantes de terras indígenas.
Maior parte vive sem saneamento até hoje
Ainda que a maior fração dessa parcela de brasileiros resida em casas, não há saneamento básico na maioria delas. Ao todo, 470.250 convivem com a falta de abastecimento de água, coleta de lixo e sistema de esgoto adequados.
A cifra é ainda maior considerando aqueles que lidam com ao menos uma das três situações de precariedade. Nesse recorte, são 1,1 milhão de indígenas, isto é, mais de dois terços.
Além disso, ao olhar separadamente para cada uma dos componentes, 69% das pessoas não têm abastecimento de água e mais de 85% dos indígenas que moram em reservas não possuem esgoto nem têm o lixo coletado corretamente.
A análise do IBGE não considera os indígenas que residem em habitações sem paredes ou malocas. Segundo o instituto, diante da estrutura desses domicílios, não é esperado que haja "a presença de canalização de água até dentro da habitação ou banheiro, por exemplo". Esses habitantes representam 52.249 pessoas, isto é, 3% da população indígena total.
Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Articulação dos povos indígenas do Brasil, afirma que, "no contexto geral", foi possível perceber melhorias no intervalo de 12 anos entre os dois censos demográficos.
- Não podemos negar que houve melhora, mas ela ficou abaixo do que nós esperávamos. Nós ainda não conseguimos visualizar ações dos governos estaduais e municipais que contribuam para a melhoria do cenário. Esse avanço poderia ser bem maior se houvesse engajamentos dos municípios e dos estados, para além do governo federal - pondera.
Embora alguns avanços tenham acontecido, muito ainda precisa ser feito na visão do advogado.
- O retrato dos dados que foram apresentados [pelo IBGE] é o de um Brasil que se nega a buscar e a implementar políticas públicas para os povos indígenas, onde quer que eles estejam. Nós somos uma população vulnerabilizada. Temos um contexto sociocultural e econômico bastante específico e diferenciado do resto do país e isso precisa ser levado em conta - defende Dinamam.
Pouca melhora em 12 anos
Nas reservas, 85,42% vivem sem rede geral de esgoto ou fossa filtro. Em relação a 2010, os números de 2022 representam uma pequena melhoria de 2,72% na infraestrutura de esgotamento.
O destino correto de lixo também segue em patamares muito baixos. Há dois anos, não havia coleta direta ou indireta de resíduos em 86,22% dos domicílios localizados em terras indígenas. Em 2010, esse percentual era de 93,34%.
A ausência de banheiros ou sanitários também chama a atenção. Até hoje, só 47,7% dos que moram em reservas têm banheiros para uso exclusivo da residência. Com isso, 21,93% dispõem de sanitário ou buraco para dejeções. Outros 18,46% não têm nem banheiro nem sanitário.
No Brasil, o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) foi instituído em 2014. Mesmo assim, 95,59% dos indígenas convivem, mesmo que parcialmente, com realidades inadequadas à meta do governo federal no que diz respeito a abastecimento de água, destinação do esgoto ou coleta de lixo.
Para o coordenador executivo da Apib, esses gargalos têm origem no "déficit histórico da demarcação de terras indígenas" no país.
- Muitas dessas casas que estamos falando não têm status "legal", justamente por estarem em localidades que ainda não foram demarcadas. São lugares onde o estado se recusa a aplicar recursos e a desenvolver políticas públicas sob a justificativa de serem "áreas de conflitos" - explica Dinamam Tuxá.
Essa conjuntura, conta o advogado, expõe a população indígena ao adoecimento e reforça a "necessidade de oferecer mais qualidade de vida a quem já vive em situação de vulnerabilidade".
- Há regiões indígenas com altos índices de disenteria e desnutrição de crianças, o que está diretamente relacionado à falta de saneamento básico. Muitas das águas estão contaminadas com os agrotóxicos usados pelos produtores rurais, pelo garimpo ou pelo próprio esgoto. Tudo isso contamina os rios e as nascentes. Se não há água potável, há um problema sério de saúde pública desses povos - finaliza.
Ao GLOBO, o Ministério dos Povos Indígenas alegou que os dados do IBGE "são um importante instrumento para a criação de políticas públicas voltadas aos indígenas, com base em informações concretas sobre a realidade econômica e social brasileira".
Em nota, a pasta comandada por Sonia Guajajara disse que "tem trabalhado em diversas frentes para assegurar os direitos dos povos indígenas, atuando em conjunto com outros ministérios e órgãos governamentais".
O comunicado ressaltou ainda que existem ações em curso, como "o projeto Indígena Cidadão, Fronteira Cidadã, com recursos no valor de R$ 80 milhões do Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul (Focem), onde estão previstas ações como a construção de sistemas de abastecimento de água; com resultados esperados de acesso à água potável para 98.402 indígenas."
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